“A Cidade e as Serras” de Eça de Queiroz (Planeta DeAgostini)
A história do intelectual Jacinto, um rico herdeiro de família brasonada, oriundo de nobreza antiga, contada por José Fernandes, o seu melhor amigo, um alegre burguês, que vive à sombra daquele a quem chama de “o meu Príncipe”.
A acção decorre em dois locais. Inicialmente, somos colocados diante de uma esplêndida mansão, num dos bairros mais elegantes de Paris, onde Jacinto reside desde a mais tenra infância. A casa de Jacinto, na Cidade-Luz – que equivale àquilo que hoje em dia seria a residência de Bill Gates no que toca à mais moderna tecnologia – é o ponto de encontro para onde convergem as mais belas e frívolas cocottes, os intelectuais mais proeminentes, os empresários mais bem sucedidos. No meio desta élite, altamente selectiva, Jacinto é o expoente máximo de todas as virtudes: beleza, riqueza, inteligência e cultura…
No entanto…
…definha a olhos vistos, enclausurado no palácio das mil e uma maravilhas, como detecta o olhar de lince do seu amigo Zé Fernandes.
Na casa parisiense de Jacinto, proliferam as mais espectaculares inovações tecnológicas, com o objectivo de facilitar a vida ao ser humano e poupar-lhe ao máximo o esforço despendido. Sendo, na altura, a maior parte delas produto de ficção tornaram-se, no sec. XX, realidade, o que faz com que a obra, apesar de escrita em meados do sec.XIX, esteja envolta numa atmosfera de grande actualidade, uma vez que, ao lermos os primeiros capítulos, temos a sensação de que a história se passa, de facto, no último quartel do sec.XX.
Os amigos de Jacinto são os intelectuais de vanguarda, em cuja casa se organizam tertúlias onde se discutem as ideias de Schopenhauer a Kierkgaard e as últimas novidades em termos de tecnologia que fazem parte da sua infindável colecção de brinquedos. As mais variadas e vanguardistas obras literárias amontoam-se, também, um pouco por todo o lado.
Os episódios parisienses são abundantemente coloridos com o agudo sentido crítico de Eça de Queiroz ao descrever a miséria, a indiferença e o anonimato referentes às condições de vida do proletariado da cidade.
As convicções do Autor estão igualmente implícitas na descrição do definhar de Jacinto, preso na sua gaiola dourada, rodeado de requintadas, insapientes e entediantes beldades.
São, aqui, descritos alguns episódios divertidíssimos relativos às falhas da Tecnologia com os quais, o Autor pretende demonstrar a falibilidade da obra humana. São, disso, exemplo o desconcertante blackout de energia eléctrica, o embaraçoso encalhar do elevador com o preciosíssimo peixe que Sua Alteza, amigo de Jacinto, trouxe especialmente para a requintada ceia ou a trapalhada resultante de um inconveniente rebentamento da canalização.
Eça serve-se abundantemente da ironia e do sarcasmo quando se trata de demonstrar a superficialidade relativamente à utilização da maior parte das invenções tecnológicas da casa de Jacinto que, na sua opinião, apenas estimulam a preguiça (ex: a referência ao aparelho para abotoar as ceroulas!).
A dada altura, a melancolia de Jacinto é de tal ordem que Zé Fernandes aproveita um problema surgido numa das ancestrais propriedades da família de Jacinto, para o arrastar até à Serra.
Depois de uma viagem atribuladíssima onde, já ao entrar em Espanha, se nota a diferença quer em atraso tecnológico quer em termos de (des)organização burocrática, os dois amigos perdem as bagagens durante o transbordo. Despidos de qualquer traço de “civilização”, chegam a Tormes à propriedade de Jacinto, após uma série divertidas peripécias, onde o “príncipe” se vê obrigado a mergulhar na Natureza e a regressar às origens culturais.
O despojamento de Jacinto impele-o a recuperar os seus atributos naturais e genéticos - atrofiados pela sociedade civilizada -, entre as gentes simples, sem sofisticação ou artificialismo. Por outro lado, austeridade e a falta de sentido de humor das senhoras da “boa sociedade” serrana contrastam vivamente com a exuberância das hiper-sofisticadas e ocas parisienses.
O lirismo bucólico, por vezes excessivo, de Eça aproxima-o da concepção humanista de Rosseau de que o homem, ao nascer “animal”, isto é, próximo da natureza, é realmente bom e que é a sociedade que o corrompe, sendo o grau de corrupção tanto maior quanto maior o grau de “civilização”.
Por isso, na óptica do amigo Zé Fernandes, a cura de Jacinto está, precisamente, no isolamento numa terra no meio do nada.
Curiosamente, é na solidão de uma pequena aldeia na Serra, na pequena localidade de Guiães, que Jacinto encontra a mulher ideal, a esposa e dona-de-casa perfeita, fisicamente muito semelhante à Maria Eduarda de Os Maias – o arquétipo queirosiano de deusa perfeita – na pele da Prima Joaninha.
Joaninha está, por isso, destinada a transformar-se em fada do lar encarnando o estereótipo de mulher ideal que se prolonga até aos anos 50 do sec XX.
Porque Eça não era, na altura, capaz de conceber uma mulher que se lhe equiparasse em saber, talento ou cultura. Não deixa de ser sintomático que durante os episódios da estada dos dois amigos em Paris, as mulheres que frequentavam os saraus e tertúlias onde se discutia literatura e ciência, serem todas cocottes ou mulheres de reputação duvidosa, nunca intelectuais genuínas. Os nomes de Jane Austen, das Irmãs Brontë ou George Sand nunca são mencionados.
Sinais dos tempos…
Caso contrário poder-se-ia dizer que a história de A Cidade e as Serras se passa nos dias de hoje.
Um livro intemporal.
Um clássico que nunca passa de moda…
Cláudia de Sousa Dias
A acção decorre em dois locais. Inicialmente, somos colocados diante de uma esplêndida mansão, num dos bairros mais elegantes de Paris, onde Jacinto reside desde a mais tenra infância. A casa de Jacinto, na Cidade-Luz – que equivale àquilo que hoje em dia seria a residência de Bill Gates no que toca à mais moderna tecnologia – é o ponto de encontro para onde convergem as mais belas e frívolas cocottes, os intelectuais mais proeminentes, os empresários mais bem sucedidos. No meio desta élite, altamente selectiva, Jacinto é o expoente máximo de todas as virtudes: beleza, riqueza, inteligência e cultura…
No entanto…
…definha a olhos vistos, enclausurado no palácio das mil e uma maravilhas, como detecta o olhar de lince do seu amigo Zé Fernandes.
Na casa parisiense de Jacinto, proliferam as mais espectaculares inovações tecnológicas, com o objectivo de facilitar a vida ao ser humano e poupar-lhe ao máximo o esforço despendido. Sendo, na altura, a maior parte delas produto de ficção tornaram-se, no sec. XX, realidade, o que faz com que a obra, apesar de escrita em meados do sec.XIX, esteja envolta numa atmosfera de grande actualidade, uma vez que, ao lermos os primeiros capítulos, temos a sensação de que a história se passa, de facto, no último quartel do sec.XX.
Os amigos de Jacinto são os intelectuais de vanguarda, em cuja casa se organizam tertúlias onde se discutem as ideias de Schopenhauer a Kierkgaard e as últimas novidades em termos de tecnologia que fazem parte da sua infindável colecção de brinquedos. As mais variadas e vanguardistas obras literárias amontoam-se, também, um pouco por todo o lado.
Os episódios parisienses são abundantemente coloridos com o agudo sentido crítico de Eça de Queiroz ao descrever a miséria, a indiferença e o anonimato referentes às condições de vida do proletariado da cidade.
As convicções do Autor estão igualmente implícitas na descrição do definhar de Jacinto, preso na sua gaiola dourada, rodeado de requintadas, insapientes e entediantes beldades.
São, aqui, descritos alguns episódios divertidíssimos relativos às falhas da Tecnologia com os quais, o Autor pretende demonstrar a falibilidade da obra humana. São, disso, exemplo o desconcertante blackout de energia eléctrica, o embaraçoso encalhar do elevador com o preciosíssimo peixe que Sua Alteza, amigo de Jacinto, trouxe especialmente para a requintada ceia ou a trapalhada resultante de um inconveniente rebentamento da canalização.
Eça serve-se abundantemente da ironia e do sarcasmo quando se trata de demonstrar a superficialidade relativamente à utilização da maior parte das invenções tecnológicas da casa de Jacinto que, na sua opinião, apenas estimulam a preguiça (ex: a referência ao aparelho para abotoar as ceroulas!).
A dada altura, a melancolia de Jacinto é de tal ordem que Zé Fernandes aproveita um problema surgido numa das ancestrais propriedades da família de Jacinto, para o arrastar até à Serra.
Depois de uma viagem atribuladíssima onde, já ao entrar em Espanha, se nota a diferença quer em atraso tecnológico quer em termos de (des)organização burocrática, os dois amigos perdem as bagagens durante o transbordo. Despidos de qualquer traço de “civilização”, chegam a Tormes à propriedade de Jacinto, após uma série divertidas peripécias, onde o “príncipe” se vê obrigado a mergulhar na Natureza e a regressar às origens culturais.
O despojamento de Jacinto impele-o a recuperar os seus atributos naturais e genéticos - atrofiados pela sociedade civilizada -, entre as gentes simples, sem sofisticação ou artificialismo. Por outro lado, austeridade e a falta de sentido de humor das senhoras da “boa sociedade” serrana contrastam vivamente com a exuberância das hiper-sofisticadas e ocas parisienses.
O lirismo bucólico, por vezes excessivo, de Eça aproxima-o da concepção humanista de Rosseau de que o homem, ao nascer “animal”, isto é, próximo da natureza, é realmente bom e que é a sociedade que o corrompe, sendo o grau de corrupção tanto maior quanto maior o grau de “civilização”.
Por isso, na óptica do amigo Zé Fernandes, a cura de Jacinto está, precisamente, no isolamento numa terra no meio do nada.
Curiosamente, é na solidão de uma pequena aldeia na Serra, na pequena localidade de Guiães, que Jacinto encontra a mulher ideal, a esposa e dona-de-casa perfeita, fisicamente muito semelhante à Maria Eduarda de Os Maias – o arquétipo queirosiano de deusa perfeita – na pele da Prima Joaninha.
Joaninha está, por isso, destinada a transformar-se em fada do lar encarnando o estereótipo de mulher ideal que se prolonga até aos anos 50 do sec XX.
Porque Eça não era, na altura, capaz de conceber uma mulher que se lhe equiparasse em saber, talento ou cultura. Não deixa de ser sintomático que durante os episódios da estada dos dois amigos em Paris, as mulheres que frequentavam os saraus e tertúlias onde se discutia literatura e ciência, serem todas cocottes ou mulheres de reputação duvidosa, nunca intelectuais genuínas. Os nomes de Jane Austen, das Irmãs Brontë ou George Sand nunca são mencionados.
Sinais dos tempos…
Caso contrário poder-se-ia dizer que a história de A Cidade e as Serras se passa nos dias de hoje.
Um livro intemporal.
Um clássico que nunca passa de moda…
Cláudia de Sousa Dias
13 Comments:
Obrigado Claudia, mas para ter efeito tens que ir à Divas votar.
E olha, palavra que nem sequer esperava votos.
Mais uma vez,agradeço
Beijinho
Olá JP!
Não precisas de agradecer!Gostei muito das imagens que utilizas e da criatividade estilística que utilizas na tia escrita.
Já dui ao "Divas" e já formalizei o voto.
Beijinhos virtuais e boa sorte!
Cláudia
beijinhos Ameixaclaudia :-)
mto bom esse resumo, parabens
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Opaaa...
Fico legal o resumo...
dá pra ter uma boa noçao da historia..
Bom.. agora eu vou indo fazer minha prova sobre esse livro...=P
Valews...
Partiuuuuuuu
A CIDADE E AS SERRAS
A quem possa interessar, este é o link de um pequeno artigo que escrevi, no qual analiso a questão do tempo, na obra A cidade e as serras, de Eça de Queirós, por um viés estritamente estilístico, isto é, que considera o trabalho (meta)lingüístico do autor. Espero que gostem!
http://www.artigonal.com/ficcao-artigos/analise-do-tempo-em-a-cidade-e-as-serras-por-um-vies-estilistico-620397.html
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