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Tuesday, August 09, 2005

“Intimidades” – Vários (Dom Quixote)


Antologia de contos eróticos, pela voz de dez autoras portuguesas e brasileiras, com prefácio de Luísa Coelho. A ensaísta fez questão de clarificar os conceitos de erotismo e pornografia cuja fronteira, por motivos culturais e religiosos, está longe de ser estanque.

Luísa Coelho, a ensaísta brasileira encarregue de elaborar o prefácio para a obra, faz uma breve exploração relativamente às semelhanças e diferenças temáticas e estilísticas que caracterizam as autoras portuguesas e brasileiras, focando tanto o aspecto psicológico como o antropológico e o social, presentes em ambas as culturas.

É o que acontece com a relação entre o erotismo e o sagrado, sobretudo nos contos brasileiros, devido ao forte sincretismo religioso, fortemente impregnado na cultura deste País. Tal como a relação entre o amor erótico e as normas sociais de que está imbuída a escrita portuguesa devido a condicionalismos históricos e religiosos que condicionaram, durante muito tempo, a livre expressão dos afectos.

Nos contos portugueses foca-se, segundo Luísa Coelho, aquilo que é interdito, contrário às normas inerentes aos papéis sociais que correspondem ao comportamento esperado de cada sexo, numa dada época.

Nos contos brasileiros, a transgressão vais mais longe. Esta propõe-se a quebrar alguns tabus universais.

A obra inicia-se com o mini-conto Animal da brasileira Ana Miranda. Trata-se de um texto que percorre as zonas erógenas do corpo feminino como se de uma montanha russa se tratasse. A narradora explora a dimensão obsessiva da expressão da paixão do seu amante, da necessidade absoluta deste na procura do refúgio, da paz, do encontro consigo próprio no corpo do objecto amado e da necessidade imperiosa de fusão com ele. A dimensão material do corpo da mulher amada ou desejada ganha, aqui, terreno em detrimento da dimensão espiritual, aniquilando-a.

Seguem-se mais dois contos de vindos do Brasil.

Cobertor Engomado de Branca Maria de Paula descreve um cenário bucólico onde proliferam elementos da fauna e flora tipicamente tropicais. A transgressão impera tanto na linguagem, como nos cânones da evolução e orientação da sexualidade, que não seguem o curso esperado. Luísa Coelho chega mesmo a afirmar que “o erotismo manifesta-se através da fusão totémica, de um antropomorfismo zoológico e botânico” e que “ a ruptura da harmonia (…) levará o personagem a desviar-se do percurso e à perda da sua sexualidade primitiva e original.”

Assiste-se, aqui, ao conflito que opõe o prazer selvagem, associado aos instintos mais básicos e primitivos, às leis que regem a sociedade.

No Sudário de Guiomar de Grammont, observamos o erotismo canalizado, face a um objecto de paixão que é idealizado. Essa paixão é despoletada por um botão (analogia erótica com determinadas parte do corpo feminino, como os mamilos ou o clítoris) branco (cor tradicionalmente associada à inocência e à virgindade) de uma blusa.

A consumação do desejo só é realizada no plano do imaginário, sendo ao mesmo tempo imortalizada na obra daquele que ama. Há uma relação directa entre a satisfação do desejo e a morte, uma porta para a extinção da vitalidade do personagem. “É diante da morte que ele experimenta o prazer do interdito, experiência que se traduz na sua dissolução enquanto ser” – Luísa Coelho. A linguagem utilizada na parte final do texto implica, toda ela, o estiolar da vida decorrente do esvair do fluido vital.

Segue-se a primeira autora portuguesa, Inês Pedrosa, com Só Sexo.

Um conto de grande beleza, sensualidade e intensidade emocional, que fala de uma mulher que tenta resgatar o passado interrompido, cristalizado, na juventude. A autora do prefácio refere que, neste conto, o erotismo “é alimentado pela noção de um vazio que se instalou na vida da personagem, mas que lhe permitiu sonhar”.

A emoção aliada à sensação é a tónica dominante, em contraste absoluto com o título do texto. Apesar de, entre os amantes, tal como no romance o deus das pequenas coisas de Arundhati Roy, as coisas importantes ficarem sempre por dizer…

Com Lídia Jorge e o seu Conto do Nadador o erotismo é, sobretudo, visual, marcado pela contemplação da nudez dos corpos semi-velados pelas roupas molhadas, pela espuma e pela areia da praia. Na escrita desta autora está presente a crítica social, o conflito entre o desejo de livre expressão da vontade individual e as regras ou convenções sociais que o contrariam.

É por esta razão, que as jovens não podem deixar-se olhar a não ser que o Outro não tenha a consciência que elas sabem que estão a ser observadas. O conto é o retrato de uma época de forte repressão da sexualidade e da sedução femininas, sobretudo quando fora do âmbito conjugal, obrigando à criação de uma série de máscaras ou situações fictícias.

Regressamos aos autores vindos de terras de Vera Cruz.

Desta vez, com um conto de Lygia Fagundes Telles, autora do conhecido romance Ciranda de Pedra, adaptado ao formato televisivo sob a forma de telenovela. Apenas um saxofone é um dos contos mais intensos da antologia e fala-nos de uma mulher fatal que recorda a passagem do Amor pela sua vida. Mostra, sobretudo, a forma cruel como nos tornamos vítimas das opções que fazemos. O texto começa por evidenciar o medo da perda da beleza face à inevitabilidade do envelhecimento, acompanhado pelo tédio instalado numa vida afectivamente estéril.

Um conto em que é particularmente notória a perda da fé no deus do Amor e a consciência de que a possibilidade de resgatar a felicidade está a perder terreno na corrida contra o tempo. O amor só chega à protagonista e narradora através da magia da música que despoleta a memória da paixão que ligou os dois amantes.

Regressando a Portugal, deparamo-nos com o escaldante Mónica de Maria Teresa Horta, sem dúvida o mais sensual e provocador de todos os contos desta colectânea. A loucura dos sentidos e a paixão no seu estado puro são os seus principais ingredientes. Um pouco à semelhança do que acontece com o conto de Inês Pedrosa. Mas aqui é a mulher quem domina, quem assume o controlo absoluto da situação, ao passo que a protagonista de Só Sexo é totalmente dependente das acções do parceiro.

A música, tal como no conto da brasileira Lygia Fagundes Telles, também está presente. Mas aqui, são as pulsões da paixão, surda, cega e muda, emanadas das profundezas do inconsciente, que são identificadas com as tonalidades escuras da música de Mahler e não propriamente despoletadas por ela.

Sons e desejos emergem do mais profundo da fantasia humana quebrando tabus.

Mais uma incursão pelo Brasil.

Nelida Piñon mostra-nos um conto que fala de posse, de obsessão em O Revólver da Paixão.

Fome voraz, desejo sem limites.

A protagonista não deixa espaço para a liberdade individual do parceiro. A satisfação torna-se impossível de atingir, transformando uma relação ardente num inferno asfixiante. Também aqui a mulher pretende dominar os termos do desenvolvimento da relação, mas a paixão em vez de a libertar a si e ao companheiro acaba por sufocá-los, como se subentende nas entrelinhas da carta que escreve ao amante.

A portuguesa Rita Ferro coloca diante dos nossos olhos uma situação de transgressão e subversão dos cânones da construção da sexualidade feminina em O Segredo do Chiffon.
O texto poderá parecer um tanto ou quanto polémico pelo facto de as atitudes da protagonista contrastarem, de uma forma quase chocante, com a idade da mesma.
O tema, apesar de, aparentemente, tratado com alguma leveza, não deixa de, nas entrelinhas, conter uma forte dose de ironia e crítica social face à frivolidade das personagens que gravitam no universo do conto.

O Noctário de Teolinda Gersão, trata da procura do amor na sua forma mais completa, que se manifesta na total cumplicidade de corpos e almas e é inspirado nas mulheres dos nossos dias: autónomas, independentes, seguram as rédeas da própria vida.
Mas não as do Destino. Ou da Fatalidade. Os indícios chegam até nós através dos sonhos da protagonista que nos fazem adivinhar o que vai acontecer. Sonhos que são medos codificados. Medos potenciais, contudo reais. Ou talvez a manifestação da célebre intuição feminina que nada mais é do que a identificação de algo que tem uma grande probabilidade de se tornar realidade.
Até à consumação da tragédia, os sonhos são premonitórios mas, a partir de então, manifestam-se impregnados de uma nostalgia que pretende trazer de volta o passado, retendo-o o mais tempo possível. Sonho que se torna o cenário do prazer.

Dez estórias.

Dez perspectivas diferentes de olhar o Eros.

Mesmo assim reunidas, estão apesar de tudo, longe de abarcar a complexidade e a totalidade do comportamento humano quando se fala de Amor…

Para oferecer a quem se ama. Ou deseja.

Cláudia de Sousa Dias

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Está muito boa esta sua visão. Ainda não li o livro, mas fiquei com vontade.
Isabel Mercedes

9:54 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Isabel!

Espero contar com a sua visita mais vezes!

CSD

1:34 PM  

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