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Wednesday, May 26, 2010

“Albas” de Sebastião Alba (Quasi)




Albas é a antologia da obra de Dinis Albano Carneiro Gonçalves, sob o pseudónimo de Sebastião Alba, nascido em Braga a 11 de Março de 1940. Sebastião Alba emigrou, em 1949, juntamente com a família, para Moçambique onde travou, anos mais tarde, amizade com Mia Couto e José Manuel Mendes. De regresso a Portugal, tornou-se amigo de Vergílio Alberto Vieira, Herberto Hélder e Miguel Torga. Viria a falecer em Outubro de 2000, vítima de atropelamento. Um homem que, segundo as palavras de José Manuel Mendes, “sempre se opôs a toda a volúpia do inautêntico, da vulgaridade…” in Revista Correntes d’Escritas 2001.


Luís Carlos Patraquim dizia que, Sebastião Alba foi, em Moçambique, uma voz dissonante. Em Portugal, o pequeno grande público que ainda tem coragem de comprar livros de poesia, desconhece-o…. No entanto, …ele sabia que o que salva, de facto, o homem de não ser é a coragem de estar vivo, de ser pedra, uma pedra ao lado da evidência.

Ao regressar a Portugal, após desempenhar com profissionalismo profissões como jornalista ou de promotor de vendas, Sebastião Alba torna-se andarilho. Refugia-se no álcool e na escrita.


Mas no final dos anos 1990, torna-se uma referência, literária e pessoal para a juventude estudantil da cidade de Braga.


As palavras que lega a Vergíllio Alberto Vieira, poucos dias antes da sua morte, reflectem o modo como encarava o dia a dia:

Se um dia encontrarem morto
o teu irmão Dinis
o espólio será fácil de verificar:
dois sapatos e a roupa do corpo
e alguns papéis
que a polícia não entenderá


in Revista Correntes d’escritas 2001

Albas nasce da reunião de vários manuscritos e documentos dactilografados: cartas, poemas, bilhetes, rascunhos, crónicas, que reúnem o pensamento do Autor. O livro divide-se em sete capítulos temáticos.


O primeiro capítulo, ou Livro I intitula-se Poéticas e é constituído por poemas em verso e em prosa. Seguem-se o Livro II, Crónicas do Andarilho; o Livro III, Guerrillas (crónicas de revolta e insubmissão); Livro IV, Flagrantes (fragmentos ou meditações de instante); Livro V, Ritmos (textos que se ligam a um determinado estilo ou ritmo musical); Livro VI, Alba y Yo (monólogos dialógicos, de acordo com a classificação de Maria de Sta. Cruz, autora do prefácio); e o Livro VII, Ícones constituído por fragmentos referentes a símbolos, antropomórficos ou não. Trata-se de representações sociais, mentais, estereótipos representativos de uma sociedade de consumo fundamentada nas aparências ou da sua antítese. No livro é, ainda, incluído um epílogo do qual fazem parte alguns dos seus últimos escritos, onde parece ser notória a antecipação da chegada da Morte.


O título Albas parece provir não só da derivação do diminutivo de “Albano”. Contém em si também não só a designação de escritos de Sebastião Alba mas também um desejo imperioso de mudança para uma nova ordem social, uma vez que “Alba” também significa “alvorada”, ou seja um novo dia, que no entender do Poeta seria marcado por um novo ciclo de vida. Sebastião Alba foi um homem de personalidade cigana, perseguidor da liberdade absoluta, ao mesmo tempo que se transformava em escravo da sua própria liberdade.


Sebastião Alba confessava-se, no entanto, admirador de todo o espírito criativo, presente na actividade dos músicos, pintores, cientistas e poetas. Possuía uma capacidade de fruição e sensibilidade estética muito apurada, fruto da sua vasta cultura. Desfrutava da arte e do conhecimento pela perspectiva da vida e não de uma Moral hipócrita” (Sta. Cruz, Maria in prefácio de Albas). A sua obra exprime, sobretudo, a necessidade de errância de cada ser humano a qual acredita ser tragicamente amordaçada por aquilo a que chama de “civilização”.

As influências mais marcantes na sua escrita formam uma extensa lista de onde se destacam nomes como o de Cervantes, Baudelaire, Puschkine, Dostoievsky, Victor Hugo, Rilke, Lorca, Schubert, Van Gogh e, claro, Che Guevara. A obra está dedicada a Nicolo Paganinni, para o Autor o, maior violinista de sempre cujo virtuosismo fazia que o julgassem como detentor de um pacto com o Diabo.


O conteúdo de Albas revela desilusão, cepticismo, mas também uma fidelidade pétrea às próprias convicções, enraizada numa alma que não se compra nem se vende.


O sarcasmo está impresso nas entrelinhas da maior parte dos textos, sob a forma de denúncia de todo um sistema social que considera viciado. As farpas contidas nos seus escritos são dirigidas como um tiro certeiro dado por uma arma de precisão à cabeça de uma fera.


Assim é a escrita de Alba. É a escrita de um poeta dotado do humanismo do tempo das grandes utopias do século XIX. Alba seria um Garibaldi dos tempos modernos, se a conjuntura a tal se tivesse proporcionado, isto é, com a vontade da maioria.


O amor também é fonte de inspiração onde a mulher que é mãe se torna fonte de inspiração principal. Nesta temática, está inscrito um dos mais belos poemas da obra o Cântico Vermelho.

As suas crónicas são autênticos quadros representativos de uma sociedade e cultura que se volta, progressiva e inexoravelmente, para o consumismo e individualismo extremos, virando as costas à solidariedade e ao prazer, proporcionado pela aquisição de conhecimento. Sebastião Alba capta, também, os aspectos mais obscuros que se escondem no mais íntimo da mente humana, através da simples observação das expressões faciais dos transeuntes quando julgam não estar a ser observados.


As suas Guerrillas trazem a denúncia da corrupção ministerial, da luta de classes e o apelo a uma ética universal, de cariz kantiano, como contraponto à civilização emergente após a queda do Muro de Berlim: a sociedade do advento do capitalismo e da globalização como fim da história.


Primeiro Napoleão (1812); depois, Hitler (1941); agora o Bush, era o que nos faltava!.


A par do facto de seres humanos de erudição, superiores pela sua humanidade morrerem muitas vezes às mãos de gente medíocre ao longo da história, o Autor descreve Portugal como um “país de comerciantes e clientes”, prevendo o colapso do Estado de Direito no curto prazo.

Os Flagrantes de Sebastião Alba são pequenos flashes que reproduzem pensamentos, ou então, breves instantes de felicidade. Reflexões onde se exalta a cultura e a fruição da beleza, fruto da criatividade humana. A arte é para ele o portal de evasão de uma realidade quotidiana marcada pela miséria e pelas privações. Sebastião Alba é, também, um acérrimo defensor dos direitos das mulheres como prova o texto galletas camilianas apesar de invectivar a superficialidade da população feminina em geral, inculcada a partir dos modelos comportamentais vertidos pelas telenovelas. Mas o acesso ao amor implica, no entanto, a integração na sociedade, preço que Alba não está disposto a pagar.


No campo científico não deixa, apesar da admiração que dedica à curiosidade que impele a necessidade de descoberta e a acção dos grandes cientistas, de se mostrar agastado face à cegueira de alguns. Denuncia, por exemplo, um evidente racismo na experimentação de uma bomba de extermínio em massa do outro lado do planeta, bem longe da Europa. O Holocausto perpetrado, também, pelo lado dos Aliados, 1945.


Em Ritmos, Alba alude aos grandes nomes da música clássica. Demonstra conhecimento, sensibilidade e um extremo bom gosto, ao enquadrar textos criativos com inspirados em obras de Mozart, Beethoven, Schubert, Falla e Paganini, ao criar o contraste entre a beleza sublime da criação de alguns humanos e a boçalidade do exibicionismo e avidez de Poder por parte de outros. A música é para Alba a via para a alienação da fealdade ou do grotesco do quotidiano e, sobretudo, da mediocridade.


Nos monólogos dialógicos de Alba e Yoo Autor explora a razão das suas próprias atitudes; é o intérprete do seu próprio comportamento, como se fizesse uma espécie de auto-psicanalise, num divã ao ar livre, formado pelas pedras da calçada, onde é, simultaneamente, o paciente e o terapeuta.


No capítulo Ícones, são referenciadas as figuras ou modelos que contribuíram para a sua formação ideológica, as suas principais referências.


Sebastião Alba mostrava-se decepcionado pelo facto de as comemorações de Abril se revestirem, na altura, cada vez mais de um formalismo que parecia debotar, cada vez mais, o vermelho dos cravos.

No epílogo, a escrita de Alba parece, já, revestir-se do pessimismo e melancolia que pressagiam o fim derradeiro. Finaliza a obra com o concerto nº 20 de Mozart: o seu preferido.


Albas é, por tudo o quanto foi dito, um belo livro. E, também, um libelo às contradições de uma sociedade cada vez mais desumanizada.




Cláudia de Sousa Dias

6 Comments:

Blogger Ricardo Antonio Lucas Camargo said...

Entusiasmante a obra, pela resenha, uma vez que nela emerge uma comunhão de preocupações com a perda de referenciais do ser humano e o avançar de um feixe de relações em que as comunicações interpessoais passam a ser menos a troca de idéias do que a superposição de gritos, em que se lançam adjetivos a esmo, em que, enfim, o quadro de Delacroix denominado "Os fanáticos de Tanger" aparece animado e em dimensões globais. É sempre um bálsamo quando se vê alguém a procurar pela serenidade num mundo onde a palavra de ordem passa a ser a loucura, quando se vê alguém que veja o conceito de humanidade como transcendente à tríplice dimensão econômica "investidor-trabalhador-consumidor" a que muitos pretendem reduzi-la. Deste sudoeste do Atlântico, este admirador de Eça, de Gil, de Herculano, de Pessoa, buscará conhecer com maior profundidade a obra de Sebastião Alba.

3:42 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

é como diz o colega dele, Patraquim, também escritor...mesmo aqui em Portugal só uma minoria o conhece...


csd

11:03 PM  
Blogger P said...

Pouco, muito pouco conheço.
Mais uma vez, obrigado por ires dando 'novos mundos...'
Parece hiperbólico mas não é. É assim mesmo.
Tenho andado muito desaparecido... São as parvoíces da vida a que chamamos trabalho: ovelhas e formigas...
abraço
P.

3:47 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada pelo seguimento, Bau!


Alba não é um Autor comercial, que chegue ao conhecimento das massas.

Aliás nem o autor do post anterior, Enrique Vila-Matas.

Mas sabe bem ler algo diferente.

No caso de Sebastião Alba, ainda se consegue aprender como é a vida do outro lado: o da exclusão social, por escolha própria.

Ou talvez não.

CSD

10:28 AM  
Blogger João Filho said...

Cláudia, moro no Brasil, mais precisamente em Salvador, Bahia, estou preparando um trabalho sobre Sebastião Alba na Universidade Federal da Bahia, Ufba, e estou com a maior dificuldade para encontrar textos críticos e/ou teóricos sobre a obra literária dele. Consegui sua antologia Uma pedra ao lado da evidência. Esse que vc cita eu não conheço. Meu email é: encarnicado@gmail.com Abraços.

3:12 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

este livro é póstumo...


é a recolhe e reunião dos melhores escritos de Alba...


csd

10:22 AM  

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