“O Oráculo” de Catherine Fisher (Presença)
Ao ler o primeiro volume desta deliciosa trilogia da autoria da arqueóloga britânica que agora se dedica à escrita a tempo inteiro, fica-se com a nítida impressão que a história é interrompida no ponto mais “quente”. Ou seja, quando o verdadeiro conflito vai, na realidade começar.
Quando decidiu escrever O Oráculo, a Autora criou um cenário onde impera um sincretismo cultural e religioso baseado nas civilizações grega e egípcia.
A acção desenrola-se, precisamente, algures numa ilha do Mar Egeu cujas coordenadas se interceptam num ponto geograficamente situado entre estas duas culturas.
A trama circula à volta do culto de um deus em forma de Escorpião – o deus da vida e da morte – cujos rituais em tudo se assemelham ao culto de Osíris. E da Rainha da Chuva, num país açodado pela seca, uma deusa que pode facilmente ser identificada com a deusa egípcia Ísis, esposa de Osíris.
A acção prossegue centrada numa teia de intrigas relacionadas com a ascensão na hierarquia do culto. Esta situação é desencadeada pela morte do velho Arconte, o sumo-sacerdote ou a encarnação viva do deus, cujo sacrifício tinha como objectivo trazer a chuva de volta à terra. Uma história que remete para o mito das estações que envolve deuses como Ísis, Osíris, Hórus, Seth…
A traição aparece como um tema sempre actual porque sempre presente no quotidiano, quer nas relações pessoais quer laborais, proporcionando ao leitor a possibilidade de se identificar com as personagens e projectar nelas as suas próprios vivências.
O Oráculo é também uma história de fé, onde se trata de acreditar ou não nos deuses, contrapondo a postura dogmática do povo iletrado ao cepticismo dos mais eruditos. E onde se fala, também, de valores, de ética.
Fisher apresenta-nos um cocktail de personagens fascinantes porque moduladas, redondas e, por isso mesmo, surpreendentes.
Seth, apesar do nome do deus da traição da mitologia egípcia, é um jovem adolescente, amigo leal, da sacerdotisa Mirany e possuidor de um lado humano muito forte. Os erros que comete não são despoletados pela ambição, mas em prol da necessidade de ajudar os outros e pelo impulso que desencadeia a vontade de quebrar regras, própria da fase da adolescência.
Mirany, a sacerdotisa do deus escorpião, é a heroína do romance e, por isso, a menos surpreendente das personagens moduladas por sabermos, desde o início, o que se passa no seu íntimo. Contudo, vai amadurecendo ao longo da trama e passa a defender com mais segurança as suas convicções, apesar de os valores fundamentais permanecerem intactos.
Alexos, o novo Arconte, é uma criança “especial” porque diferente. Vive no mundo do sonho, como se o seu pensamento pairasse algures no limiar entre a vida e a morte, entre a sanidade e a loucura.
Oblek, o principal aliado de Mirany e Alexos, é um indivíduo aparentemente incontrolável. Bêbado, irresponsável, de temperamento bilioso, aspecto burlesco e repulsivo. Alguém em quem, no início se reluta em confiar, mas…
Os dois grandes vilões são: Hérmia, a Oradora, cujo nome tem a ver com Hermes, o deus do comércio, dos ladrões, o mestre na mentira – é a grã-sacerdotisa; e Argelim, o general ambicioso, amante de Hérmia. Ambos usam a religião para manipular o povo crente com o objectivo único de amealhar riqueza. São as duas únicas personagens que mantêm o carácter constante ao longo de todo o romance.
Rhetia e Crisis, são duas jovens oriundas da aristocracia, sacerdotisas como Mirany. São as personagens que mais surpreendem o leitor mostrando, no final, uma faceta até então completamente oculta da sua personalidade.
Cada capítulo corresponde a cada um dos nove dias que completam as cerimónias fúnebres do Velho Arconte, ao longo dos quais se procederá à procura do sucessor no qual o deus terá, supostamente, reencarnado. Cada um destes capítulos inicia com um texto introdutório que dá voz ao deus-escorpião. São textos de extrema beleza e poesia em formato de prosa, pela pena de uma autora, já habituada às lides poéticas.
Um livro que serve de aperitivo para os volumes que se seguem.
Que abre a porta para o gosto pela literatura junto dos mais jovens e os sensibiliza para a beleza da Palavra e para o encanto das civilizações antigas.
Deliciosamente lúdico.
Cláudia de Sousa Dias
Quando decidiu escrever O Oráculo, a Autora criou um cenário onde impera um sincretismo cultural e religioso baseado nas civilizações grega e egípcia.
A acção desenrola-se, precisamente, algures numa ilha do Mar Egeu cujas coordenadas se interceptam num ponto geograficamente situado entre estas duas culturas.
A trama circula à volta do culto de um deus em forma de Escorpião – o deus da vida e da morte – cujos rituais em tudo se assemelham ao culto de Osíris. E da Rainha da Chuva, num país açodado pela seca, uma deusa que pode facilmente ser identificada com a deusa egípcia Ísis, esposa de Osíris.
A acção prossegue centrada numa teia de intrigas relacionadas com a ascensão na hierarquia do culto. Esta situação é desencadeada pela morte do velho Arconte, o sumo-sacerdote ou a encarnação viva do deus, cujo sacrifício tinha como objectivo trazer a chuva de volta à terra. Uma história que remete para o mito das estações que envolve deuses como Ísis, Osíris, Hórus, Seth…
A traição aparece como um tema sempre actual porque sempre presente no quotidiano, quer nas relações pessoais quer laborais, proporcionando ao leitor a possibilidade de se identificar com as personagens e projectar nelas as suas próprios vivências.
O Oráculo é também uma história de fé, onde se trata de acreditar ou não nos deuses, contrapondo a postura dogmática do povo iletrado ao cepticismo dos mais eruditos. E onde se fala, também, de valores, de ética.
Fisher apresenta-nos um cocktail de personagens fascinantes porque moduladas, redondas e, por isso mesmo, surpreendentes.
Seth, apesar do nome do deus da traição da mitologia egípcia, é um jovem adolescente, amigo leal, da sacerdotisa Mirany e possuidor de um lado humano muito forte. Os erros que comete não são despoletados pela ambição, mas em prol da necessidade de ajudar os outros e pelo impulso que desencadeia a vontade de quebrar regras, própria da fase da adolescência.
Mirany, a sacerdotisa do deus escorpião, é a heroína do romance e, por isso, a menos surpreendente das personagens moduladas por sabermos, desde o início, o que se passa no seu íntimo. Contudo, vai amadurecendo ao longo da trama e passa a defender com mais segurança as suas convicções, apesar de os valores fundamentais permanecerem intactos.
Alexos, o novo Arconte, é uma criança “especial” porque diferente. Vive no mundo do sonho, como se o seu pensamento pairasse algures no limiar entre a vida e a morte, entre a sanidade e a loucura.
Oblek, o principal aliado de Mirany e Alexos, é um indivíduo aparentemente incontrolável. Bêbado, irresponsável, de temperamento bilioso, aspecto burlesco e repulsivo. Alguém em quem, no início se reluta em confiar, mas…
Os dois grandes vilões são: Hérmia, a Oradora, cujo nome tem a ver com Hermes, o deus do comércio, dos ladrões, o mestre na mentira – é a grã-sacerdotisa; e Argelim, o general ambicioso, amante de Hérmia. Ambos usam a religião para manipular o povo crente com o objectivo único de amealhar riqueza. São as duas únicas personagens que mantêm o carácter constante ao longo de todo o romance.
Rhetia e Crisis, são duas jovens oriundas da aristocracia, sacerdotisas como Mirany. São as personagens que mais surpreendem o leitor mostrando, no final, uma faceta até então completamente oculta da sua personalidade.
Cada capítulo corresponde a cada um dos nove dias que completam as cerimónias fúnebres do Velho Arconte, ao longo dos quais se procederá à procura do sucessor no qual o deus terá, supostamente, reencarnado. Cada um destes capítulos inicia com um texto introdutório que dá voz ao deus-escorpião. São textos de extrema beleza e poesia em formato de prosa, pela pena de uma autora, já habituada às lides poéticas.
Um livro que serve de aperitivo para os volumes que se seguem.
Que abre a porta para o gosto pela literatura junto dos mais jovens e os sensibiliza para a beleza da Palavra e para o encanto das civilizações antigas.
Deliciosamente lúdico.
Cláudia de Sousa Dias
2 Comments:
Cara Amiga,
Comentários e análises destas,desperta-nos a curiosidade pela leitura.
Obrigado
SSS
Eu mal posso esperar para ler o segundo volume "O Arconte".
:)
CSD
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