“A Casa das sete Mulheres” de Leticia Wierzchowski (Âmbar)
Já lá vão dois anos que vimos a série passar na televisão. A tranquilidade das férias que se avizinham permite-nos desfrutar de um romance de quase seiscentas páginas, com a devida atenção que merece uma obra literária desta têmpera.
Este é um romance épico, totalmente impregnado do romantismo tão ao gosto do séc.XIX, onde a trama e as personagens que a compõem lembram o intemporal Guerra e Paz de Leon Tolstoi.
O romance trata, essencialmente, da perseguição de um sonho, de um ideal: o da liberdade (para os escravos do Rio Grande do Sul) e o da autonomia e independência de um território face ao poder imperial que sangra os produtores da região com impostos e tarifas alfandegárias.
Bento Gonçalves da Silva começa por contestar a política económica do imperador do Brasil em 1835 e acaba por encabeçar uma guerra tão longa e tão trágica quanto aquela que foi cantada por Homero.
Curiosamente, Bento Gonçalves – líder da Revolução Farroupilha e, temporariamente, presidente da República do rio Grande do Sul, contou com o auxílio de uma personagem mítica na história da Europa moderna, que desempenhou um papel fundamental na unificação da Península Itálica: Giuseppe Garibaldi.
Garibaldi chega à Estância da Barra (o cenário principal onde decorre a acção e que é propriedade de Ana, irmã mais velha de Bento) com o objectivo de construir os barcos fluviais para exercer a actividade de corsário ao serviço da República riograndense. E aí conhece Manuela…
Mas quem é Manuela?
Manuela é a sobrinha mais jovem de Bento Gonçalves, filha da irmã deste, Maria Manuela. As três filhas de Maria Manuela - Rosário, Mariana e Manuela – vão, juntamente com Caetana (esposa de Bento) e respectivos filhos, viver temporariamente para a protegida e praticamente inexpugnável Estância da Barra, propriedade de Ana.
É neste idílico cenário campestre que a jovem Manuela irá narrar as crónicas de amor e de guerra relacionadas com a sua família e que estão na base da construção deste romance.
Trata-se de um episódio da História do Brasil, contado de uma perspectiva exclusivamente feminina, uma vez que toda a temática relacionado com actividades bélicas propriamente ditas, não foi directamente vivenciada pela cronista, mas narrada através do recurso a cartas e relatos dos seus familiares e amigos. Por este motivo, Manuela é, simultaneamente, uma narradora participante – quando fala das experiências vividas na estância, do quotidiano doméstico de sete mulheres que assistiram a dez anos de guerra num recanto edénico e não participante, quando narra aquilo que os outros viram, sentiram ou viveram em campanha, recorrendo quer ao discurso directo, ao introduzir o conteúdo integral das cartas que lhe foram confiadas, quer ao discurso indirecto.
Manuela é uma jovem romântica, que conta com quinze anos no início da guerra, invulgarmente “pensativa”, como a define, de uma forma algo depreciativa, a sua irmã Rosário.
Manuela possui, na realidade, uma inteligência e cultura muito acima da média, com uma clareza de raciocínio que lhe permite construir as crónicas que legaram a história da sua família e do Rio Grande para a posteridade.
Para além disso, Manuela tem uma capacidade invulgar de amar para além dos limites. A nobreza e o romantismo desta personagem fazem lembrar a Natasha do já mencionado romance de Tolstoi.
O estilo literário e o léxico de Manuela estão adequados à época, à região e ao estatuto sócio-cultural da personagem.
A narrativa está povoada de indícios e presságios como indica o dueto entre Manuela e Rosário, no primeiro capítulo, em cujas entrelinhas se pode perfeitamente ler o destino que marca a evolução dos afectos destas duas jovens. De facto, tudo indica haver nelas uma predisposição para amar da forma como amaram: o altruísmo e o egoísmo nas suas formas mais extremas.
Manuela é uma personagem completamente sibilina, intuitiva, tal como as suas tias Ana e Antónia. O cenário telúrico, o sol vermelho, as cores vivas da paisagem, o agreste vento de Inverno – o minuano, cujos gemidos chorosos arrasam com os nervos das mulheres da Estância da Barra e remetem para a atmosfera funesta de O Monte dos Vendavais de Emily Brontë –, sendo este quase sempre o arauto da tragédia.
Rosário, a irmã mais velha (que não é, nem de longe, a personagem doce, de que nos lembramos na série televisiva), é uma jovem cuja estabilidade emocional não resistiu aos condicionalismos e, muito menos, ao isolamento imposto pela guerra.
Secretamente, pois não o admite nem para si própria, culpa o tio pela guerra que a obriga a ficar confinada na Estância, longe dos olhares dos admiradores que poderia conquistar na Corte.
É esse o motivo que a leva a projectar o seu medo e ódio na figura de Steban – o jovem oficial que, supostamente, teria sido morto pelo tio.
Steban representa, na mente de Rosário, a sua oportunidade de fazer um bom casamento na corte, oportunidade esta que é vetada pela posição política do tio.
O jovem é produto da imaginação febril de Rosário e das suas emoções recalcadas e distorcidas. A cisão com a realidade acentua-se. Rosário enlouquece de forma irreversível, vítima de esquizofrenia.
Mariana é a mais feliz e independente das três irmãs. Esta última característica permite-
-lhe encontrar e lutar por aquele a quem ama e que também está disposto a lutar por ela.
Ao contrário de Manuela que está afectivamente mais presa à família.
Talvez por isso, Garibaldi não insista em enfrentar o General Bento, por sentir que ao acompanhá-lo Manuela deixaria parte de si mesma com os seus e ele deseja uma mulher que seja como as filhas de Loth, que tenha a possibilidade de partir para qualquer lugar sem olhar para trás.
Mariana não hesita em deixar a companhia amarga e castradora da mãe e este facto é, talvez, determinante para o cumprimento do seu destino. É por este motivo que o episódio de Mariana e João inclua algumas das mais belas cenas da obra.
As tias são as grandes adjuvantes de Manuela e Mariana, sobretudo a Tia Antónia, que auxilia as duas sobrinhas nos seus momentos mais difíceis.
A tia Ana, a matriarca, é o general doméstico que comanda toda a logística da quinta, interna e externa.
Por todos estes motivos, vale a pena aproveitar as férias para ler A Casa das sete Mulheres, uma obra que fala de sonhos. De utopia, de amor e de liberdade.
Palavras, talvez, sinónimas.
Cuja identificação não figura, porém em nenhum dicionário.
Cláudia de Sousa Dias
Este é um romance épico, totalmente impregnado do romantismo tão ao gosto do séc.XIX, onde a trama e as personagens que a compõem lembram o intemporal Guerra e Paz de Leon Tolstoi.
O romance trata, essencialmente, da perseguição de um sonho, de um ideal: o da liberdade (para os escravos do Rio Grande do Sul) e o da autonomia e independência de um território face ao poder imperial que sangra os produtores da região com impostos e tarifas alfandegárias.
Bento Gonçalves da Silva começa por contestar a política económica do imperador do Brasil em 1835 e acaba por encabeçar uma guerra tão longa e tão trágica quanto aquela que foi cantada por Homero.
Curiosamente, Bento Gonçalves – líder da Revolução Farroupilha e, temporariamente, presidente da República do rio Grande do Sul, contou com o auxílio de uma personagem mítica na história da Europa moderna, que desempenhou um papel fundamental na unificação da Península Itálica: Giuseppe Garibaldi.
Garibaldi chega à Estância da Barra (o cenário principal onde decorre a acção e que é propriedade de Ana, irmã mais velha de Bento) com o objectivo de construir os barcos fluviais para exercer a actividade de corsário ao serviço da República riograndense. E aí conhece Manuela…
Mas quem é Manuela?
Manuela é a sobrinha mais jovem de Bento Gonçalves, filha da irmã deste, Maria Manuela. As três filhas de Maria Manuela - Rosário, Mariana e Manuela – vão, juntamente com Caetana (esposa de Bento) e respectivos filhos, viver temporariamente para a protegida e praticamente inexpugnável Estância da Barra, propriedade de Ana.
É neste idílico cenário campestre que a jovem Manuela irá narrar as crónicas de amor e de guerra relacionadas com a sua família e que estão na base da construção deste romance.
Trata-se de um episódio da História do Brasil, contado de uma perspectiva exclusivamente feminina, uma vez que toda a temática relacionado com actividades bélicas propriamente ditas, não foi directamente vivenciada pela cronista, mas narrada através do recurso a cartas e relatos dos seus familiares e amigos. Por este motivo, Manuela é, simultaneamente, uma narradora participante – quando fala das experiências vividas na estância, do quotidiano doméstico de sete mulheres que assistiram a dez anos de guerra num recanto edénico e não participante, quando narra aquilo que os outros viram, sentiram ou viveram em campanha, recorrendo quer ao discurso directo, ao introduzir o conteúdo integral das cartas que lhe foram confiadas, quer ao discurso indirecto.
Manuela é uma jovem romântica, que conta com quinze anos no início da guerra, invulgarmente “pensativa”, como a define, de uma forma algo depreciativa, a sua irmã Rosário.
Manuela possui, na realidade, uma inteligência e cultura muito acima da média, com uma clareza de raciocínio que lhe permite construir as crónicas que legaram a história da sua família e do Rio Grande para a posteridade.
Para além disso, Manuela tem uma capacidade invulgar de amar para além dos limites. A nobreza e o romantismo desta personagem fazem lembrar a Natasha do já mencionado romance de Tolstoi.
O estilo literário e o léxico de Manuela estão adequados à época, à região e ao estatuto sócio-cultural da personagem.
A narrativa está povoada de indícios e presságios como indica o dueto entre Manuela e Rosário, no primeiro capítulo, em cujas entrelinhas se pode perfeitamente ler o destino que marca a evolução dos afectos destas duas jovens. De facto, tudo indica haver nelas uma predisposição para amar da forma como amaram: o altruísmo e o egoísmo nas suas formas mais extremas.
Manuela é uma personagem completamente sibilina, intuitiva, tal como as suas tias Ana e Antónia. O cenário telúrico, o sol vermelho, as cores vivas da paisagem, o agreste vento de Inverno – o minuano, cujos gemidos chorosos arrasam com os nervos das mulheres da Estância da Barra e remetem para a atmosfera funesta de O Monte dos Vendavais de Emily Brontë –, sendo este quase sempre o arauto da tragédia.
Rosário, a irmã mais velha (que não é, nem de longe, a personagem doce, de que nos lembramos na série televisiva), é uma jovem cuja estabilidade emocional não resistiu aos condicionalismos e, muito menos, ao isolamento imposto pela guerra.
Secretamente, pois não o admite nem para si própria, culpa o tio pela guerra que a obriga a ficar confinada na Estância, longe dos olhares dos admiradores que poderia conquistar na Corte.
É esse o motivo que a leva a projectar o seu medo e ódio na figura de Steban – o jovem oficial que, supostamente, teria sido morto pelo tio.
Steban representa, na mente de Rosário, a sua oportunidade de fazer um bom casamento na corte, oportunidade esta que é vetada pela posição política do tio.
O jovem é produto da imaginação febril de Rosário e das suas emoções recalcadas e distorcidas. A cisão com a realidade acentua-se. Rosário enlouquece de forma irreversível, vítima de esquizofrenia.
Mariana é a mais feliz e independente das três irmãs. Esta última característica permite-
-lhe encontrar e lutar por aquele a quem ama e que também está disposto a lutar por ela.
Ao contrário de Manuela que está afectivamente mais presa à família.
Talvez por isso, Garibaldi não insista em enfrentar o General Bento, por sentir que ao acompanhá-lo Manuela deixaria parte de si mesma com os seus e ele deseja uma mulher que seja como as filhas de Loth, que tenha a possibilidade de partir para qualquer lugar sem olhar para trás.
Mariana não hesita em deixar a companhia amarga e castradora da mãe e este facto é, talvez, determinante para o cumprimento do seu destino. É por este motivo que o episódio de Mariana e João inclua algumas das mais belas cenas da obra.
As tias são as grandes adjuvantes de Manuela e Mariana, sobretudo a Tia Antónia, que auxilia as duas sobrinhas nos seus momentos mais difíceis.
A tia Ana, a matriarca, é o general doméstico que comanda toda a logística da quinta, interna e externa.
Por todos estes motivos, vale a pena aproveitar as férias para ler A Casa das sete Mulheres, uma obra que fala de sonhos. De utopia, de amor e de liberdade.
Palavras, talvez, sinónimas.
Cuja identificação não figura, porém em nenhum dicionário.
Cláudia de Sousa Dias
3 Comments:
Obrigada Ana!
Acabei de publicar este mesmo artigo num jornal local em Vila Nova de Famalicão! Foi um livro do qual gostei especialmente de ler!
Um abraço e muito obrigada pela visita!
CSD
Vagando pela net encontrei o seu blog muinto interessante, Vi a novela a casa das sete mulheres amei!!!, vou comprar o livro actualmente estou lendo o livro de uma autora australiana Collen McCullough "Passaros feridos" the thorn Birds conhece???? o filme é lindissímo apaixonante...
o livro é de fácil leitura, que cativa e emociona da primeira a ultima página.
Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a Terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro, e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e comprido. E, morrendo, sublima a própria agonia e solta um canto mais belo que o da cotovia e o do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mas o mundo inteiro pára para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento... Pelo menos é o que diz a lenda.
[...]
O pássaro com o espinho cravado no peito segue uma lei imutável; impelido por ela, não sabe o que é empalar-se, e morre cantando. No instante em que o espinho penetra, não há nele consciência do morrer futuro; limita-se a cantar e canta até que não lhe sobra vida para emitir uma única nota. Mas nós, quando enfiamos os espinhos no peito, nós sabemos, compreendemos. E assim mesmo fazemo-lo.
Beijos.
via a série mas não li o livro. Era com Richard Chamberlain e Rachel Ward.
Da Autora só li os primeiros cinco volumes de "O Primeiro Homem de Roma" uma fabulosa saga sobre a queda da República e a transição para o Império.
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