“Os Amores de Safo” de Erica Jong (Bertrand)
A vida romanceada da maior poetisa, música e cantora da Antiguidade, a quem Platão apelidou de “A décima Musa”. Uma vida inteira dedicada ao Amor, à Arte, à Filosofia e, sobretudo, à defesa da autonomia das mulheres na condução das rédeas do próprio Destino.
A história de Safo de que aqui falamos – ficção construída por Erica Jong, a partir de escassíssimos dados biográficos –, começa com a subida ao lendário penhasco de onde se afirma que saltou para a Morte.
O título original é, precisamente Sappho’s Leap, isto é, O Salto de Safo, que a editora, por razões comerciais decidiu alterar para Os Amores de Safo. Mas o facto é que o romance foi, todo ele, construído a partir do momento em que a cantora pára, junto à falésia, para evocar as suas memórias. O que aconteceu depois do lendário salto permanece, até hoje, um mistério.
Porém, antes do salto, que a levará ao reino de Perséfone e Hades, a poetisa e cantora evoca os episódios mais marcantes da sua vida. As memórias afluem, em retrospectiva, perante a aproximação da Barca de Caronte.
Cansada de viver, Safo recorda a perda ou o afastamento dos entes queridos: a mãe, a filha, a escrava favorita e amante, o poeta Alceu, o primeiro e grande amor de toda uma vida…Os reveses da fortuna que a impeliram para o exílio, juntamente com Alceu, estão directamente relacionados com os condicionalismos políticos que obrigaram os dois amantes a separarem-se.
Os dois poetas, de cuja obra, só nos chegam alguns fragmentos (na época em que ambos viveram ainda não se tinha generalizado o hábito de passar à forma escrita as obras literárias e muito menos as peças musicais facto que se conjuga com as sucessivas destruições que foram sofrendo as principais bibliotecas da Antiguidade), foram perseguidos e expulsos da sua terra Natal, a ilha de Lesbos, devido à sua frontal oposição aos actos de tirania e prepotência do governo local da Ilha, o rei Pittakos.
O mesmo se passando posteriormente com o Faraó Necau e, segundo a lenda, com a rainha das Amazonas. Em ambas as situações, a poetisa viu-se, contrariamente à sua vontade, na necessidade de colocar a sua arte ao serviço do Poder, situação da qual tentou libertar-se a todo o custo.
A sua rebeldia encontra-se estritamente ligada à sua devoção a Afrodite, a deusa da Beleza e do Amor. Safo gostava de reger a sua vida pelo princípio do prazer e não pelo princípio da realidade, atitude manifesta no total desprezo pelo desejo de Poder, Riqueza ou Ambição.
O conflito inerente à oposição destes dois princípios pode corresponder, respectivamente, à oposição do princípio feminino - personificado por Afrodite - ao princípio masculino, personificado por Zeus, rei dos deuses, símbolo do Poder. Esta oposição encontra-se metaforicamente representada pelo diálogo entre Zeus e Afrodite. Os dois imortais observam, do Olimpo, o desenrolar do destino de Safo como se assistissem a uma peça de teatro e elaboram hipóteses acerca do seu desempenho e comportamento futuros.
O elemento mítico está presente na obra, não só na expressão do diálogo entre os dois deuses mas, também, no episódio relativo às Amazonas, no qual não se consegue distinguir se se trata de um sonho da cantora ou da realidade. O mesmo se passa aquando do regresso desta a Lesbos, durante o qual Safo, à semelhança de Ulisses, desce até aos Infernos onde encontra alguns familiares que já partiram para o Reino das Sombras.
Trata-se, provavelmente, de um período no qual a poetisa sofreu uma grave crise de depressão. O seu carácter hipersensível e a sua extrema necessidade de afecto e apreciação tornam-na vulnerável a este género de patologia.
Safo é como que um cavalo que transporta o estandarte da Deusa a quem dedica grande parte das suas canções, uma divindade a quem até os outros deuses obedecem. Apesar disso, Zeus duvida que a poetisa alcance o triunfo da imortalidade. Ambos os imortais fazem entre si apostas acerca do seu desempenho e consecução dos seus próprios objectivos, para iludir o tédio de uma existência eterna.
Entretanto, a fama da cantora ameaça espalhar-se para além das fronteiras do mundo grego. Incógnita, regressa a Lesbos a tempo de recuperar as suas raízes familiares. Pittakos torna-se indulgente face à fama generalizada da poetisa. Esta abre uma escola destinada a jovens oriundas da aristocracia grega.
Mas a arte, a cultura e principalmente a autonomia da sexualidade feminina, tornam-se uma série ameaça à autoridade patriarcal. As jovens querem, elas próprias escolher os seus parceiros ou parceiras sexuais. O suicídio de uma adolescente, perpetrado para fugir a um casamento indesejável, é motivo de escândalo, largamente ampliado pela maledicência relativa ao relacionamento ambíguo entre Safo e as suas alunas – isto numa sociedade assumidamente bissexual – o que provoca, mais uma vez, conflitos com a autoridade local.
Para cúmulo, surge uma “raposa” dentro do “galinheiro”. O mais recente namorado de Safo, o jovem e belíssimo barqueiro Fáon, engravida várias das suas alunas.
O cansaço supremo instala-se. O impulso para a Morte manifesta-se cada vez mais intensamente.
O lendário penhasco da Leucades apresenta-se como a solução mais fácil para fazer face às feridas do Amor: aqueles que sobrevivem ao salto curam-se, para os que não sobrevivem a morte resolve o problema…
A surpresa final: o salto de Safo como o último passo para a bem-aventurança.
O triunfo de Afrodite é total.
Ela é, afinal, a Deusa Suprema…
Cláudia de Sousa Dias
A história de Safo de que aqui falamos – ficção construída por Erica Jong, a partir de escassíssimos dados biográficos –, começa com a subida ao lendário penhasco de onde se afirma que saltou para a Morte.
O título original é, precisamente Sappho’s Leap, isto é, O Salto de Safo, que a editora, por razões comerciais decidiu alterar para Os Amores de Safo. Mas o facto é que o romance foi, todo ele, construído a partir do momento em que a cantora pára, junto à falésia, para evocar as suas memórias. O que aconteceu depois do lendário salto permanece, até hoje, um mistério.
Porém, antes do salto, que a levará ao reino de Perséfone e Hades, a poetisa e cantora evoca os episódios mais marcantes da sua vida. As memórias afluem, em retrospectiva, perante a aproximação da Barca de Caronte.
Cansada de viver, Safo recorda a perda ou o afastamento dos entes queridos: a mãe, a filha, a escrava favorita e amante, o poeta Alceu, o primeiro e grande amor de toda uma vida…Os reveses da fortuna que a impeliram para o exílio, juntamente com Alceu, estão directamente relacionados com os condicionalismos políticos que obrigaram os dois amantes a separarem-se.
Os dois poetas, de cuja obra, só nos chegam alguns fragmentos (na época em que ambos viveram ainda não se tinha generalizado o hábito de passar à forma escrita as obras literárias e muito menos as peças musicais facto que se conjuga com as sucessivas destruições que foram sofrendo as principais bibliotecas da Antiguidade), foram perseguidos e expulsos da sua terra Natal, a ilha de Lesbos, devido à sua frontal oposição aos actos de tirania e prepotência do governo local da Ilha, o rei Pittakos.
O mesmo se passando posteriormente com o Faraó Necau e, segundo a lenda, com a rainha das Amazonas. Em ambas as situações, a poetisa viu-se, contrariamente à sua vontade, na necessidade de colocar a sua arte ao serviço do Poder, situação da qual tentou libertar-se a todo o custo.
A sua rebeldia encontra-se estritamente ligada à sua devoção a Afrodite, a deusa da Beleza e do Amor. Safo gostava de reger a sua vida pelo princípio do prazer e não pelo princípio da realidade, atitude manifesta no total desprezo pelo desejo de Poder, Riqueza ou Ambição.
O conflito inerente à oposição destes dois princípios pode corresponder, respectivamente, à oposição do princípio feminino - personificado por Afrodite - ao princípio masculino, personificado por Zeus, rei dos deuses, símbolo do Poder. Esta oposição encontra-se metaforicamente representada pelo diálogo entre Zeus e Afrodite. Os dois imortais observam, do Olimpo, o desenrolar do destino de Safo como se assistissem a uma peça de teatro e elaboram hipóteses acerca do seu desempenho e comportamento futuros.
O elemento mítico está presente na obra, não só na expressão do diálogo entre os dois deuses mas, também, no episódio relativo às Amazonas, no qual não se consegue distinguir se se trata de um sonho da cantora ou da realidade. O mesmo se passa aquando do regresso desta a Lesbos, durante o qual Safo, à semelhança de Ulisses, desce até aos Infernos onde encontra alguns familiares que já partiram para o Reino das Sombras.
Trata-se, provavelmente, de um período no qual a poetisa sofreu uma grave crise de depressão. O seu carácter hipersensível e a sua extrema necessidade de afecto e apreciação tornam-na vulnerável a este género de patologia.
Safo é como que um cavalo que transporta o estandarte da Deusa a quem dedica grande parte das suas canções, uma divindade a quem até os outros deuses obedecem. Apesar disso, Zeus duvida que a poetisa alcance o triunfo da imortalidade. Ambos os imortais fazem entre si apostas acerca do seu desempenho e consecução dos seus próprios objectivos, para iludir o tédio de uma existência eterna.
Entretanto, a fama da cantora ameaça espalhar-se para além das fronteiras do mundo grego. Incógnita, regressa a Lesbos a tempo de recuperar as suas raízes familiares. Pittakos torna-se indulgente face à fama generalizada da poetisa. Esta abre uma escola destinada a jovens oriundas da aristocracia grega.
Mas a arte, a cultura e principalmente a autonomia da sexualidade feminina, tornam-se uma série ameaça à autoridade patriarcal. As jovens querem, elas próprias escolher os seus parceiros ou parceiras sexuais. O suicídio de uma adolescente, perpetrado para fugir a um casamento indesejável, é motivo de escândalo, largamente ampliado pela maledicência relativa ao relacionamento ambíguo entre Safo e as suas alunas – isto numa sociedade assumidamente bissexual – o que provoca, mais uma vez, conflitos com a autoridade local.
Para cúmulo, surge uma “raposa” dentro do “galinheiro”. O mais recente namorado de Safo, o jovem e belíssimo barqueiro Fáon, engravida várias das suas alunas.
O cansaço supremo instala-se. O impulso para a Morte manifesta-se cada vez mais intensamente.
O lendário penhasco da Leucades apresenta-se como a solução mais fácil para fazer face às feridas do Amor: aqueles que sobrevivem ao salto curam-se, para os que não sobrevivem a morte resolve o problema…
A surpresa final: o salto de Safo como o último passo para a bem-aventurança.
O triunfo de Afrodite é total.
Ela é, afinal, a Deusa Suprema…
Cláudia de Sousa Dias
2 Comments:
obrigada Mariah!
Creio que vou dar uma espreitadinha noteu blog também...:)
Csd
Delícia de Blog! Estou amando as dicas! Parabéns e obrigada!Voltarei sempre!
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