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Sunday, September 18, 2011

“O Professor e o Louco” de Simon Winchester (Temas e Debates)



Tradução de Eugénia Antunes

O romance de que aqui tratamos diz respeito à história romanesca que está por detrás da concepção e compilação do mais completo e minucioso dicionário de língua inglesa: o Oxford English Dictionary. A narrativa adquire contornos épicos pela transmissão da magnitude da empreitada e, simultaneamente, pelo delinear dos meandros que envolveram um fascinante estudo de caso no tocante ao desenvolvimento de métodos de diagnóstico e tratamento de uma doença mental inquietante: a esquizofrenia. O Professor e o Louco começa por ser uma história relativa a um assassínio ou thriller psicológico mas logo acaba por derivar para uma obra onde a biografia, ensaio, ciências neurológicas e literatura se fundem harmoniosamente.

A trama de O Professor e o Louco é desenvolvida sob a forma de uma especialmente bem arquitectada estrutura narrativa: começa por descrever o cenário relativo à cidade de Londres do final do século XIX, onde ocorre um crime chocante, seguido de uma condenação considerada como exemplar para os padrões da época e acompanhada de um diagnóstico de insanidade mental do perpetrador do crime, encerrando o mesmo num hospital psiquiátrico durante o resto dos seus dias.

O Autor parte da história do crime e da identificação inequívoca de uma doença mental do foro psiquiátrico que teria estado na sua origem. Doença que, pela descrição, seria hoje classificada de esquizofrenia paranóide . A mesma patologia contextualiza toda a tematica principal do romance, através da análise da história de vida do paciente, a evolução da doença e, ao mesmo tempo, fornecendo os elementos que possibilitarão ao mesmo condenado, a colaboração na compilação do dicionário, sempre confinado aos limites dos muros do sanatório. Por outro lado, somos postos ao corrente da evolução dos métodos de tratamento e técnicas de diagnóstico que, em psiquiatria, se foram aprimorando ao longo do último século, paralelamente às adendas que se foram juntando à versão original do OED.

Ao prestarmos atenção ao discurso do narrador, que se percebe tratar-se de um investigador dos finais do século XX, 0 qual se incumbe da missão de reunir o material necessário para escrever um ensaio sobre a elaboração do OED, damo-nos conta da gigantesca dimensão do trabalho minucioso e incansável que terá sido o de compilar o Oxford English Dictionary, implicando o catalogar de todas as palavras de língua inglesa e respectivas variações, sofridas ao longo dos últimos cinco séculos.


O crime de Cambet March, a ligação com a criação do OED e com a Estrutura da Narrativa

O crime mencionado tem uma estreita ligação com o trabalho de compilação do OED, uma vez que permitiu a William Chester Minor, autor do referido crime, dispor do tempo necessário à colaboração, a tempo inteiro da obra supra-mencionada, concretizada no trabalho incansável e obsessivo, de catalogar as palavras e elaborar a definição mais adequada para cada uma delas.

Dentro das paredes do quarto na instituição psiquiátrica o trabalho persistente, árduo e constante de quem se agarra ao último e ténue fio de ligação à sociedade e ao mundo exterior, é precisamente o factor que exerce no leitor o fascínio irresistível de forma a agarrá-lo às páginas do romance-biografia de William Chester Minor, suscitando-lhe a curiosidade indiscreta de se inteirar sobre a forma como o trabalho pode ajudar a conservar um último vestígio de sanidade numa mente destruída pela loucura e pelas contradições do campo de batalha e a crueldade da guerra.

Todos os capítulos de O professor e o Louco são precedidos de uma pequena introdução, à laia de epígrafe, ou seja, numa entrada ou definição retirada do OED, referindo-se à palavra chave que sintetiza o capítulo do romance.

No primeiro capítulo é descrito o episódio que desencadeia o romance e precipita o julgamento e condenação da personagem principal: o assassínio em Cambet March. O facto é relatado como se se tratasse de uma reportagem, atendendo às circunstâncias que o envolvem e culminando na sentença atribuída a William Chester Minor – antigo Médico Militar no Exército da União durante a guerra Civil Americana –, a ser internado num sanatório, devido ao seu estado mental.

O ex-militar, já reformado, encontrava-se então de visita a Londres e, a dada altura, é acometido por um surto psicótico, que ocasiona uma acentuada deturpação da realidade, acompanhada de alucinações: julga-se perseguido por um assassino, facto que o leva a disparar contra um transeunte desprevenido.

A condenação de Chester Minor foi acompanhada de uma cuidadosa verificação do seu estrado mental, cuja confirmação de insanidade o obrigou a passar mais de meio século confinado aos muros de um sanatório.


Origens e Percurso

Chester Minor é oriundo de uma família abastada dos EUA e, à altura dos acontecimentos, detentor de uma situação financeira confortável. O estado paranóico que o acomete é despoletado pelas memórias dos horrores da Guerra Civil, lembranças essas que apenas são minimizadas pela actividade mental constante, ao longo do período de internamento. A ocupação com a investigação no campo das letras afugenta-lhe temporariamente os medos que o assolam: rodeia-se de livros, passa horas a fio a ler e a pintar para, assim, afastar os “fantasmas”. Numa das encomendas de livros que recebe encontra acidentalmente, um panfleto onde pedem à população para colaborar na compilação do OED, coordenada pelo Professor James Murray. Minor responde ao anúncio e é aceite, mediante as suas qualificações e conhecimentos linguísticos acima da média. Torna-se um dos principais colaboradores de James Murray sem, no entanto, dar a conhecer a sua situação de recluso, que é descoberta de forma acidental.

A trama de Professor e o Louco é, no mínimo, romanesca, embora transmita apenas uma vaga ideia do gigantesco trabalho de catalogar palavras e da infinita paciência necessária de forma a efectuar a pesquisa e selecção de todas as definições existentes para a mesma palavra, escolhendo, depois, aquela que aparente ser a mais exacta possível. Trata-se, ao mesmo tempo, um estudo de caso que compreende o processo de identificação, tratamento e inclusão – na medida do possível – de um caso agudo de uma das doenças mentais mais problemáticas que se conhecem.

O texto de Simon Winchester é sóbrio, cuidado, muito agradável de ler e, principalmente, credível, tanto no aspecto histórico como científico.

A descrição do cenário das ruas de Londres na época vitoriana, quer no tocante à descrição de espaços exteriores quer aos interiores como os quartos e as divisões do sanatório onde Chester Minor esteve internado, e mesmo a sala de trabalho do Professor Murray, são tidos em conta na explicação do comportamento das personagens. Assim, no caso de Minor, a menção à forma como eram, então, tratados os doentes psiquiátricos, cujos terapeutas se opunham, à época, à ideia de os pacientes realizarem tarefas de estímulo mental para a minimização dos efeitos nefastos da doença. Dentro da narrativa são, também, considerados os aspectos que, ao longo de todo o historial do paciente, possam ter actuado como potenciadores ou facilitadores do desenvolvimento da patologia.

Daqui parece sobressair o a ideia de que Chester possa ter sido obrigado a, durante a guerra, cometer actos médicos contrários à ética profissional, que devido à escassez de recursos no campo de batalha, quer ao ter de obedecer a ordens superiores, durante o holocausto que foi a Batalha de Wilderness – a qual é descrita na obra com um realismo especialmente vívido, retirada de relatórios e documentos oficiais da época. Para o comportamento de Chester Minor parecem, portanto, ter contribuído uma multiplicidade de factores que precipitaram a degradação mental do médico sobredotado, formado em Yale.

Simon Winchester, o Autor do romance, teve, no início do século XXI, graves dificuldades em aceder ao ficheiro clínico de William Chester Minor, particularmente na clínica onde esteve temporariamente internado nos EUA, já no final da vida. O Autor teve de convencer os administradores da necessidade fundamental da consulta aos mesmos documentos para efectuar um retrato fidedigno de Minor no estudo de caso que estava a fazer.

Mais do que a história de um dicionário, este é um livro que adquire um carácter de importância documental na caracterização e compreensão de uma patologia que afecta uma em cada cem pessoas – só em Portugal – e, ao mesmo tempo, dar a conhecer a importância para o património mundial de uma das mais importantes obras da literatura inglesa de sempre.


Cláudia de Sousa Dias

27.05.2011


2 Comments:

Blogger Ricardo Antonio Lucas Camargo said...

Eis aqui um verdadeiro tento: o registro, em romance, da faina da elaboração de um dicionário e, ao mesmo tempo, o tratamento de tal faina como terapia praticamente auto-prescrita a um homem que padecia de esquizofrenia. Quem já teve a experiência de participar da elaboração de uma obra desta natureza, sabe o quanto de paciência, mais do que para a montagem de quebra-cabeças com um milheiro de peças, é necessário a tanto.

4:21 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Deu-me muito gosto lê-lo. Mas a pessoa que tinha comprado o livro antes não tinha gostado, tinha um complexo anti-britânico, que se percebia pelos comentários que havia deixado nas margens do livro e que depois apaguei. Comprei este exemplar em 2ª mão numa feira do livro.

:-)


CSD

10:54 AM  

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