“do Rio de Janeiro” de Alexandra Lucas Coelho (Tinta-da-China)
Na colecção de livros de viagens
dirigida por Carlos Vaz Marques para a Editora Tinta-da-China
falamos hoje de uma pequena colectânea de textos de Alexandra
Lucas Coelho sobe a Cidade Maravilhosa, reunidos num pequeno
volume promocional que foi, durante algum tempo, oferecido aos
leitores que comprassem pelo menos um livro da colecção. Este será
talvez uma pequena amostra de mais uma obra de ALC publicada por esta
editora tal como o foram as obras Viva México e Caderno
Afegão, as quais serão brevemente (espero eu) comentadas neste
blogue.
Dados Biográficos
Actualmente, Alexandra Lucas Coelho
é jornalista no Público e Grande Repórter, correspondente
daquele jornal no Rio de Janeiro, mas o seu curriculum é
bastante vasto e diversificado. Sendo natural de Lisboa, cidade onde
veio ao mundo e 1967, ALC chegou a estudar Teatro, mas
licenciou-se em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de
Lisboa. Trabalhou como jornalista na RDP de 1991 a 1998, data a
partir da qual editou os suplementos Leituras e dirigiu a
colecção Mil Folhas do Público.
A partir de 2001, viaja com
regularidade pelo Médio Oriente e pela Ásia Central onde recolheu
material que serviu de base a Caderno Afegão (Tinta-da-China,
2009). Esteve também em Jerusalém, entre 2005-2006, período após
o qual lançou o livro Oriente Próximo (Relógio d'Água,
2007). Publicou ainda, também na Tinta-da-China o livro de crónicas
Viva México e Tahrir, os Dias da Revolução (2011), a
propósito da Primavera Árabe no Egipto.
Do Rio de Janeiro
A variedade temática da colecção de
textos de que aqui tratamos e que estão incluídos neste volume
promocional, deixa-nos antever outro exemplar de crónicas a ser,
provavelmente, publicado dentro de alguns anos na referida colecção,
que nos deixará uma perspectiva não só jornalística mas sobretudo
antropológica da forma de viver das gentes do Brasil nas primeiras
décadas do século XXI.
Adoptando o ponto de vista dos
habitantes locais Alexandra Lucas Coelho repara, com notável
agudeza de espírito, diversas particularidade do “homo
brasiliensis” em geral e dos
cariocas em particular. A começar pela exploração da diversidade
lexical e semântica das duas variantes do português – europeu e
brasileiro – observando as consequências, na maior parte das vezes
divertidas, dos equívocos originados por estas questões
terminológicas no uso pragmático da língua pelos falantes de ambos
os países. A língua continua a ser a fonte da qual se parte para
falar de temas como o movimento intelectual e artístico do
Tropicalismo na cultura brasileira, a amálgama resultante da fusão
de culturas que compõem o produto final que é a Cultura Brasileira,
o multi-culturalismo, a omnipresente religiosidade, o peso da
religião e do sincretismo religioso do povo brasileiro. A isto
junta-se ainda a vivência da trepidante vivacidade do Carnaval do
Rio, cujo desfile tem, pelo menos durante poucos dias, o condão de
diluir muitas barreiras sociais, à maneira das antigas Saturnais
romanas. Aqui, é simplesmente a voz do corpo que fala mais alto.
Alexandra
conduz-nos à favela Buraco Quente,
num dos textos mais alucinantes desta publicação, até porque se
trata de uma situação algo delicada que exige algumas medidas de
precaução em termos de segurança. O motivo principal da visita é
um surreal – para nós europeus – festival de música funk
na favela onde dominam temáticas
relacionadas com o sexo e a sedução mas também sobretudo com o
poder...das armas. A pobreza é omnipresente mas a música e a dança
parecem actuar como um refúgio ou um anti-depressivo, que se
sobrepõe a tudo o resto. Afinal, está-se no Brasil e o sol convida
à folia, mas nas entrelinhas da prosa ágil de ALC conseguimos
captar algo está subjacente ao conteúdo das letras das músicas: é
notória uma raiva latente, face à situação de gritante
desigualdade social, algo que faz com que o tema dominante no
festival seja a contestação do poder e da ordem estabelecida. Um
sonho de revolução paira no ar e estamos apenas em 2010, ainda
longe dos protestos que hoje se fazem sentir um pouco por todo o
Brasil. Nesta altura, é apenas um sonho que anima a vida e actua
como uma força centrífuga face ao vazio que é a realidade e a
esperança de um futuro.
ALC é
particularmente bem sucedida na descrição das realidades sociais,
pintando quadros diversos da acção humana. É a fotógrafa da
escrita. A objectiva do seu olhar antes das projecção na escrita é
atraída pelas mais diversas situações, facetas ou hábitos sociais
dos cariocas: desde a extrema pobreza em ambiente de favela no rio
de Janeiro, à descrição do estilo de vida das jovens da classe
média-alta daquela cidade, patente no texto Meninas do
Rio, intertextualidade
resultante da transposição para o feminino do título da canção
Menino do Rio de
Caetano Veloso,
para um texto onde se fala das relações de género, da forma de
estar de cada um, da divergência / de objectivos, enfim, de
emancipação feminina, conquanto estreitamente ligada à emancipação
masculina, em plena igualdade de oportunidades e equilíbrio das
relações de poder géneros, sobretudo na forma de encarar a
sexualidade. É ainda abordada a temática dos amores, da comoção
de um concerto de Caetano
Veloso, também numa
favela, e da odisseia travada pela jornalista até chegar ao local do
concerto, a provar que a rede de transportes públicos tem ainda
muito por se (e que se) expandir, de forma a abranger toda a área
metropolitana do Rio.
A
principal virtude de ALC como jornalista, para além do estilo limpo,
escorreito, sem floreados barrocos – e para além, também, da
exactidão e da verosimilhança, que faz com que fiquemos com a
impressão de estarmos a assistir a um documentário acerca da vida
dos habitantes do Rio –, é a habilidade ao com que parece
transitar de um tema para o outro, parecendo areseentar-nos um
conjunto de textos em continuum
ao invés de reportagens separadas, permitindo-nos quase que
adivinhar um fio condutor que liga uma história e outra.
É por
todas estas razões que aguardamos com alguma ansiedade o volume
completo destas histórias do Brasil acerca do qual este volume já
me fez abrir um apetite desenfreado, pelo resultado final mas que
posso (e o leitores poderão também fazê-lo) ir degustando
lentamente, história a história, no actual blogue da Autora que aqui vos
deixo.
Boas
leituras
26.09.2012-09.07.2013
Cláudia
de Sousa Dias
4 Comments:
Quem me dera se o funk fosse para mim, que sou do Brasil, algo surreal como é para os europeus. Funk só fala de promiscuidade, reflete a prostituição mas também a estimula quando canta sobre mulheres e homens objetos. Considero que a cultura que representa a favela é o RAP. mas, infelizmente, o funk está em todo lugar aqui no Brasil. Quanto ao Carnaval, acho que tem muito a ver com a política pão e circo daqui... mas o livro parece muito interessante! Abrçs
Obrigada, brasildasruas, pela opinião. É muito bom receber o feed-back dos leitores. Grande abraço.
Olá, Cláudia
Obrigada pela apresentação deste livro de ALC, pela análise e pela indicação do blogue da autora.
Bj
Olinda
Obrigada, eu a ti, Olinda.
Um beijo.
CSD
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