“Anjos e Demónios” de Dan Brown (Bertrand)
Um conflito entre Ciência e Religião. A Ética como elemento unificador.
Dan Brown escreveu Anjos e Demónios no ano 2000, em plena viragem do milénio, altura em que abundaram as teorias apocalípticas da conspiração, quatro anos antes da publicação do livro mais vendido nos últimos dez anos: O Código DaVinci.
Em Portugal, o lançamento de Anjos e Demónios coincidiu com a morte eminente de João Paulo II, traduzindo-se num golpe publicitário mais do que evidente, uma vez que a trama do livro circula à volta de uma conspiração cujo alvo é, aparentemente, a Igreja Católica e tem como pano de fundo a eleição de um novo Papa.
Anjos e Demónios é um enredo policial que implica uma ameaça à segurança do planeta, desencadeada pela descoberta de uma nova tecnologia cujo manuseamento, em mãos erradas, pode tornar-se fatal, não só para a Terra mas para o Universo inteiro.
O mais recente bestseller de Dan Brown (em Portugal, claro) pretende ser um livro que obrigue o leitor a reflectir acerca da clivagem entre os caminhos da Ciência (a razão pura e a lógica fria, que não faz juízos de valor entre o bem e o Mal) e os da Religião (durante milénios o fundamento da ética e das normas morais da nossa civilização). È também uma chamada de atenção para o desenvolvimento a duas velocidades entre o conhecimento científico e o desenvolvimento das relações humanas – que permitem a utilização da ciência de forma construtiva ou destrutiva.
Existe um paralelismo mais do que evidente entre Anjos e Demónios e O Código DaVinci, tanto na construção das personagens como no próprio desenvolvimento da narrativa.
- O protagonista é, em ambas as obras, Robert Langdon, um professor de Harvard, especialista em decifrar enigmas históricos;
- Em ambos os romances, está presente a urgência e o secretismo, com que Langdon é chamado a resolver o caso – isto é, literalmente arrancado aos braços de Morfeu em ambas as ocasiões;
- O assassino contratado a soldo move-se, tal como o diabólico membro da Opus Dei em O Código DaVinci, à semelhança da Peste no sec.XIV, isto é uma praga inexorável que ninguém consegue travar, criando no leitor o suspense que o mantém fixo ao livro, hipnotizado, viciado, até ao desencadear final do drama. Desta vez, trata-se de um psicopata de origem árabe que nutre um ódio ancestral face à Igreja Católica;
A sua ligação ao mentor do crime é, contudo, mantida hermeticamente secreta, velada, até aos últimos capítulos – altura em que a verdade emerge, finalmente, para o leitor;
- Prosseguindo a analogia, o principal suspeito de Anjos e Demónios tem muitas características semelhantes ao verdadeiro criminoso de O Código DaVinci e, apesar de, no final, terem destinos semelhantes, os desempenhos e papéis são completamente diferentes;
- Por último, Langdon conta com a presença de uma assistente com a qual mantém uma relação que transcende os limites da cooperação profissional possuindo esta uma estreita relação de parentesco com a vítima – Vittoria é, ao contrário da cerebral Sophie de O Código DaVinci, uma mulher de temperamento tipicamente italiano: ardente e impulsiva;
- O desenvolvimento da narrativa de Anjos e Demónios obedece à mesma estrutura do outro romance do autor, já citado. Trata-se de uma trama cronologicamente desenvolvida ao longo de 24 horas, na qual os aliados de Langdon perseguem o assassino pela cidade do Vaticano. A construção da narrativa é, em tudo, semelhante ao esquema de desenvolvimento de acção utilizada em teatro, na qual o primeiro acto decorre na Suíça, mais propriamente no Centro de Pesquisa de Energia Nuclear e o segundo acto na Cidade do Vaticano, podendo este último ser dividido em várias cenas consoante a actuação do assassino.
O livro em si aponta para a necessidade de conciliação entre o ponto de vista da ciência e o da axiologia, isto é, dos valores que fundamentam a Ética nas relações humanas.
A obra apresenta, no entanto, uma contradição: uma vez que um dos principais fundamentos da Ética é a Verdade, a transparência, esta é, apesar de tudo, ocultada à opinião pública, ficando as razões do comportamento de algumas personagens imersas no segredo dos deuses.
Mais uma vez os seres humanos são tratados como crianças às quais é preciso proteger impedindo-lhes o acesso ao mundo real, proporcionando-lhe a visão parcial da realidade, a preto e branco, o Bem e o Mal sem tonalidades intermédias. O pressuposto é o de que o homem comum não está capacitado para julgar por si próprio e os detentores da informação encontram, desta forma o pretexto para não darem a conhecer as suas próprias falhas, facilitando a dependência.
O interesse de Anjos e Demónios reside em ser um acréscimo de conhecimento erudição e na magistral arquitectura da trama a que Dan Brown já nos habituou, mas no que respeita às vantagens do “iluminar” da consciência colectiva, a obra fica-se pela concepção arcaica, tradicional, o eu significa tratar os humanos como ovelhas que necessitam de ser conduzidas e não como seres inteligentes ou autónomos…
…porque autonomia pode implicar diferença de opinião. Aquele que pensa de maneira diferente é considerado dissidente, rebelde.
Tal como um Anjo de Luz pode ser apelidado de…
…Luciferino.
Há, por isso em Anjos e Demónios uma perigosa analogia de cariz tipicamente medieval, que tenta confundir iluminismo com satanismo e que, na história, pouco ou nada foi feito para desmentir esta concepção.
Um livro que pretende ser conciliador, mas que dá “uma no cravo e outra na ferradura”, por querer agradar a gregos e a troianos.
O triunfo da Mentira…
Pura ficção ou imitação do real?
Cláudia de Sousa Dias
4 Comments:
Sei que és amiga da Maria! É só para te lembrar que as votações no divas e contrabaixos começaram hoje. E o texto da Heli está a votos :)
beijinhos
Cenoura
Olá Cenoura!
Sim, a Maria Já me falou de ti :)
Hoje, o mais tardar amanhã já vou ver isso com pormenor e postar mais uma txto tb.
Espero ver-te por cá mais vezes! Bjo
CSD
Parece interessante o seu comentário! MAs depois do Código, não sei se estou para aqui virado! continua este trabalho interessante!
Sinceramente, acho "o Código um trabalho mais bem acabado do que este!
Apesar de as primeiras 100 páginas lerem-se de um só fôlego, a partir daí começa a tornar-se um pouco previsível.
Contudo este é um trabalho de Dan Brown anterior a "O Código DaVinci", o que seignifica que ele já teve tempo de refinar o trabalho que tem vindo a desempenhar desde que decidiu dedicar-se à escrita a tempo inteiro!
CSd
Post a Comment
<< Home