“A Taberna da Índia” de Antonio Sarabia (ASA)
Um livro chocante pela pena de um dos mais prestigiados autores de língua castelhana da actualidade.
Estamos em Sevilha, em pleno século XV, num cenário que exibe as cores de um tecido social que chega até nós pelos olhos de um índio vindo das Caraíbas. O seu nome é Cristobalillo, nome que lhe foi atribuído em honra de Cristóvão Colombo.
Cristobalillo é um índio que observa a cultura do Velho Mundo, com os olhos de um forasteiro. Um observador participante que, quer pelo conhecimento da língua quer por intenção do próprio Autor, abstrai-se de emitir qualquer tipo de juízo de valor.
O tema do romance tem essencialmente a ver com os primeiros resultados das descobertas, financiadas pelos Reis Católicos, que não corresponderam completamente às expectativas: as caravelas “Pinta”, Niña” e “Santa Maria”, comandadas pela Almirante Colombo não chegaram, afinal, ao Catai, à Índia e muito menos ao Cipango. A rota da seda e das especiarias está obstruída por um obstáculo de vulto: um enorme continente ao qual atribuirão mais tarde o nome de América em honra de Américo Vespucci, parceiro financeiro de Colombo.
Face a esta conjuntura, o Almirante cai em desgraça, alvo da difamação e inveja daqueles que cobiçam a sua posição, quer na administração das colónias, quer relativamente ao seu grau de influência na corte de Isabel de Castela e Fernando de Aragão.
N’ A Taberna da Índia são descritos e explicados os mitos que marcam a cultura da época formando uma galeria de seres fantásticos que povoam o imaginário das gentes que começam a transitar da Época Medieval para o Renascimento: sereias, ciclopes, quimeras e muitos outros…
O leque de personagens é bastante variado, incluindo figuras históricas (algumas delas heróicas como Cristóvão Colombo ou Americo Vespucci). Mas aqueles que despertam mais interesse são as personagens que encarnam as pessoas mais comuns, aqueles cujo nome não fica para a posteridade:
- Alonso, tipógrafo culto e inteligente, idealista, busca o best-seller que projectará a sua tipografia no mercado, eliminando o monopólio formado pelos herdeiros de Gutemberg. O Diário do Almirante, quem sabe…
Alonso é muito semelhante à personagem D.Quixote de Cervantes. A sua sensibilidade é orientada para a defesa dos mais fracos, dos que não possuem o poder do dinheiro para os livrar de apuros.
- Diego, irmão de Alonso, é uma personagem que tem muito em comum com Sancho Pança: glutão, boçal, venal e rude, é proprietário da Taberna da Índia e de Catalina, a escrava oriunda das Caraíbas e de uma tribo canibal que inspirou o nome do referido estabelecimento.
- Bartolomé, o melhor amigo de Alonso, um fidalgo de Sevilha, proprietário de Cristobalillo – o jovem índio através de cujo olhar podemos avaliar as limitações e contradições da nossa própria cultura.
Cristobalillo, apesar da sua condição de escravo, desenvolve uma grande amizade por Alonso. Este ensina-lhe a língua castelhana, mostra-lhe a cultura do seu País e tenta transmitir-lhe o seu amor aos livros.
- Por último Catalina, uma heroína trágica, escrava de Diego. Trabalha na Taberna da Índia, executa funções domésticas e de teor sexual, quer para os clientes quer para o próprio patrão. O seu comportamento e dados biográficos constituem vários indícios ou pistas que irão desencadear o seu destino final, sugerindo uma vontade independente manifesta em hábitos culturais próprios de uma civilização que entram em linha de choque com a cultura Europeia.
O tema central do livro, que transparece no pensamento, discurso e acções de todas as personagens principais, é a liberdade individual. Sempre em conflito com os interesses económicos do Poder tendo apenas Força e a Beleza no outro prato da balança.
Sarabia é, neste aspecto, tão contundente quanto Saramago utilizando, para o efeito, quer o recurso frequente à ironia e ao sarcasmo – contidos no discurso de Alonso, quer nos paradoxos apresentados pelo discretíssimo Cristobalillo. Sobretudo aquando da visita deste ao bairro das tributárias (leia-se: prostitutas), propriedade da Igreja.
O mesmo se passa relativamente à descrição de um facto muito pouco conhecido na altura: a Instauração do Tribunal do Santo Ofício em Aragão e o assassínio de todos os clérigos dessa instituição, sendo o seu responsável máximo instituído como mártir, ficando com este rótulo para a posteridade.
Sarabia chama particular atenção para a forma como se processavam as denúncias, sempre anónimas, feitas ao Santo Ofício, e que muito pouco tinham a ver com o sentido de justiça do denunciante, mas antes com motivações de ordem económica de quem queria obter bens alheios susceptíveis de despertar cobiça “ou de apressar a partida de uma parente rico que tarda em morrer”.
O Autor sugere que foi o mesmo móbil que moveu os Reis Católicos a instituir semelhante organismo.
O final é inesperado, fugindo aos padrões de comportamento habituais que estamos habituados a ver numa personagem que capta a simpatia do leitor, logo de início…
A nostalgia e a esperança povoam as últimas páginas. A Amizade sobrevive como valor absoluto que transcende a noção de raça, cultura ou civilização.
Um livro de grande qualidade e realismo, recheado da mais fina ironia com uma pitada de candura e muito idealismo.
A revolta face à indiferença da prepotência, da inveja, da injustiça.
O grito da águia face à astúcia e cobardia dos lobos humanos.
Chocante e belo.
Contundente como o impacto de um míssil.
Cláudia de Sousa Dias
Estamos em Sevilha, em pleno século XV, num cenário que exibe as cores de um tecido social que chega até nós pelos olhos de um índio vindo das Caraíbas. O seu nome é Cristobalillo, nome que lhe foi atribuído em honra de Cristóvão Colombo.
Cristobalillo é um índio que observa a cultura do Velho Mundo, com os olhos de um forasteiro. Um observador participante que, quer pelo conhecimento da língua quer por intenção do próprio Autor, abstrai-se de emitir qualquer tipo de juízo de valor.
O tema do romance tem essencialmente a ver com os primeiros resultados das descobertas, financiadas pelos Reis Católicos, que não corresponderam completamente às expectativas: as caravelas “Pinta”, Niña” e “Santa Maria”, comandadas pela Almirante Colombo não chegaram, afinal, ao Catai, à Índia e muito menos ao Cipango. A rota da seda e das especiarias está obstruída por um obstáculo de vulto: um enorme continente ao qual atribuirão mais tarde o nome de América em honra de Américo Vespucci, parceiro financeiro de Colombo.
Face a esta conjuntura, o Almirante cai em desgraça, alvo da difamação e inveja daqueles que cobiçam a sua posição, quer na administração das colónias, quer relativamente ao seu grau de influência na corte de Isabel de Castela e Fernando de Aragão.
N’ A Taberna da Índia são descritos e explicados os mitos que marcam a cultura da época formando uma galeria de seres fantásticos que povoam o imaginário das gentes que começam a transitar da Época Medieval para o Renascimento: sereias, ciclopes, quimeras e muitos outros…
O leque de personagens é bastante variado, incluindo figuras históricas (algumas delas heróicas como Cristóvão Colombo ou Americo Vespucci). Mas aqueles que despertam mais interesse são as personagens que encarnam as pessoas mais comuns, aqueles cujo nome não fica para a posteridade:
- Alonso, tipógrafo culto e inteligente, idealista, busca o best-seller que projectará a sua tipografia no mercado, eliminando o monopólio formado pelos herdeiros de Gutemberg. O Diário do Almirante, quem sabe…
Alonso é muito semelhante à personagem D.Quixote de Cervantes. A sua sensibilidade é orientada para a defesa dos mais fracos, dos que não possuem o poder do dinheiro para os livrar de apuros.
- Diego, irmão de Alonso, é uma personagem que tem muito em comum com Sancho Pança: glutão, boçal, venal e rude, é proprietário da Taberna da Índia e de Catalina, a escrava oriunda das Caraíbas e de uma tribo canibal que inspirou o nome do referido estabelecimento.
- Bartolomé, o melhor amigo de Alonso, um fidalgo de Sevilha, proprietário de Cristobalillo – o jovem índio através de cujo olhar podemos avaliar as limitações e contradições da nossa própria cultura.
Cristobalillo, apesar da sua condição de escravo, desenvolve uma grande amizade por Alonso. Este ensina-lhe a língua castelhana, mostra-lhe a cultura do seu País e tenta transmitir-lhe o seu amor aos livros.
- Por último Catalina, uma heroína trágica, escrava de Diego. Trabalha na Taberna da Índia, executa funções domésticas e de teor sexual, quer para os clientes quer para o próprio patrão. O seu comportamento e dados biográficos constituem vários indícios ou pistas que irão desencadear o seu destino final, sugerindo uma vontade independente manifesta em hábitos culturais próprios de uma civilização que entram em linha de choque com a cultura Europeia.
O tema central do livro, que transparece no pensamento, discurso e acções de todas as personagens principais, é a liberdade individual. Sempre em conflito com os interesses económicos do Poder tendo apenas Força e a Beleza no outro prato da balança.
Sarabia é, neste aspecto, tão contundente quanto Saramago utilizando, para o efeito, quer o recurso frequente à ironia e ao sarcasmo – contidos no discurso de Alonso, quer nos paradoxos apresentados pelo discretíssimo Cristobalillo. Sobretudo aquando da visita deste ao bairro das tributárias (leia-se: prostitutas), propriedade da Igreja.
O mesmo se passa relativamente à descrição de um facto muito pouco conhecido na altura: a Instauração do Tribunal do Santo Ofício em Aragão e o assassínio de todos os clérigos dessa instituição, sendo o seu responsável máximo instituído como mártir, ficando com este rótulo para a posteridade.
Sarabia chama particular atenção para a forma como se processavam as denúncias, sempre anónimas, feitas ao Santo Ofício, e que muito pouco tinham a ver com o sentido de justiça do denunciante, mas antes com motivações de ordem económica de quem queria obter bens alheios susceptíveis de despertar cobiça “ou de apressar a partida de uma parente rico que tarda em morrer”.
O Autor sugere que foi o mesmo móbil que moveu os Reis Católicos a instituir semelhante organismo.
O final é inesperado, fugindo aos padrões de comportamento habituais que estamos habituados a ver numa personagem que capta a simpatia do leitor, logo de início…
A nostalgia e a esperança povoam as últimas páginas. A Amizade sobrevive como valor absoluto que transcende a noção de raça, cultura ou civilização.
Um livro de grande qualidade e realismo, recheado da mais fina ironia com uma pitada de candura e muito idealismo.
A revolta face à indiferença da prepotência, da inveja, da injustiça.
O grito da águia face à astúcia e cobardia dos lobos humanos.
Chocante e belo.
Contundente como o impacto de um míssil.
Cláudia de Sousa Dias
4 Comments:
acabei de ler este livro...adorei...excelente crítica, parabens
Obrigada!
è sempre um prazer renovado receber um comentário num texto do qual ainda nãõ se obteve feed-back do público!
Também gosto muito deste autor.
Espero que volte a estar presente nas Correntes d'escritas, o encontro internacional de escritores a decorrer em Fevereiro na Póvoa de varzim...
Um abraço
Cláudia, Li este livro há mais de dez anos e adorei. Mas, perdi o meu exemplar e com o tempo acabei esquecendo o nome do autor e a editora; apenas pelo título, nunca mais consegui encontrá-lo.
Graças, portanto, à maravilha tecnológica da internet e ao seu blog, finalmente poderei procurar um exemplar desta obra fantástica.
Obrigada pelas informações e pela análise clara e completa deste livro de A. Sarabia.
Parabéns também pelo blog !!
Até breve,
Marilia Sartori
PS - Você já leu "Maluco - Romance dos Descobridores" de Napoleón Baccino Ponce de León? Modestamente, eu recomendo !
Obrigada Marília...vou procurar.
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