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Thursday, September 22, 2011

“Medeia” de Mário Cláudio (Dom Quixote)



O Autor da Trilogia Oríon, Ursa Maior e Gémeos , dá à luz uma obra de recriação de um drama de Eurípedes que chegou também a inspirar autores Latinos como Ovídio, durante o exílio deste, em Tomos.

Na versão de Mário Cláudio, a Medeia clássica aparece numa versão suavizada, a viver no século XXI. O texto apresenta-se sob a forma de um monólogo em nove, quadros e um epílogo. A intenção do Autor é direccionada para a exploração das águas obscuras em que se movimentam as emoções mais primária, associadas às pulsões contraditórias e a-racionais de um amor obsessivo, marcado pelo inconformismo vingativo da protagonista, face à rejeição do amante. Partindo do rancor da protagonista emerge todo um caldeirão de venenos emotivos de onde se destaca o ciúme e a inveja, assim como os mais refinados actos de maldade que daí decorrem e tecem o drama.

A peça é construída de acordo com a vontade do Autor em proceder a uma adaptação aos tempos modernos de uma tragédia intemporal que exprime o lado mais destrutivo da natureza humana .

Esta Medeia actual pauta-se por estratégias de coping muito mais subtis que a Medeia clássica para conseguir os seus intentos. Afinal, trata-se de uma mulher muito mais sofisticada do que a mítica personagem de Eurípedes: ao invés de matar os filhos para se vingar da traição do amante, empenha-se a transformá-los em seres fracassados, em perfeitas nulidades, golpeando assim, em cheio, o ego do amante. A capacidade de premeditação e planeamento de uma estratégia a longo prazo conjuga-se com a ausência total de empatia com os seres que gerou e revela uma personalidade exclusivamente centrada em si mesma, embora dotada, sem sombra de dúvida, de inteligência e refinamento, mas destituída de fins construtivos, porque concentrada exclusivamente na sua missão de se vingar do amante.

Por outro lado, Mário Cláudio constrói um Jasão, amante e marido desta Medeia contemporânea, como sendo um homem calculista, vaidoso e preocupado, antes de tudo, com a obtenção da promoção social. Trata-se de um homem obcecado com o acesso ao poder, não hesitando em trocar a vida com restrições, ao lado de uma mulher mais velha, cuja beleza começa já a declinar e não favorece a sua ascensão social. Um pouco como o Jasão clássico que ambicionava casar-se com a filha do rei de Corinto e tornar-se o príncipe consorte… Um facto que surge na obra como transversal ao Tempo é o de que o poder se revela sempre mais aliciante do que uma família cansativa e deprimente, composta por uma mulher manipuladora e dois filhos apagados e tristes.

A Medeia actual é actriz consagrada. Representa tão bem o papel da Medeia clássica, que acaba por incorporá-la na própria personalidade. A personagem de Eurípedes parece mesmo ter sido talhada à medida da sua pessoa, de tal forma se identifica e projecta na personagem do dramaturgo clássico. E vice-versa.

A mulher que protagoniza ambas as versões da história é vítima de uma paixão fulminante, que a deixa cega de ciúme, ao ver-se trocada por uma jovem, após dez anos de casamento e dois filhos. O acontecimento consegue despertar uma série de ódios recalcados, que desvia para os próprios filhos, que são também filhos de Jasão, prejudicando-os gravemente no seu desenvolvimento interpessoal, com o único objectivo de causar desgosto no ex amante.

Ao longo da peça e, paralelamente, e às pulsões das personagens, o Autor chama, também, a atenção para os aspectos sociais da questão que está na base da desagregação da família e que alteram, na mente dos protagonistas da época contemporânea, os fundamentos da ética nas relações inter-pessoais, tais como a instabilidade e precariedade em que vivem os profissionais do meio artístico. Estes, vêem-se constantemente a braços com uma situação de mendicância, em relação à concessão de subsídios por parte do Ministério, o que em nada favorece a estabilidade emocional do casal…

Medeia de Mário Cláudio é um fascinante jogo de comparação, em termos sociológicos e civilizacionais, de comportamentos que se vêem como transversais ao Tempo e à própria História. As duas Medeias – a de Cláudio e a de Eurípedes – são, na verdade, irmãs, quer no tocante àqueles que as rodeiam quer em relação a si próprias, ao pautar a vida pela infelicidade e pelo medo obsessivo de perder o objecto do próprio Desejo. Um Desejo que é o motor da própria vida. Mas que, na realidade, a luta incansável pela posse e conservação do amor da pessoa amada, acaba simplesmente por asfixiá-lo.

Um drama tão velho quanto a humanidade e tão humano quanto o eram os próprios deuses…

17.06.2011

Cláudia de Sousa Dias

4 Comments:

Blogger Nuno Oliveira said...

Cláudia,
adoro o seu blogue.
Também gosto muito de ler e mais do que isso, adoro os livros. (são coisas diferentes, não são?)
Há livros que gostaria de comprar mesmo sabendo que nunca os iria ler, só pelo prazer de possuir o objecto.
Há algo que falta no seu blogue, se me permite. Não consigo ler tantos livros como a Cláudia, no entanto gostaria de ler a sua opinião sobre livros que eu já tenha lido. Na minha opinião falta uma forma de procurar no seu blogue, sem ser por data, os seus posts. Por livro, ou mais prático, por autor.
Fica a sugestão.
Cumprimentos.

12:07 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada Nuno.

Quanto à sugestão, no canto superior esquerdo da página do blogue, tem um motorzinho de busca onde pode introduzir o nome do livro e/ou do autor que pretende e fazer "enter" ou pesquisar.

10:58 AM  
Blogger redonda said...

Gostei muito desta crítica e esclareceu as dúvidas com que tinha ficado após ler o livro.
Obrigada.
Gábi

12:37 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada...é uma grande responsabilidade...

Ou melhor, começo a senti o peso da responsabilidade por aquilo que escrevo...

;-)

Beijos

:-)


csd

1:31 AM  

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