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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Wednesday, November 16, 2005

“A Relíquia” de Eça de Queirós (Planeta DeAgostini)


A personagem principal, Teodorico Raposo, é um órfão criado por uma tia beata e rica, obcecada pela conquista da graça divina.
O pequeno Raposo, em criança, carente e sexualmente reprimido, cresce, alimentando, secretamente um ódio visceral à religião e à “querida” Titi, ao mesmo tempo que simula uma afeição sincera pela tia e uma devoção genuína pelos ideais desta.

A hipocrisia é a faceta predominante na componente comportamental das atitudes da personagem. Enquanto isso, a componente emocional da mesma atitude é revestida de um cinismo atroz, de uma crueza de sentimentos jamais vista.

Toda as acções de Teodorico são comandadas a partir do impulso sexual que se traduz numa obsessão omnipresente, desenvolvida a partir de uma infância totalmente deserta de qualquer tipo de afecto feminino.

Teodorico é, na fase infantil, uma criança muito sexuada, se considerarmos a voluptuosa sofreguidão com que com que avalia os mais dotados espécimes do género feminino como, por exemplo, “a inglesa do Senhor Barão”.

Na fase adulta, a sua relação com as mulheres obedece à mesma estrutura. Todas as suas aventuras amorosas são apenas passageiros delírios passionais, à semelhança do idílio de Ega e Raquel Cohen em Os Maias. Desde a horizontalíssima e venal Adélia, em Lisboa, às prostitutas do bordel em terras orientais, passando pela aparentemente angelical luveira inglesa de Alexandria. Tanto o bordel como o paquete no qual Raposo viaja para a Terra Santa, são palco de alguns ultra-cómicos episódios que salientam o carácter burlesco da personagem em tudo o que se relaciona com “saias” – o fruto proibido pela tia, poderosa, cuja degustação poderá impedi-lo de aceder ao paraíso financeiro que a austera senhora lhe legará após a sua morte.

A psico-castração forçada a que Raposo é submetido leva ao desenvolvimento de uma certa ambiguidade sexual que se traduz na sua relação com Crispim. Este exprime a sua afeição pelo colega um pouco fora dos cânones considerados “normais” entre dois indivíduos do mesmo sexo. Ambiguidade que está patente na admiração demonstrada por Raposo ao manifestar a sua admiração pela beleza feminil de um deslumbrante efebo árabe, fazendo lembrar T.E. Lawrence e a sua paixão em terras muçulmanas.

A peregrinação de Raposo à Terra Santa tem como objectivo a busca de uma relíquia sagrada que lhe permita conquistar definitivamente a afeição da sua tia e a certeza de ser o único contemplado na tão cobiçada herança.

A relíquia transforma-se, assim, no pretexto para uma aventura sem precedentes, em terras distantes sem o jugo opressivo da encarnação da Virtude que é a sua mãe substituta.

É nesta viagem que Eça tem, mais uma vez, oportunidade de, através do sapiente e eruditíssimo companheiro de viagem de Raposo –, o alemão Topsius, professor universitário, uma espécie de Indiana Jones –, que o Autor exibe a sua mais do que vasta cultura, no que respeita às civilizações antigas e ao conhecimento das descobertas arqueológicas e étnicas pelos mais eminentes académicos europeus seus contemporâneos (ou quase) como Champollion e Chateaubriand.

É ainda, através de Topsius, que Eça se propõe a criticar o pedantismo dos ideólogos alemães e da pretensa superioridade intelectual e militar germânica, antevendo o que se passaria daí a algumas décadas, no início do sec.XX, inclusive o massacre massivo da população judaica na Europa.

Outro episódio interessante é o do sonho de Raposo, uma regressão de dezoito séculos que lhe dá a possibilidade de assistir ao julgamento de Cristo, descortinando, simultaneamente, a “verdade” acerca da Ressurreição e do nascimento da religião cristã.

Um conto dentro do romance que vem retirar a originalidade a alguns autores contemporâneos como Dan Brown em O Código DaVinci e Catherine Clément em Jesus na Fogueira.

É ler para crer…

De facto tudo parece ter sido originado a partir de um mal-entendido e de um plano que o casal romano – Pilatos e Cláudia – que correu mal à última hora…

Da mesma forma a Fatalidade apodera-se do destino de Raposo. Um descuido faz inverter a Roda da Fortuna para o nosso (anti) herói.

E é sempre verdade que “mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo…

O estilo predominante em A Relíquia está impregnado de sarcasmo, enquanto que a estrutura narrativa em relação à sucessão dos factos, exibe a profunda ironia face ao prazer sádico dos deuses, ou qualquer força superior que se assemelhe a uma divindade, em brincar com os desejos humanos – da mesma forma que o felino se diverte com a presa antes de a aniquilar, devorando-a.

O último capítulo está particularmente recheado de situações deste género. E, quando o autor, já nas últimas páginas, parece atribuir um final moralizante à história, de inspiração assaz hegeliana – exaltando o primar da consciência e a noção de que a hipocrisia não compensa –, não resiste a terminar com uma tirada de um cinismo contundente, ao professar a crença de que só não triunfa quem não sabe mentir de forma convincente, mesmo quando desmascarado…

Mais uma obra acutilante feita para abalar consciências e espetar a farpa bem no meio da ferida.

Para bom entendedor…


Cláudia de Sousa Dias

10 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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11:44 AM  
Blogger Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

Cláudia, agora (re)lançaste-te ao Eça! Conheces Emigração, Força Civilizadora (um relatório que ele fez como embaixador sobre os primeiros fluxos "modernos" de emigração no mundo). É espantoso!


Depois: tens lá no Divas um convite para vires a Aveiro no próximo sábado - e a Maria heli sugeriu que viesses com ela.

E depois: estamos a votos no Escritor Famoso, e tens que votar nos textos-poemas que mais gostaste, para o concurso "interno" em que os pp concorrentes votam

10:03 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Combinado!Vou já ao Divas e mais logo já falo à Maria Heli!

Quanto ao Eça eu estou agora a comentar a obra dele, apesar de a intercalar com outros autores tb.

Mas para já os próximos que vou analisar serão "O primo Basílio" e O conde de Abranhos"

Mas vou de certeza chegar á obra de que falaste!
É, provavelmente nas "Cartas de Paris" ou então na altura em que ele esteve em Londres...

Beijinho!

Cláudia

11:28 AM  
Blogger jp(JoanaPestana) said...

Para bom entendedor...meio cinismo basta.
Andas bem ameixaClaudia?
beijinhos

1:59 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Sim, JP!

Acho que, provavelmente, vamos conhecer-nos em breve...!

CSd

1:45 PM  
Blogger Fallen_Angel said...

olá
so passei para te desejar um bom fim de semana :O)
bjinho

7:27 PM  
Blogger Elipse said...

Gosto muito de crítica literária.
E gostava de ter acesso ao teu email para conversas mais alongadas que não cabem nestes "espaços" de trocas rápidas de opiniões.
Achei-te muito interessante mas o tempo foi escasso para mais desenvolvimentos. (se quiseres manda para o meu, que está disponível lá)
Abraço

10:45 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Angel obrigada pela tua visita, mais uma vez!
Palavras, tb adorei conhecer-te!

É claro que te dou o meu e-mail! Até já Beijinhos!

CSD

6:09 PM  
Blogger NLivros said...

Excelente recensão.

Vais muito mais longe do que eu na análise do livro, sobretudo porque te conseguiste aperceber de alguns pormenores que eu desconhecia.

Mas este livro é um daqueles que quero reler. Um dos poucos do mestre que só li uma vez.

Bjs
Nuno

8:47 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada mais uma vez, Nuno!

és muito generoso nos comentários que fazes...


Abraço


CSD

3:33 PM  

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