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Wednesday, September 07, 2005

“A Vaca-Loura” de Luísa Monteiro (Caleidoscópio)







A escritora famalicense Luísa Monteiro lançou, este Verão, mais uma obra literária. Desta vez, trata-se de uma novela, que poderia facilmente ser enquadrada na categoria de conto, devido ao elevado nível literário que predomina no texto. A adjectivação, a atribuição de características típicas de determinadas espécies animais a seres humanos, as metáforas utilizadas, ilustram o estado de espírito e sentimentos da protagonista e narradora em relação as pessoas ou coisas que lhe são próximas.

A classificação da obra como novela explica-se, unicamente, pela alternância do discurso literário com os diálogos em linguagem corrente e pela estereotipificação das restantes personagens por parte de Lurdes, a narradora.

O tema é o amor (tal como em O Evangelho das Rãs e A Guardadora de Gansos), aqui, visto pelo olhar de uma criança de sete anos cujo maior desejo é o de possuir uma bicicleta. Um desejo que irá desencadear alterações significativas no destino das principais personagens.

Para a Autora, “O amor é tudo – excepto o que devia ser.” Por não caber dentro dos limites que a sociedade estabelece como o correcto ou normal.

Trata-se da forma de intuir e detectar o amor nos olhos, nas palavras e nas atitudes dos outros. Os afectos da jovem protagonista depreendem-se unicamente através da sua linguagem, da qual se serve para exprimir desprezo (ex: na referência aos “ranhosos” que torturam animais, na atribuição da alcunha de “lesma” ao padrasto ou “Cudauga” à vizinha) ou afecto (ex: na forma como descreve a mãe adoptiva, a irmã ou o tio).

A Autora inicia a história através da utilização de uma comparação de padrões de comportamento servindo-se da repetição anafórica da expressão “Riam” para evidenciar o sadismo dos “ranhosos” em contraposição à convicção solene das duas irmãs – Lurdes e Olga – que julgam estar aplicar um tratamento eutanásico às vacas-louras – espécie de escaravelhos de grandes dimensões, semelhantes às baratas mas com uma “antenas” semelhantes a chifres.

A Vaca-Loura é também uma história que fala de liberdade. Um sentimento experimentado por Lurdes e Olga quando cavalgam pelos campos montadas numa vaca-loura gigante – uma bicicleta velha e enferrujada demasiado grande para duas crianças de sete e quatro anos.

A bicicleta “vaca-loura” é a mola que desencadeia a tragédia na vida das personagens. Mas é também o golpe do destino que coloca em acção o mecanismo da mudança, permitindo que a verdade surja sem cambiantes, véus ou disfarces.

A tragédia faz com que os arquétipos puros do bem ou do mal se entrelacem aparecendo em todas as nuances intermédias. Ou seja, Lurdes compreende, afinal, que todo o comportamento é despoletado por um conjunto de causas.

Destaque para as referências culturais como a utilização da expressão “Moço Bonito” retirado da telenovela “Gabriela, cravo e canela”, símbolo sexual e ícone de beleza e sedução nos anos setenta – protagonizado pela exótica Sónia Braga – que as jovens portuguesas de então tentavam, a todo o custo, imitar na sua sensualidade inocente (e insolente) e na doçura especiada e quente do bronzeado da pele.

A ambivalência sexual de algumas personagens, é uma constante na obra de Luísa Monteiro. A Vaca-loura não foge à regra frisando a Autora, mais uma vez, a importância de respeitar os vários tipos de orientação sexual.

A presença do amor possessivo e do ciúme, marcadamente sexuado, quase que patológico, de Lurdes pela mãe adoptiva, faz parte dessa ambivalência sexual.

Também estão presentes o amor filial – expresso na adoração do tio Francisco – e o amor fraternal no companheirismo, ternura e dedicação absoluta de Lurdes a Olga, a irmã muda e quase autista.

Uma estória lindíssima, que se lê com prazer, quer pela autenticidade e intensidade das emoções expressas, quer pelas personagens, todas elas – com excepção de Lurdes, a protagonista – tipificadas. Delas, só conseguimos deduzir o estado de espírito ou as emoções através das descrições das atitudes e comportamentos observados por Lurdes. Esta personagem fornece – com total franqueza e candura – ao leitor todas as pistas que lhe permitem construir o carácter de cada uma dessas mesmas personagens e intuir as causas que despoletam um dado comportamento. E é precisamente neste ponto que se evidencia o talento da Autora que, sem efectuar qualquer juízo de valor, dá-nos, através da limpidez do olhar de uma criança, todo um manancial de beleza e drama contidas nas diferentes expressões de (des)afecto.

Uma obra que se lê como quem saboreia um gelado numa esplanada à beira-mar.

Pungente.

Nostálgico.

Catártico.




Cláudia de Sousa Dias



2 Comments:

Blogger Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

fiquei com vontade de ler, Claudia ;)

11:58 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É lindíssimo!

Penso que podes encontrá-lo na FNAC.

Beijo

CSD

1:46 PM  

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