“O Primo Basílio” de Eça de Queirós (Planeta DeAgostini)
Os apreciadores de Eça de Queirós têm, com este romance, a oportunidade de apreciar o Autor na sua faceta dedicada à tragédia. Apesar de entremeada com laivos de ironia visando, como habitualmente, a elite lisboeta, o autor foca, desta vez, sobretudo, os vícios das classes mais pobres, representadas pelas criadas Joana e Juliana e pelos vizinhos de Luísa, a protagonista.
A figura central de O Primo Basílio é uma jovem, dotada de uma silhueta e rosto susceptíveis de cativar os olhares, casada com Jorge, engenheiro de minas. Jorge é um marido paternalista e possessivo a ponto de controlar as amizades da esposa, chegando a pedir aos amigos que a vigiem.
Apesar destes cuidados, a jovem não resiste ao apelo de sedução do seu ex-namorado, o primo Basílio. Boémio, fez fortuna através da especulação. Sibarita, vive para o luxo e para o prazer. Sofisticadíssimo, enfatuado e pedante, critica a toilette de Luísa até ao mais ínfimo detalhe, inspeccionando-lhe as mais pequenas falhas tendo como modelo as beldades parisienses da moda. Basílio, no entanto, apesar de achar a prima um belo animal de prazer, não a julga digna de a exibir aos seus amigos aristocratas.
Luísa não é suficientemente chique. Não tem espírito.
Luísa é, no fundo, uma Madame Bovary, entediada com a sua existência burguesa e aspirando a uma vida mais interessante, recheada de luxo e aventura. A temática de O Primo Basílio obedece à do romance de Flaubert. A diferença é que, passada a febre passional por Basílio, Luísa apercebe-se que, de facto, ama Jorge e tenta fazer tudo para salvar a relação da ruína.
A ameaça ao casamento e à estabilidade psíquica de Luísa surge pela mão da criada, Juliana, cuja presença física, semelhante à de um abutre, coincide com a baixeza do seu carácter. Vestida quase sempre de negro ou cores escuras, de aspecto descarnado e cara amarelada pela bílis, cabelo negro com postiços, Juliana é um autêntico pássaro necrófago cuja rapacidade e malignidade não tem limites: exige uma soma avultadíssima em troca das provas que comprometem Luísa, sangra a patroa extorquindo-lhe roupa, comida, móveis, um quarto melhor do que os aposentos das outras criadas. Rouba-lhe inclusivamente o tempo de lazer, aquilo que mais lhe invejava, obrigando-a a fazer o trabalho que lhe competia…
Juliana é uma mulher que está convencida que tudo lhe é devido. Dominada pela inveja e pela cobiça, deseja usufruir dos luxos da patroa sem olhar a meios para atingir os seus fins.
Apesar do carácter execrável de Juliana, não podemos deixar de reparar nas difíceis condições de vida e de trabalho a que eram sujeitas as empregadas internas na altura.
Além do salário reduzido, Juliana dorme num quarto sem aquecimento, com o colchão infestado de percevejos e a comida – dela e de Joana – não é a mesma da dos patrões. Para além disto, a forma de tratamento de Luísa para com Juliana não ajuda em nada a minimizar o carácter bilioso da empregada.
Joana, pelo contrário, não está tanto em contacto com Luísa, não “atura” os seus momentos de mau humor. Daí ser mais benevolente, mais predisposta a formar melhor opinião da patroa. Além disso, Joana, ocupada em usufruir o seu romance com Pedro quando os patrões saem, não está minimamente preocupada em bisbilhotar a vida da gente da casa. Como Joana é feliz e, por isso, não a incomoda a felicidade alheia. Esta é uma das principais ideias que o Autor pretende passar: a de que a inveja, o sentimento de mal-estar causado por um sorriso alheio, têm origem em algo que é fundamental para o equilíbrio psíquico – a afectividade. Ou melhor, dafalta dela.
Já o fidalgo Basílio é um coleccionador de saias como o Raposo de A Relíquia, mas com requinte, como não podia deixar de ser. O primo de Luísa também esteve no Oriente, andou de camelo e trouxe uma recordação da Terra Santa, embora sem as desventuras que precipitaram Teodorico Raposo para a ruína.
Julião, médico e amigo de Jorge, e Basílio são dois estereótipos diametralmente opostos. À vaidade e à elegância extravagante e exagerada de Basílio, opõe-se a superioridade intelectual e o conhecimento científico de Julião, que se aliam a um desleixo ostensivo com a aparência. Os dois conhecem-se em casa de Luísa, durante a estadia de Jorge no Alentejo, e detestam-se à primeira vista. Basílio despreza a falta de cuidado com a aparência de Julião. Sentindo-se descodificado, trata imediatamente de colocá-lo pouco à vontade e de indispor Luísa contra ele. Esta, de temperamento, altamente influenciável e deslumbrada pelo fausto do primo, a quem olha como o deus supremo do chique, começa a encarar para Julião com algum desprezo, vexada pela sua falta de requinte.
A Julião, por seu lado, irrita-o o ar de superioridade de Basílio e a sua excessiva vaidade, particularmente a forma como exibe as jóias e as meias. É Julião quem, antes de qualquer outra das personagens nucleares que gravitam à volta de Luísa e Jorge, adivinha o que vai acontecer e decide manter-se à distância.
Sebastião, o melhor amigo de Jorge, tem, simultaneamente, o talento musical de Cruges, o músico de Os Maias e a nobreza de carácter de Afonso da Maia do mesmo romance. É ele o herói do romance que tira Luísa da situação complicada em que se encontra, sem julgá-la ou tecer considerações pseudo-moralistas.
O Conselheiro Acácio é um intelectual patriota que, ao contrário de Julião, consegue triunfar, escrevendo aquilo que quem está no poder gosta de ouvir. Consegue ser sempre politicamente correcto, não poupando louvores à família real e à mãe-pátria sem, no entanto, acrescentar nada de novo nas suas obras, nas quais abunda um estilo excessivamente descritivo e presunçoso, cuja inspiração é retirada de uma travessa de aletria ou qualquer outra das iguarias da sue bela empregada e amante. Trata-se de um homem que não se importa de escrever nas paredes do Teatro Nacional de S. Carlos desde que aquilo que escreva seja, no seu entender, digno de louvor. Uma farpa tipicamente queirosiana.
E é, mais uma vez, a perspicácia de Julião que nos desvenda da vida secreta do conselheiro e do porquê deste ser indiferente às atenções de D.Felicidade, amiga de Luísa e Jorge…Eça vinga-se no final, para mostrar o seu descontentamento face ao triunfo dos medíocres em detrimento dos talentos, atribuindo-lhe um cuco no seu ninho de amor…
O Primo Basílio é, mais uma vez, um expositor da paixão de Eça por objectos de arte, expressa na sua descrição dos ambientes onde se desloca Luísa, apear de também descrever, com a mesma acuidade, a antítese destes ambiente quer no que toca ao luxo quer no que toca à higiene – como por exemplo o Paraíso onde se encontram Luísa e Basílio.
Luísa não é, de forma alguma, uma mulher madura, apesar dos seus vinte e cinco anos. É, de facto, notório o predomínio do arquétipo da eterna adolescente na sua personalidade, o que a torna incapaz de pensar ou decidir o que quer que seja por si própria. É, talvez, daqui que deriva o paternalismo de Jorge, cujo motivo pode não ser, unicamente o ciúme.
A natureza de Luísa, já de si indolente, é invadida pelo tédio, pelo spleen beaudelairiano, tentando preencher o tempo com passatempos agradáveis (leitura, bordados, música) sem fazer disso um trabalho propriamente dito. Aliás Eça descreve-a como sendo “alegre como um passarinho”, no início do romance, fazendo pressupor o seu carácter naturalmente despreocupado. Tal como Perséfone que é raptada pelo Hades enquanto colhe flores no prado, tudo em Luísa aponta para um destino trágico. Desde o trautear da ária final da ópera La Traviata de Verdi – Addio, del passato – à presença das camélias e das violetas no bouquet oferecido por Sebastião na sua última ida ao teatro – Violetta é o nome da heroína de La Traviata e Marguerite Gautier a protagonista de A Dama das Camélias de A.Dumas Filho surge sempre ataviada com estas flores.
Eça tenta depois iludir o leitor dando-lhe a entender que o dramaturgo Ernestinho, amigo de Jorge, irá, na sua peça, perdoar a adultério à heroína para agradar ao empresário e conseguir audiências.
Também Jorge aparenta, depois de descobrir o sucedido, não ter a intenção de falar no assunto. No entanto, o preconceito cultural fortemente enraizado face à possibilidade de perdoar o adultério feminino acaba por vencer. A isto junta-se o medo do ridículo (um medo real, até pelas palavras de Juliana que nas costas de Jorge, o apelida cinicamente de “boi manso”) e um ciúme obsessivo de um masoquismo doentio.
No entanto, o leitor mais atento consegue detectar que a intenção de Eça é, na realidade, a de matar Luísa, quando Ernesto afirma, cinicamente, ter perdoado à adúltera “à semelhança de Cristo” quando, na realidade, foi obrigado a mudar o final por pressões exteriores.
O mesmo se passa com Jorge, com a diferença que a intenção deste é, de facto, perdoar a mulher, pois ama de facto Luísa. Mas, afinal, não consegue controlar o ciúme, inquirindo-a sobre o assunto logo que a vê convalescer.
A intenção do Autor, com este final, é mostrar que não se mudam mentalidade de um dia para o outro, que aquilo que nos é inculcado pela sociedade custa muito a desaparecer e que, por vezes, paga-se caro por isso.
A contradição entre o ser considerado viril um homem que se envolve com uma mulher casada enquanto esta é imediatamente marginalizada ou condenada a pena de prisão leva-o a escrever este final.
É, sobretudo, pela voz de Leopoldina que o Autor denuncia todas as transgressões, frequentes na alta sociedade lisboeta da época. Leopoldina, amiga de Luísa desde o colégio, é uma mulher execrada por Jorge, que vive à margem daquela que é considerada a “boa” sociedade. Com um casamento de conveniência por fachada, colecciona amantes sem, contudo, fazer muito segredo do facto.
Outro golpe de audácia de Eça, ainda envolvendo Leopoldina, é o relato das suas experiências homossexuais no colégio, nas quais também participou Luísa por arrastamento, lembrando alguns dos poemas malditos de As Flores do Mal de Charles Beaudelaire – Les Femmes Damnées.
A linguagem utilizada, dada a importância de Juliana e outras figuras representantes da classe popular versa muito sobre o calão, principalmente na cena da conversa com a cozinheira sobre os patrões ou quando a repugnante vilã combina com os seus cúmplices a melhor forma de os extorquir.
Já nas últimas páginas do romance, Basílio e o Visconde Reinaldo – podem ser conotados com Fausto de Göethe, o persinagem corruptor de Margarida/ Luísa e Mefistófeles, da mesma obra, o cínico coleccionador de almas. Da mesma forma que Fausto vende a alma a Mefistófeles em troca do amor de Margarida; Basílio vende a alma a Reinaldo em troca da ascensão à aristocracia e integração nas elites aristocrática da Europa.
É Reinaldo quem chama a atenção de Basílio para a falta de classe de Luísa, desvalorizando a perda de Basílio, atenuando-lhe o peso da responsabilidade.
Este, depois do choque inicial, mostra-se incomodado unicamente pela perda de uma amante higiénica que lhe satisfaria as necessidades sexuais enquanto estivesse em Lisboa. Em seguida, lamenta não ter trazido a cocotte parisiense Alphonsine.
Provavelmente, Alphonsine du Pléssis, aquela que inspirou Dumas filho a escrever A Dama das Camélias…
Todo o canalha peca pela falta de originalidade.
Cláudia de Sousa Dias
A figura central de O Primo Basílio é uma jovem, dotada de uma silhueta e rosto susceptíveis de cativar os olhares, casada com Jorge, engenheiro de minas. Jorge é um marido paternalista e possessivo a ponto de controlar as amizades da esposa, chegando a pedir aos amigos que a vigiem.
Apesar destes cuidados, a jovem não resiste ao apelo de sedução do seu ex-namorado, o primo Basílio. Boémio, fez fortuna através da especulação. Sibarita, vive para o luxo e para o prazer. Sofisticadíssimo, enfatuado e pedante, critica a toilette de Luísa até ao mais ínfimo detalhe, inspeccionando-lhe as mais pequenas falhas tendo como modelo as beldades parisienses da moda. Basílio, no entanto, apesar de achar a prima um belo animal de prazer, não a julga digna de a exibir aos seus amigos aristocratas.
Luísa não é suficientemente chique. Não tem espírito.
Luísa é, no fundo, uma Madame Bovary, entediada com a sua existência burguesa e aspirando a uma vida mais interessante, recheada de luxo e aventura. A temática de O Primo Basílio obedece à do romance de Flaubert. A diferença é que, passada a febre passional por Basílio, Luísa apercebe-se que, de facto, ama Jorge e tenta fazer tudo para salvar a relação da ruína.
A ameaça ao casamento e à estabilidade psíquica de Luísa surge pela mão da criada, Juliana, cuja presença física, semelhante à de um abutre, coincide com a baixeza do seu carácter. Vestida quase sempre de negro ou cores escuras, de aspecto descarnado e cara amarelada pela bílis, cabelo negro com postiços, Juliana é um autêntico pássaro necrófago cuja rapacidade e malignidade não tem limites: exige uma soma avultadíssima em troca das provas que comprometem Luísa, sangra a patroa extorquindo-lhe roupa, comida, móveis, um quarto melhor do que os aposentos das outras criadas. Rouba-lhe inclusivamente o tempo de lazer, aquilo que mais lhe invejava, obrigando-a a fazer o trabalho que lhe competia…
Juliana é uma mulher que está convencida que tudo lhe é devido. Dominada pela inveja e pela cobiça, deseja usufruir dos luxos da patroa sem olhar a meios para atingir os seus fins.
Apesar do carácter execrável de Juliana, não podemos deixar de reparar nas difíceis condições de vida e de trabalho a que eram sujeitas as empregadas internas na altura.
Além do salário reduzido, Juliana dorme num quarto sem aquecimento, com o colchão infestado de percevejos e a comida – dela e de Joana – não é a mesma da dos patrões. Para além disto, a forma de tratamento de Luísa para com Juliana não ajuda em nada a minimizar o carácter bilioso da empregada.
Joana, pelo contrário, não está tanto em contacto com Luísa, não “atura” os seus momentos de mau humor. Daí ser mais benevolente, mais predisposta a formar melhor opinião da patroa. Além disso, Joana, ocupada em usufruir o seu romance com Pedro quando os patrões saem, não está minimamente preocupada em bisbilhotar a vida da gente da casa. Como Joana é feliz e, por isso, não a incomoda a felicidade alheia. Esta é uma das principais ideias que o Autor pretende passar: a de que a inveja, o sentimento de mal-estar causado por um sorriso alheio, têm origem em algo que é fundamental para o equilíbrio psíquico – a afectividade. Ou melhor, dafalta dela.
Já o fidalgo Basílio é um coleccionador de saias como o Raposo de A Relíquia, mas com requinte, como não podia deixar de ser. O primo de Luísa também esteve no Oriente, andou de camelo e trouxe uma recordação da Terra Santa, embora sem as desventuras que precipitaram Teodorico Raposo para a ruína.
Julião, médico e amigo de Jorge, e Basílio são dois estereótipos diametralmente opostos. À vaidade e à elegância extravagante e exagerada de Basílio, opõe-se a superioridade intelectual e o conhecimento científico de Julião, que se aliam a um desleixo ostensivo com a aparência. Os dois conhecem-se em casa de Luísa, durante a estadia de Jorge no Alentejo, e detestam-se à primeira vista. Basílio despreza a falta de cuidado com a aparência de Julião. Sentindo-se descodificado, trata imediatamente de colocá-lo pouco à vontade e de indispor Luísa contra ele. Esta, de temperamento, altamente influenciável e deslumbrada pelo fausto do primo, a quem olha como o deus supremo do chique, começa a encarar para Julião com algum desprezo, vexada pela sua falta de requinte.
A Julião, por seu lado, irrita-o o ar de superioridade de Basílio e a sua excessiva vaidade, particularmente a forma como exibe as jóias e as meias. É Julião quem, antes de qualquer outra das personagens nucleares que gravitam à volta de Luísa e Jorge, adivinha o que vai acontecer e decide manter-se à distância.
Sebastião, o melhor amigo de Jorge, tem, simultaneamente, o talento musical de Cruges, o músico de Os Maias e a nobreza de carácter de Afonso da Maia do mesmo romance. É ele o herói do romance que tira Luísa da situação complicada em que se encontra, sem julgá-la ou tecer considerações pseudo-moralistas.
O Conselheiro Acácio é um intelectual patriota que, ao contrário de Julião, consegue triunfar, escrevendo aquilo que quem está no poder gosta de ouvir. Consegue ser sempre politicamente correcto, não poupando louvores à família real e à mãe-pátria sem, no entanto, acrescentar nada de novo nas suas obras, nas quais abunda um estilo excessivamente descritivo e presunçoso, cuja inspiração é retirada de uma travessa de aletria ou qualquer outra das iguarias da sue bela empregada e amante. Trata-se de um homem que não se importa de escrever nas paredes do Teatro Nacional de S. Carlos desde que aquilo que escreva seja, no seu entender, digno de louvor. Uma farpa tipicamente queirosiana.
E é, mais uma vez, a perspicácia de Julião que nos desvenda da vida secreta do conselheiro e do porquê deste ser indiferente às atenções de D.Felicidade, amiga de Luísa e Jorge…Eça vinga-se no final, para mostrar o seu descontentamento face ao triunfo dos medíocres em detrimento dos talentos, atribuindo-lhe um cuco no seu ninho de amor…
O Primo Basílio é, mais uma vez, um expositor da paixão de Eça por objectos de arte, expressa na sua descrição dos ambientes onde se desloca Luísa, apear de também descrever, com a mesma acuidade, a antítese destes ambiente quer no que toca ao luxo quer no que toca à higiene – como por exemplo o Paraíso onde se encontram Luísa e Basílio.
Luísa não é, de forma alguma, uma mulher madura, apesar dos seus vinte e cinco anos. É, de facto, notório o predomínio do arquétipo da eterna adolescente na sua personalidade, o que a torna incapaz de pensar ou decidir o que quer que seja por si própria. É, talvez, daqui que deriva o paternalismo de Jorge, cujo motivo pode não ser, unicamente o ciúme.
A natureza de Luísa, já de si indolente, é invadida pelo tédio, pelo spleen beaudelairiano, tentando preencher o tempo com passatempos agradáveis (leitura, bordados, música) sem fazer disso um trabalho propriamente dito. Aliás Eça descreve-a como sendo “alegre como um passarinho”, no início do romance, fazendo pressupor o seu carácter naturalmente despreocupado. Tal como Perséfone que é raptada pelo Hades enquanto colhe flores no prado, tudo em Luísa aponta para um destino trágico. Desde o trautear da ária final da ópera La Traviata de Verdi – Addio, del passato – à presença das camélias e das violetas no bouquet oferecido por Sebastião na sua última ida ao teatro – Violetta é o nome da heroína de La Traviata e Marguerite Gautier a protagonista de A Dama das Camélias de A.Dumas Filho surge sempre ataviada com estas flores.
Eça tenta depois iludir o leitor dando-lhe a entender que o dramaturgo Ernestinho, amigo de Jorge, irá, na sua peça, perdoar a adultério à heroína para agradar ao empresário e conseguir audiências.
Também Jorge aparenta, depois de descobrir o sucedido, não ter a intenção de falar no assunto. No entanto, o preconceito cultural fortemente enraizado face à possibilidade de perdoar o adultério feminino acaba por vencer. A isto junta-se o medo do ridículo (um medo real, até pelas palavras de Juliana que nas costas de Jorge, o apelida cinicamente de “boi manso”) e um ciúme obsessivo de um masoquismo doentio.
No entanto, o leitor mais atento consegue detectar que a intenção de Eça é, na realidade, a de matar Luísa, quando Ernesto afirma, cinicamente, ter perdoado à adúltera “à semelhança de Cristo” quando, na realidade, foi obrigado a mudar o final por pressões exteriores.
O mesmo se passa com Jorge, com a diferença que a intenção deste é, de facto, perdoar a mulher, pois ama de facto Luísa. Mas, afinal, não consegue controlar o ciúme, inquirindo-a sobre o assunto logo que a vê convalescer.
A intenção do Autor, com este final, é mostrar que não se mudam mentalidade de um dia para o outro, que aquilo que nos é inculcado pela sociedade custa muito a desaparecer e que, por vezes, paga-se caro por isso.
A contradição entre o ser considerado viril um homem que se envolve com uma mulher casada enquanto esta é imediatamente marginalizada ou condenada a pena de prisão leva-o a escrever este final.
É, sobretudo, pela voz de Leopoldina que o Autor denuncia todas as transgressões, frequentes na alta sociedade lisboeta da época. Leopoldina, amiga de Luísa desde o colégio, é uma mulher execrada por Jorge, que vive à margem daquela que é considerada a “boa” sociedade. Com um casamento de conveniência por fachada, colecciona amantes sem, contudo, fazer muito segredo do facto.
Outro golpe de audácia de Eça, ainda envolvendo Leopoldina, é o relato das suas experiências homossexuais no colégio, nas quais também participou Luísa por arrastamento, lembrando alguns dos poemas malditos de As Flores do Mal de Charles Beaudelaire – Les Femmes Damnées.
A linguagem utilizada, dada a importância de Juliana e outras figuras representantes da classe popular versa muito sobre o calão, principalmente na cena da conversa com a cozinheira sobre os patrões ou quando a repugnante vilã combina com os seus cúmplices a melhor forma de os extorquir.
Já nas últimas páginas do romance, Basílio e o Visconde Reinaldo – podem ser conotados com Fausto de Göethe, o persinagem corruptor de Margarida/ Luísa e Mefistófeles, da mesma obra, o cínico coleccionador de almas. Da mesma forma que Fausto vende a alma a Mefistófeles em troca do amor de Margarida; Basílio vende a alma a Reinaldo em troca da ascensão à aristocracia e integração nas elites aristocrática da Europa.
É Reinaldo quem chama a atenção de Basílio para a falta de classe de Luísa, desvalorizando a perda de Basílio, atenuando-lhe o peso da responsabilidade.
Este, depois do choque inicial, mostra-se incomodado unicamente pela perda de uma amante higiénica que lhe satisfaria as necessidades sexuais enquanto estivesse em Lisboa. Em seguida, lamenta não ter trazido a cocotte parisiense Alphonsine.
Provavelmente, Alphonsine du Pléssis, aquela que inspirou Dumas filho a escrever A Dama das Camélias…
Todo o canalha peca pela falta de originalidade.
Cláudia de Sousa Dias
12 Comments:
oláaaa
espero q esteja tudo bem contigo :O)
na akele anjinho nun sou eu inflizmente mas deve ser axinhe um priminho heheheeh :O)
beijinho
provavelmente!
Beijinho
CSD
Excelente, mais uma vez!
um bjo que vou dar mesmo!
Este, depois do choque inicial, mostra-se incomodado unicamente pela perda de uma amante higiénica que lhe satisfaria as necessidades sexuais.
Todo o canalha peca pela falta de originalidade.
Onde é que eu já ouvi isto?
:-) beijo Ameixaclaudia
Não sei JP.
Acho que todas nós já encontrámos um Basílio pela frente...
Bjo
Basílios e Julianas e todos os outros... Eça captava-lhes o tipo e reproduzia-o, muito lógico e racional nas suas análises. Hoje eles ainda andam por aí, os portugueses (ou europeus?), e Portugal, sempre no seu melhor! Exactamente como há 100 anos.É por isso que sabe sempre bem ler ( o livro mas também as análises, que nos trazem as leituras do passado para o presente). Descobri recentemente uma obra a que se dá menos importância - A correspondência de Fradique Mendes - e achei-a soberba. a capaz de dizer, fazendo a aproximação, que é em Juliana que Eça se projecta, não sei se com consiência ou sem ela; é que maus fígados também ele tinha, literalmente - e nas cartas cáusticas que escreve Fradique (outro alter-ego) o venemo (ou a bílis) escorre das páginas.
Obrigada por mais este belo pedaço de escrita analítica e beijo grande com saudades.
Querida Palavrinhas!
A minha vida ficou mais rica depois de conhecer-te!
beijinho grande!
CSD
olá claudia!
ta tudo bem? :)
olá,
Qual tua opinião sobre o Ernestinho? Achas que é Eça dentro do livro?
Bj
Liz Brasil
Olá Lys! bem-vinda ao meu blog!
É uma pergunta algo complexa...
Por que, à primeira vista, a minha tendência é responder que não. Que Ernestinho não tem nada a ver com o íntimo de Eça. Ernestinho é alguém que modificou as convicções pessoais para agradar ao empresário e conqquistar a audiência. não estou a ver o Eça a fazer o mesmo. No entanto...Em "O Manrarim" o autor elaborou duas versões da mesma obra: uma a ser publicada No "Diário de Portugal" - de carácter mais populista - e outra para a "Revue Universelle" - destinada a um público mais selecto, mais elitista. Eça também teve em conta as diferenças culturais entre os dois países ao compor esta última versão.
Agora o busílis da questão é o seguinte: será que, tendo em conta a forma como o público português encarava o adultério feminino no último quartel do sec.XIX, o autor não terá optado por matar Luísa contrariando a sua convicção, inclinações e simpatia pela jovem?
Creio que é algo que ficará para sempre no segredo dos deuses...
oiii...oq axam do filme primo basílio?
lu
Não vi.
Só a série há muitos anos.
Com a Marília Pêra, o Marcos Paulo, o Tony Ramos e a Giulia Gam...
Gostei.
Apesar da diferença de sotaque...
CSD
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