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Wednesday, July 24, 2013

“O Retorno” de Dulce Maria Cardoso (Tinta-da-china)



Romance premiado pelo Ministério da Cultura Francês, em 2012, que valeu à Autora o Título de Cavaleira da Ordem das Ates e das Letras, em virtude do impacto da obra de Dulce Maria Cardoso em França e, particularmente , junto das Comunidades Portuguesas naquele País. Este Prémio concedido pelo MCF constitui uma das mais elevadas distinções honoríficas atribuídas em França com vista a homenagear figuras que se destacam pela contribuição para a difusão da sua cultura em terras gaulesas.

As suas obras anteriores Campo de Sangue, Os meus sentimentos e Até nós tiveram em Portugal uma boa recepção por parte da crítica, sendo posteriormente traduzidas para o francês e outras línguas. A autora escreve também argumentos para cinema.

O Retorno
” obtivera o Prémio Especial da crítica, o Prémio da revista Ler e o Prémio Blogtailors 2011.

A Autora havia já sido brindada com o Grande Prémio Acontece pelo romance Campo de Sangue.

Dulce Maria Cardoso é originária de Trás-os-Montes, mas passou a infância em Angola, tal como os dois jovens protagonistas de O Retorno. De regresso a Portugal, licenciou-se em Direito vivendo, actualmente, em Lisboa.

O Retorno” é um romance que aborda o tema delicado e polémico que foi para Portugal a descolonização, o fim do Império Ultramarino e o conturbado regresso dos Portugueses que habitavam as colónias, após a Revolução de Abril de 1974.

A trama do romance é desenvolvida pela voz de Rui, narrador auto-diegético, cuja missão é a de relatar o regresso da família de Angola, no período “quente” em que ameaça explodir a Guerra Civil mediante a cisão política que grassa em Angola, após o fim imediato da Guerra do Ultramar. No discurso de Rui está patente sobretudo uma perigosa dose de inconformismo, que ameaça transformá-lo um ser inadaptado, ao chegar à capital portuguesa, mas que acaba por se sublimar num implacável instinto de sobrevivência. Este inconformismo provém-lhe sobretudo do facto de milhares de portugueses residentes em Angola serem condenados ao exílio, para não morrerem às mãos dos locais, destacando o sentimento de impotência do narrador face à fragilidade física e psíquica da mãe, agravada ainda mais pela sensação de desenraizamento e perda de todos os bens.

Outro problema vivido na época por quem regressava das ex-colónias e equacionado pela Autora é o violento choque cultural face à forma de viver na metrópole e que se encontra patente no discurso de Rui ao qual está muitas vezes implícito um certo desprezo pela forma de viver, de ser e estar dos portugueses da metrópole – habituados a meio século de austeridade, repressão e pobreza, preconizadas pela ditadura do Estado Novo, forma de viver que contrastava fortemente com o estilo de vida dos portugueses das colónias,pautado por padrões de comportamento que implicavam uma maior liberalização de costumes, que se reflectia até no vestuário, sobretudo das mulheres.

O romance inicia com a exaltação do contraste resultante entre o diferencial de expectativas e realidade com que se deparavam à chegada. O imaginário do Portugal bucólico de Rui, polvilhado de belas jovens dríades com cerejas no lugar de brincos dos postais ilustrados, dá lugar a um Portugal de gente cinzenta de ar anódino e triste que opta quase sempre pela ausência de cor no vestuário.
A dor de deixar uma vida e uma casa para trás como os refugiados de Gomorra está alegoricamente representada no pungente abandono de Pirata, a cadela que era como um membro da família, dada a impossibilidade de transportá-la no avião sobrelotado. A isto junta-se a incerteza quanto ao paradeiro do pai com forte suspeita de este já não constar no mundo dos vivos.

O Retorno tem o mérito de explorar as consequências psicológicas da Guerra do Ultramar na mente dos jovens de então, dominados pelo cenário de incerteza e precariedade que caracterizavam a situação de anomia social, vivida durante os anos conturbados da descolonização logo após o 25 de Abril.

Mal chegam a Portugal, Rui e a família e milhares de refugiados vêem-se obrigados a habitar por tempo indeterminado
um hotel de cinco estrelas no Estoril, disponibilizado pelo Governo para receber os “retornados”.

Mas a desagregação mental da mãe de Rui – resultante do agravamento de um quadro clínico de esquizofrenia que não foi adequadamente diagnosticado ou, na melhor das hipóteses, de uma perturbação delirante, que se traduz em surtos psicóticos ocasionais e chega a ser confundido pelos familiares, o marido inclusive, com possessão demoníaca – agrava-se mediante o quadro de instabilidade social e do clima de medo em relação ao futuro que se vive no país. Já não se trata da ameaça das bombas, ou da tortura vividas em Angola. É antes a lembrança da prisão e desaparecimento do pai e a sensação de desenraizamento juntamente com a falta total de apoio dos parentes que residem em Portugal.

As condições de vida no hotel rapidamente se degradam devido à sobrelotação. Os hóspedes “especiais” sentem-se a viver numa colmeia ou num formigueiro. Surgem os conflitos com a direcção do hotel, que emite normas cada vez mais apertadas. As chamadas de atenção tornam-se constantes.

Aumenta o sentimento de raiva, revolta e desprezo social por parte de Rui, fruto de um sentimento íntimo de espoliação, sem conseguir interiorizar os motivos que conduziram à situação que está a viver.

O romance peca apenas pela unilateralidade de ponto de vista, já que vemos a situação apenas pelos olhos de Rui. A trama sairia talvez enriquecida em termos de profundidade se houvesse outras personagens cujo ponto de vista pudesse ser cruzado com o de Rui, por exemplo, o olhar da mãe de Rui, antes, durante e depois dos anos vividos em Angola, ou mesmo o ponto de vista da irmã. Nota-se, talvez a falta de um olhar ou uma voz feminina no tocante à descolonização sobretudo por parte da irmã, a boa aluna que rapidamente se integra no ambiente urbano da capital portuguesa.

Assistimos no entanto a um desdobramento enunciativo no romance onde a voz do eu narrador que se propõe narrar a estória está a fazê-lo num tempo posterior aos acontecimentos, diferindo da mentalidade mais imatura do eu empírico, isto é do Rui adolescente. O enunciador que corresponde à voz do narrador é alguém que amadureceu e olha o passado com distância e despreendimento depois de assistir à reconstituição da família e de conseguir resgatar.

A exposição do ponto de vista e da génese do sentimentos algo anti-social do jovem adolescente é feita de forma a explicar alguns comportamentos hostis por parte de alguns emigrantes das antigas colónias, um tipo de comportamento cuidadosamente explorado no romance pela Autora. Eu diria mesmo que assunto é tratado com pinças. O Rui de quinze anos de idade opta por exibir uma atitude bastante hostil em relação ao meio social lisboeta. A mãe refugia-se num mundo só dela pelo que, a explicação dada por Rui acerca do estado interno da própria mãe é conseguida na quase totalidade por conjecturas.
A mãe de Rui só sai do estado letárgico a partir do momento em que a estabilidade regressa e o país assiste à lenta retoma económica nos anos que se seguem, já no dealbar dos anos oitenta...

No epílogo, a voz do narrador transmite uma certa nota de esperança embora sempre com a perspectiva de que nada é garantido.

Dulce Maria Cardoso traça neste romance o retrato de um tempo situado na história recente de Portugal, onde se encontra presenta a doxal, sobretudo no tocante às alcunhas de algumas figuras políticas da época, mas com o mérito de não ceder a tentações ideológicas de nenhum quadrante político.


11.09.2012-09-06-2013
Cláudia de Sousa Dias


8 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Uma crítica fenomenal, como sempre :)

9:29 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Puxa, que até corei...!


:-)

Obrigada, querida folhasdepapel!

bj

9:45 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Folhas, eu adorei o seu blogue mas nãp vi lá espaço para deixar comentário...

9:50 AM  
Blogger M. said...

É um tema que abrange a vida de tanto Portugal, mas do qual ainda custa muito falar e escrever.
Belíssima resenha, como nos habituaste!
Beijinhos

8:31 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Beijinhos, M.

;-)

8:41 PM  
Blogger Arthur Porto said...

O livro de Dulce Maria Cardoso foi agora traduzido em francês e apreciei-o bastante, fazendo um "billet" para o meu blog. Nesta ocasiao tive oportunidade de ler a sua critica, que me pareceu justa e pertinente. integro aqui o "lien" para o meu comentario : http://blogs.mediapart.fr/blog/arthur-porto/200214/les-pieds-noirs-la-portugaise.
Cordialement,
artur de oliveira

5:43 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Artur e sobretudo pela partilha do "lien".


;-)

1:54 PM  
Blogger Unknown said...

This comment has been removed by the author.

12:06 PM  

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