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Saturday, August 24, 2013

“Sem Sangue” de Alessandro Baricco (Dom Quixote)


Tradução de Rosa Freire D'Aguiar

Alessandro Baricco nasceu em Turim, 1958. É escritor, crítico musical, director de cinema. Conquistou o Prémio Medicis Étranger, em França com o romance Terras de Cristal, o qual também foi finalista do Prémio Salezione Campello, em Itália. Outro romance, Seda (1996), já comentado aqui no blogue, tornou-se um best-seller internacional, sendo posteriormente adaptado ao cinema para ser protagonizado por Michael Pitt e Keyra Knightley.

Na sinopse, vemos que a trama do romance trata de “um médico vive com dois filhos pequenos numa velha fazenda isolada no campo. Um dia, quatro homens fortemente armados chegam pela estrada poeirenta. Algo terrível e indescritível está para acontecer entre facções inimigas de uma guerra recém-terminada. A violência e a fúria das represálias logo se instalam na propriedade do doutor Manuel Roca, chamado por seus inimigos de Hiena. A única testemunha do cruel acerto de contas é uma criança, escondida e encolhida no fundo de um depósito. É ela a testemunha do rescaldo perverso dessa guerra que parece não ter fim. (Propositadamente, Alessandro Baricco não a situa no tempo nem no espaço, mas num país imaginário de nomes hispânicos, embora as peripécias lembrem a resistência dos partigiani talianos ao fim da Segunda Guerra Mundial.) É Nina, a criança, que meio século depois reviverá um novo acerto de contas.
No romance de Alessandro Baricco, os gestos, o silêncio e o olhar dos personagens valem tanto quanto as frases curtas e de forte conteúdo. Baricco, escritor premiado e o mais traduzido da literatura italiana contemporânea, narra com ritmo de thriller esta história de duas criaturas confrontadas com o passado, a dor e a guerra.” (vide http://companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12635)

Da leitura da sinopse de “Sem Sangue” percebemos que se trata de um romance negro. Publicado em 2002, não lhe faltam ingredientes para cativar o leitor: um crime horrendo, o desejo de vingança, amor e redenção a tecer uma trama extremamente bem arquitectada a pôr em destaque as feridas putrefactas da História por um lado e, por sua vez, a implacabilidade da perseguição aos fins últimos da Justiça pela mão de Némesis, a deusa-vingadora ao serviço de Júpiter mas, contudo, sem sangue. Uma autêntica operação “mãos limpas”levada a cabo pela protagonista. Mas isto só percebemos na totalidade depois de lermos o romance. De um só fôlego, de preferência.

O romance é divido em duas partes. A primeira, consiste na descrição de um crime, um homicídio qualificado, que passa pelas fases da preparação execução e desenlace, relativamente a uma vingança, ainda sangrenta na primeira, testemunhada por uma criança, escondida na cave de uma casa no meio do nada. Pouco depois, a mesma criança é descoberta por um dos participantes do crime que a não denuncia aos comparsas.

Na segunda parte, assistimos ao reencontro das duas personagens do momento narrativo anterior. Passaram-se algumas décadas, o cenário é completamente diferente: a paisagem é urbana, a cidade fervilha em ritmo de crescimento. Estamos em pleno ciclo de recuperação do pós-guerra.

Entre o antigo assassino e a vítima que ficou sem o pai há muitas coisas a serem explicadas, dado que o dia em que se encontraram pela primeira vez, alterou definitiva e radicalmente os seus percursos. Há, no entanto, duas faces da mesma moeda: a realidade apresenta-se multifacetada e é preciso conhecer os vários pontos de vista.

A escrita de Baricco é concebida de forma a proporcionar uma leitura veloz. Os capítulos são extremamente curtos e a narrativa onde predominam, sobretudo na primeira parte, os verbos de acção, faz com que o leitor se sinta parte integrante na história, como testemunha, juntamente com a criança, escondida, na cave da carnificina perpetrada. Como se estivéssemos na cauda de um furacão, com a vida por um fio, tal é o frenesim nos impele a avançar na história. Os acontecimentos sucedem-se a uma velocidade vertiginosa.

A modalização temporal é flagrante, com a interrupção da primeira parte e início do segundo momento da narrativa. Além da mudança de cenário, o ritmo também sofre um abrandamento brusco.
Do final da segunda Guerra Mundial, temos uma omissão (elipse) do caos que se lhe seguiu face à total destruição dum país que, apesar dos nomes hispânicos, facilmente identificamos com Itália. Trata-se de um artifício do Autor para proteger a identidade dos habitantes – já que estamos perante uma história baseada e factos reais –, mas também por uma questão estética, já que o próprio Alessandro Baricco defende que os nomes em língua castelhana dotam o texto de uma musicalidade muito típica que resulta, em última análise, numa alteração do ritmo da narrativa. Tudo isto ajuda à ideia/sensação de cisão que sentimos ao acabar a leitura da primeira parte e passarmos à segunda. É como se o tempo ou a sua passagem tivessem erodido a paisagem de tal forma que até os nomes mudaram. Como mudaram a identidade dos protagonistas que vivem agora outra vida.

O reencontro, a seguir à elipse, tem como fim reconstruir a história das personagens e, também, a História, ao colocar os estilhaços nos seus devidos lugares.

O tempo é, agora, de paz, as feridas parecem cicatrizadas, mas as marcas e a memória das dores antigas permanecem. A cidade renasceu das cinzas, o que é notório pelo reordenamento urbano, pela limpeza das ruas, pelo cuidado em restaurar/conservar as fachadas dos edifícios. Ou pelos quiosques que vendem tranquilamente os seus produtos junto ao café onde as pessoas se sentam a saborear as especialidades e a conversar, como faz o casal protagonista. Ou pela impecabilidade do serviço do hotel onde ambos são conduzidos por Némesis que dirige as Erínias de forma a liquidar definitivamente as contas do passado. Sem sangue.

A vingança perfeita. Total.

05.10.2012-09.07.2013
Cláudia de Sousa Dias


2 Comments:

Blogger Unknown said...

Você escreve muito bem e o livro deve ser excelente!

1:28 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Oh...obrigada...o Autor é que é muito bom. Em qualquer publicação.

um beijo

1:33 AM  

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