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Monday, July 11, 2011

“Rei Édipo”de Sófocles (Edições 70)



Tradução de Maria do Céu Zambujo Fialho

O Editor, a partir do site da livraria Almedina, sintetiza os principais tópicos abordados no drama que se tornou um dos principais ícones da tragédia clássica:

Todo o pano de fundo em que decorre a peça é formado por dados que a tradição já registara e que, consequentemente, o público conhece: o nascimento de Édipo, votado a um futuro de parricida incestuoso, o seu abandono pelos pais, a sua adopção pelos reis de Corinto, a descoberta do oráculo sobre o seu destino, a morte acidental do pai, o episódio da esfinge, o casamento com Jocasta, a mãe, e a revelação trágica do duplo crime e da verdade dos oráculos...
Tragédia do conhecimento de si, Rei Édipo é, assim, uma tragédia da condição humana, tal como Sófocles a concebeu, com muito do sentimento do efémero patente na lírica arcaica, onde o homem, embalado pela canção da aparência, caminha, cego, para a sua ruína, pensando ter sido escolhido o rumo exacto, tornando assim todo o orgulho vão, e frágil toda a certeza de si próprio.

Esta atraente reedição de 2006, é feita a partir do original em grego e valorizada por um grafismo minimalista, a representar uma tamareira na capa. A maior parte do texto da obra de que aqui tratamos é constituída pelo brilhante prefácio da tradutora Maria do Céu Zambujo Fialho, no qual são exploradas as várias dimensões de análise do drama deste Autor do período clássico da civilização da Hélade e, ao longo do qual, a Tradutora/Autora sugere várias pistas para a descodificação das frases sibilinas contidas nos diálogos. Outro aspecto relevante na obra, a acrescentar-lhe uma importante mais-valia, são as notas de rodapé, que visam esclarecer alguns do elementos da cultura da época, menos conhecidos do grande público, assim como a extensa listagem da bibliografia utilizada que serviu de base a MCZ para a redacção do prefácio e notas de rodapé.

No mesmo prefácio, são cuidadosamente explorados o papel e a importância de cada personagem na trama e comentadas as atitudes e respectivas nuances de comportamento, à medida que se desenvolve a acção. É dada, aqui, uma ênfase especial ao papel e função dos oráculos e dos áugures, que vão lançando algumas pistas sobre a forma como se desenvolve o conflito entre as personagens. As atitudes de Laio e Jocasta são avaliadas, assim como as de Édipo e Creonte, em relação àquela classe social que tanta influência exercia na Grécia arcaica: os sacerdotes e profetas. A esta diferença de posições está subjacente uma mudança cultural, ocorrida já na época em que Sófocles escreve a peça, opondo dois pontos de vista claramente distintos: de um lado, a posição dogmática, a fé cega nos deuses e oráculos, característica do período arcaico; e, por outro lado, a dúvida, o espírito crítico, a interrogação típica do período clássico, onde as artes, a poesia, a música e a filosofia, o Conhecimento, se opõem ao poder dos sacerdotes, dado que o Autor do drama é contemporâneo dos intelectuais de vanguarda e espíritos mais brilhantes do glorioso século de Péricles.

São, também, analisadas as relações de atracção entre as personagens, de que é paradigma a de Édipo e Jocasta e as de repulsão como a de Édipo e Laio, ou a de Édipo e Creonte.

A Hybris e a Phtonos - Orgulho e Inveja

Ao lermos os versos de Sófocles, apercebemo-nos sobretudo dos medos dos antigos Gregos, transversais a todas as épocas da história da Hélade. Por exemplo, reparamos que a Hybris – presunção ou orgulho desmedido – é quase sempre o detonador de acontecimentos nefastos, assim como o desejo desmedido de ostentação, aquisição de poder e todas as formas de exibicionismo, sobretudo quando os humanos se querem igualar aos deuses. Todos estes comportamentos despertam nos mesmos deuses – ou nos homens humildes, sobretudo nos menos agraciados pela sorte - o sentimento de Phtonos: o ciúme ou a inveja, que trazem sempre consequências devastadoras para os que são alvo deste género de emoção destrutiva, por se tentarem destacar dos demais.

O Acaso

O papel do acaso é também tido em consideração na obra, tratando a submissão do homem aos caprichos da sorte e ao determinismo das profecias na tentativa de controlar a aleatoriedade inerente à lei do acaso. Percebe-se, no entanto, o pseudo-determinismo, anunciado pela voz dos sacerdotes-áugures, no intuito de conceder uma falsa segurança àqueles que os consultam face à imprevisibilidade do destino, o que se revela uma excelente ferramenta de manipulação a qual acabará por levar algumas duas das principais personagens – Laio e Jocasta – a cometer um dos piores crimes contra a humanidade (parricídio) e, mais tarde, a que a protagonista feminina quebre um dos principais tabus sociais, ao encetar uma relação incestuosa, por desconhecimento e, precisamente, por se deixar guiar pelos oráculos.

Outro aspecto que ressalta da leitura de Rei Édipo é a consciência do erro que desencadeia a necessidade de expiação. Um facto curioso é o de, à época em que decorrem os acontecimentos, o desconhecimento dos actos dolosos praticados poder ser usado como atenuante face à punição atribuída – o exílio e não a morte – sem contudo apagar o sentimento de culpa, ou impedir a expiação da mesma, caindo na patologia da automutilação.

As consequências

Édipo e Jocasta, a partir do momento em que tomam consciência da realidade – ou são confrontados com ela – querem de tal forma demarcar-se dos actos cometidos, que optam por cortar radicalmente com o passado na tentativa de o eliminar: Jocasta põe termo à vida e Édipo vaza os olhos, escolhendo o mundo das trevas para deixar de contemplar a mulher que ama e à qual não consegue olhar como mãe – porque nunca o foi – assim como a desonra perante as filhas que são, na realidade, suas irmãs.

Sófocles pretende colocar em evidência dois termos antagónicos que pressupõem duas formas diametralmente opostas de olhar a Vida: a arrogância da hybris, que se liga a uma espécie de cegueira mental - como é o caso de Laio e, por vezes, Édipo - face à moderação e à inteligência, o caminho que Édipo quer seguir a partir de então, optando pela cegueira física. O rei deposto, no momento em que provoca a própria cegueira, está a rejeitar o mundo das aparências e a tentar seguir o caminho do idealismo platónico do mundo da razão e das ideias, já que foi traído pelos sentidos.

Ao aperceber-se que a vida se desmorona, fruto da ira e de um erro de percepção, Édipo, no acto de substituição da cegueira mental pela cegueira física está, doravante, obrigado a apurar outro género de visão, mais acutilante, profunda e com um menor grau de falibilidade: a Razão.

Édipo não é, no entanto, o único personagem cujos actos se deixam conduzir pela cegueira dos sentidos: Laio e Jocasta sofrem, também, as consequências do mesmo erro, ao darem ouvidos àquilo que poderiam ser “vozes mal intencionadas” – isto é, vindas dos áugures, mediante supostas mensagens dos “deuses” – no momento em que encarregam o criado de assassinar ou eliminar o próprio filho.

Uma hipótese de leitura que se poderá levantar é o facto de os deuses, no Olimpo inacessível, poderem decretar a punição e expiação em casos análogos, mas as maquinações que desencadeiam actos criminosos terem somente origem na maldade humana ou no impulso negativo de destruição do Outro. Trata-se da versão antiga do axioma que infere que "todo o comportamento gera comportamento" ou de que "a uma determinada acção se segue e reacção correspondente".

Ao analisarmos mais detalhadamente a obra numa perspectiva crítica, não podemos deixar de achar no mínimo suspeita a estreita ligação entre Creonte e os sacerdotes-áugures do Templo de Apolo, os quais ditam os oráculos. E como, de oráculo em oráculo, todos aqueles que estão colocados na linha de sucessão do trono, à frente de Creonte, vão desaparecendo.

Também não deixa de ser igualmente suspeito que todas as personagens secundárias, parecerem surgir no momento oportuno e de forma a que a revelação do delito tenha o máximo efeito, em termos de impacto na opinião pública. As mesmas personagens acabam por desempenhar o papel de adjuvantes, não do protagonista, mas do anti-herói, o qual surge com a imagem impoluta, apesar de se adivinhar tão venal quanto os demais protagonistas. O homem que entrega o filho de Jocasta, recém-nascido, está também presente na encruzilhada, no momento em que Laio é morto. E é, precisamente, o único elemento da comitiva que escapa com vida, após o confronto entre pai e filho. O mesmo criado é mandado trazer por Édipo para a audiência mas, por detrás dos boatos e das dúvidas que surgem, está Creonte o qual, insidiosamente, incita Édipo a investigar o seu passado oculto. Posto isto, verificamos que a testemunha-chave está presente em todos os momentos cruciais, o que é muito pouco verosímil. A menos que se trate de uma farsa, montada por quem beneficia da eliminação dos descendentes em linha directa ao trono, se adjuvado por uma muito bem armada teia de cúmplices.

Édipo não resiste à curiosidade e morde o isco, ao tentar descobrir a verdade que se oculta por detrás das suas origens obscuras. Verdade que, neste caso, irá despoletar uma guerra civil e a destruição de pessoas que não erraram por malícia.

É, também, notório que, nos versos de Sófocles, as intenções nefastas de Creonte as quais afloram, também, à mente de Édipo: Mas a suspeita é rapidamente eclipsada pelo desenrolar dos acontecimentos e pelo choque violento, desencadeado pelas revelações. Parte da verdade acaba no entanto por ficar no segredo dos deuses, em virtude do desaparecimento ou afastamento das personagens interessadas.

Rei Édipo será sempre uma das mais fascinantes alegorias, envolvendo os meandros da política, que se torna, evidentemente transversal, a todas as épocas históricas, por ser o espelho da natureza humana o seu aspecto essencial, que se conserva intacta ao longo dos Tempos.



Cláudia de Sousa Dias

10 Comments:

Blogger Olinda Melo said...

Interessante este ‘Rei Édipo’ que sempre tive na ira mas que nunca li. Verifico que, realmente, é uma obra cujo conteúdo atravessa todos os tempos, com uma trama trágica e complexa. Também está aqui explicado aquilo que , a partir de Freud, é chamado de complexo de ‘Édipo’. Como foca no texto, a personagem de Creonte é fulcral porque manobra tudo e, no fim, é bafejado pela sorte porque, com a precipitação dos acontecimentos, nem chega ao conhecimento dos interessados a sua acção.
Gostei muito.

Olinda

2:00 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Olinda!

Acho que a licenciatura em Psicologia devia incluir esta obra como leitura obrigatória, mas como o Freud está caído em desgraça...


csd

2:37 PM  
Blogger Roberto said...

Por que Freud caiu em disgazia? Deve ter me conhecido :-)
Roberto

5:28 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Isso dava um debate de mais de quatro horas! o equivalente a uma defesa de uma tese de doutoramento!

Mas, basicamente, Freud caiu em desgraça, sobretudo nas universidades portuguesas devido a um conjunto de imprecisões e falhas na sua teoria ou modelo de desenvolvimento da personalidade e pela falta de indicadores objectivos que garantam a eficácia do método psicanalítico, durante as sessões de rpsicoterapia. A dificuldade de aplicação do método da psicanálise prende-se com o acesso ao inconsciente do ser humano. É complicado e fazer uma análise objectiva ao inconsciente que só pode ser obsevado por via indirecta e que pressupõe uma interpretação do comportamento e atitudes do paciente, tentando chegar às respectivas causas: as motivações que o originam. Ora, esta interpretação pela impossibilidade de se basear em indicadores objectivos e quantificáveis é, na maior parte das vezes subjectiva e sujeita a imprecisões quando não a erros grosseiros. A teoria de Freud não deixa de ser aproveitável, mas deve ser complementada com outros modelos de análise: o cognitivista e comportamental.

Mas Freud, o pai da psicanálise, objectivo ou não não deixa de ser delicioso. Quanto mais não seja pela forma revolucionária em como leva o Ocidente judaico-cristão a olhar a sexualidade.


csd

8:38 PM  
Blogger Olinda Melo said...

Voltei para corrigir:'sempre tive na mira'.
Aproveitei para ler o que disse sobre Freud. O tema da sexualidade foi deveras revolucionário, tendo em conta com todos os seus cambiantes.

Olinda

1:24 AM  
Blogger Roberto said...

Grazie per la risposta l'ho tradotta e letta con molta attenzione.
Buona domenica Claudia
Roberto

9:20 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É verdade, Olinda.


;-)


csd

12:00 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Bacio, Roberto.

:-*


csd

12:00 PM  
Blogger Olinda Melo said...

Desisto... :)) (tendo em conta...)
Os meus comentários, ultimamente, só trazem gralhas...

9:20 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Não há problema, Olinda!

Eu também dou imensas gralhas, por escrever muito depressa. Felizmente, o corrector automático do blogger já dá uma ajuda...


csd

10:43 AM  

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