HÁ SEMPRE UM LIVRO...à nossa espera!

Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

My Photo
Name:
Location: Norte, Portugal

Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Wednesday, May 22, 2013

“Um céu demasiado azul” de Francisco José Viegas (ASA)





Mais uma aventura da dupla Jaime Ramos e Filipe Castanheira, acerca da qual Francisco José Viegas fala assim:

Enquanto escrevi este livro, dei-me conta que estava a atribuir à imaginação o resultado de aparentes pesquisas: em arquivos de jornais e entrevistas com personagens que a ficção exige que sejam inventadas e a quem agradeço terem acedido à conversa.

(…) há aquela intenção de confundir personagens reais com personagens de papel, por quem necessariamente me apaixonei a longo da história.
FJV


Francisco José Viegas nasceu em 1962 na região do Douro, provavelmente a razão pela qual muitos dos seus romances remetem para esse cenário, marcado pelo céu de um azul cerúleo, indescritível dos dias de Verão (demasiado azul) lusitano. No caso do romance de que aqui tratamos, é este o cenário dominante, o Douro vinhateiro, onde se encontra a chave do mistério, que está por detrás do assassínio de um homem, encontrado morto na mala de um carro. O desenrolar da acção estender-se-á, depois, com ramificações para o Porto, Lisboa e até mesmo à América do Sul.
A missão de desvendar o crime é atribuída a Jaime Ramos, inspector portuense e bonacheirão cuja jurisdição da respectiva esquadra abrange aquela região rural, pacífica só na aparência.
Filipe Castanheira, que se encontra nos Açores, acaba também por ser recrutado para ajudar o seu colega a resolver o mistério.

Caracterização das Personagens

Jaime Ramos é um polícia veterano, de meia-idade, que mantém uma cómoda relação de vizinhança – e algo mais – com Rosa, professora de literatura. Não partilham a mesma casa, mas mantém-se próximos quer física sexual quer emocionalmente, como iremos verificar alguns volumes mais adiante. E isto só acontece porque se trata de personagens que só são planas se considerarmos os romances cada qual isoladamente, sem relação com os outros volumes. Mas para já, a ausência de compromisso deixa margem de manobra – a Jaime Ramos, pelo menos – para ocasionais aventuras eróticas e escaldantes em esporádicos flirts, que servem para lhe conferir uma certa aura de Dom Juan, imagem que o inspector portuense ainda gosta muito de cultivar. Neste livro, em termos afectivos, Jaime Ramos parece ser uma ostra, sentindo-se impelido para paixões efervescentes embora de curta duração, mas sem se envolver e compromissos de longo prazo nem de se deixar arrastar para ligações muito profundas. Os deveres profissionais e interesse pessoal também parecem conspirar para a concretização de um desejo irresistível de conhecer novas paragens, saindo da rotina diária e burocrática da esquadra portuense, num impulso de evasão que Jaime Ramos sempre quis realizar mas fora sempre impedido pela restrição salarial que lhe proporcionava uma vida confortável mas sem grande margem para extravagâncias. Uma viagem que jamais poderia fazer com Rosa sem se endividar. Com o crime ocorrido no concelho de Amarante, Jaime Ramos tem a oportunidade de unir o útil ao agradável, deslocando-se primeiro a Cuba e, depois, ao México (deixando Rosa tristemente em casa) onde tem a oportunidade de se envolver com uma jovem e calientissima guia turística, que trata carinhosamente por papayto (paizinho)!


Filipe Castanheira é um polícia bastante mais jovem, tem menos dez anos do que Jaime Ramos e vive uma relação apaixonada, cheia de altos e baixos, com a sua companheira nos Açores, numa ilha que, exceptuando no tempo de férias, parece quase abandonada, trabalhando numa esquadra onde se instala a rotina. Ali, os dias escorrem de forma ainda mais lenta do que no Douro, onde o mistério que envolve o homem encontrado na mala do carro se vai adensando, tornando-se cada vez mais intrincado. As paixões e ligações complexas cruzam-se envolvendo várias personagens femininas e ligações inesperadas que irradiam para outros pontos do país. O caso torna-se mais complexo devido aos trâmites burocráticos, a que a falta de vontade do guarda António Gomes em colaborar não contribui para a sua resolução. Depois, junta-se a questão política, a intrometer-se no funcionamento das instituições e obrigar Jaime Ramos a deslocar-se pessoalmente ao interior do país, para descobrir as pistas do crime cometido em Amarante e seguir o rasto do assassino. A partir daí, o inspector portuense andará num torvelinho de viagens e deslocações o que faz com que peça ajuda ao seu colega nos Açores, qual resolve aceitar o desafio e sair da rotina anestesiante de todos os dias.

Jaime Ramos não parece ser um detective especialmente brilhante, se entendermos brilhantismo como sendo aquela espécie de inspiração demiúrgica, auxiliada por um raciocínio lógico, esquemático e acutilante como acontece nos romances de Sir Arthur Conan Doyle, protagonizados pela figura mítica de Sherlock Holmes ou mesmo de Hercule Poirot criação da escritora britânica, Agatha Christie. Jaime Ramos é antes alguém que espera pacientemente que os dias passem ao ritmo das estações do ano e cuja alma epicurista se rende ao apelo contemplativo de um céu demasiado límpido, na esperança que dali lhe caiam as pistas e venham ter com ele para solucionar o caso. O Inspector é um sibarita, que adora viver a vida com o melhor que esta lhe pode dar, deslocando-se sensualmente pelos cenários que o conduzem ao autor do crime, enquanto vai tomando notas das pistas que surgem e compõem o puzzle: os seus gostos gourmet, o refinamento da arte gastronómica que gosta de aplicar na sua cozinha, o degustar da beleza extrema da paisagem duriense, a qual conjuga com os seus conhecimentos alargados sobre vinhos. Tudo isto ajuda a confirmar este temperamento, à medida que avançamos no romance: Jaime Ramos é um homem paciente, que gosta de viver devagar, apesar de também, tal com Filipe Castanheir,a gostar da evasão de sair da rotina uma vez por outra, mas à qual gosta sempre de regressar. É o que acontece neste romance.

Um dos aspectos menos positivos do romance será, talvez, a escassez de densidade psicológica das personagens femininas presentes em Um céu demasiado Azul. Para isso seria, talvez, necessário construir um monólogo interior para Rosa e Amélia tal com Gustave Flaubert fez para Madame Bovary. Esta falha é, no entanto, compensada pela habilidade com que o Autor mistura os restantes elementos com que constrói não só a a personalidade de Jaime Ramos mas também de Filipe Castanheira,, sobretudo nas divagações e monólogos interiores de ambos. Dace a ist está aqui criada uma evidente assimetria de géneros, característica que será atenuada apenas nos romances mais recentes, sobretudo com a figura que Rosa, cuja importância começará a ganhar consistência. Neste romance, há contudo uma passagem em que Filipe Castanheira compara a actual namorada com os seus amores do passado, e onde o temperamento das amantes é projectado na morfologia dos respectivos órgãos sexuais, que surgem personificados, impregnados das características físicas e /ou psicológicas das suas possuidoras, muitas delas redundantes, o que resulta na construção de um discurso simultaneamente evocativo e caótico, a roçar o onirismo.

O céu, “demasiado azul”, da paisagem duriense e de Portugal no Estio estão presentes não só em Um Céu demasiado Azul mas no conjunto da obra de Francisco José Viegas como a representar a força telúrica de uma existência que só é idílica à superfície, impedindo de vislumbrar as brumas cinzentas de um Outono que já está à porta. Um Céu demasiado Azul é aquilo que se pode chamar de o retrato de um Portugal “à beira do crepúsculo” de que falava LeFigaro a propósito deste livro.

Cláudia de Sousa Dias
28.07.2012 – 28.03.2012

2 Comments:

Blogger P said...

Obrigado por mais um texto, Cláudia. Ainda não li.
A propósito do 'à beira do crepúsculo', ocorreu-me o que escreveu Steiner 'Today, in western orientations... the reflexes, the turns of perception, are those of afternoon, of twilight.' Nesses momentos, quase todo o azul é excesso.

1:25 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

pois é...os blues à portuguesa.

1:39 PM  

Post a Comment

<< Home