“Sem Sangue” de Alessandro Baricco (Dom Quixote)
Tradução de Rosa
Freire D'Aguiar
Alessandro
Baricco nasceu em Turim, 1958. É escritor, crítico musical,
director de cinema. Conquistou o Prémio Medicis Étranger, em França
com o romance Terras de Cristal, o qual também foi finalista
do Prémio Salezione Campello, em Itália. Outro romance, Seda
(1996), já comentado aqui no blogue, tornou-se um best-seller
internacional, sendo posteriormente adaptado ao cinema para ser
protagonizado por Michael Pitt e Keyra Knightley.
Na
sinopse, vemos que a trama do romance trata de “um
médico vive com dois filhos pequenos numa velha fazenda isolada no
campo. Um dia, quatro homens fortemente armados chegam pela estrada
poeirenta. Algo terrível e indescritível está para acontecer entre
facções inimigas de uma guerra recém-terminada. A violência e a
fúria das represálias logo se instalam na propriedade do doutor
Manuel Roca, chamado por seus inimigos de Hiena. A única testemunha
do cruel acerto de contas é uma criança, escondida e encolhida no
fundo de um depósito. É ela a testemunha do rescaldo perverso dessa
guerra que parece não ter fim. (Propositadamente, Alessandro
Baricco
não a situa no tempo nem no espaço, mas num país imaginário de
nomes hispânicos, embora as peripécias lembrem a resistência dos
partigiani
talianos
ao fim da Segunda Guerra Mundial.) É Nina, a criança, que meio
século depois reviverá um novo acerto de contas.
No romance de Alessandro Baricco, os gestos, o silêncio e o olhar dos personagens valem tanto quanto as frases curtas e de forte conteúdo. Baricco, escritor premiado e o mais traduzido da literatura italiana contemporânea, narra com ritmo de thriller esta história de duas criaturas confrontadas com o passado, a dor e a guerra.” (vide http://companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12635)
No romance de Alessandro Baricco, os gestos, o silêncio e o olhar dos personagens valem tanto quanto as frases curtas e de forte conteúdo. Baricco, escritor premiado e o mais traduzido da literatura italiana contemporânea, narra com ritmo de thriller esta história de duas criaturas confrontadas com o passado, a dor e a guerra.” (vide http://companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12635)
Da
leitura da sinopse de “Sem Sangue” percebemos que se trata
de um romance negro. Publicado em 2002, não lhe faltam ingredientes
para cativar o leitor: um crime horrendo, o desejo de vingança, amor
e redenção a tecer uma trama extremamente bem arquitectada a pôr
em destaque as feridas putrefactas da História por um lado e, por
sua vez, a implacabilidade da perseguição aos fins últimos da
Justiça pela mão de Némesis, a deusa-vingadora ao serviço de
Júpiter mas, contudo, sem sangue. Uma autêntica operação “mãos
limpas”levada a cabo pela protagonista. Mas isto só percebemos na
totalidade depois de lermos o romance. De um só fôlego, de
preferência.
O
romance é divido em duas partes. A primeira, consiste na descrição
de um crime, um homicídio qualificado, que passa pelas fases da
preparação execução e desenlace, relativamente a uma vingança,
ainda sangrenta na primeira, testemunhada por uma criança, escondida
na cave de uma casa no meio do nada. Pouco depois, a mesma criança é
descoberta por um dos participantes do crime que a não denuncia aos
comparsas.
Na segunda parte, assistimos ao
reencontro das duas personagens do momento narrativo anterior.
Passaram-se algumas décadas, o cenário é completamente diferente:
a paisagem é urbana, a cidade fervilha em ritmo de crescimento.
Estamos em pleno ciclo de recuperação do pós-guerra.
Entre o antigo assassino e a vítima
que ficou sem o pai há muitas coisas a serem explicadas, dado que o
dia em que se encontraram pela primeira vez, alterou definitiva e
radicalmente os seus percursos. Há, no entanto, duas faces da mesma
moeda: a realidade apresenta-se multifacetada e é preciso conhecer
os vários pontos de vista.
A escrita de Baricco é
concebida de forma a proporcionar uma leitura veloz. Os capítulos
são extremamente curtos e a narrativa onde predominam, sobretudo na
primeira parte, os verbos de acção, faz com que o leitor se sinta
parte integrante na história, como testemunha, juntamente com a
criança, escondida, na cave da carnificina perpetrada. Como se
estivéssemos na cauda de um furacão, com a vida por um fio, tal é
o frenesim nos impele a avançar na história. Os acontecimentos
sucedem-se a uma velocidade vertiginosa.
A modalização temporal é flagrante,
com a interrupção da primeira parte e início do segundo momento da
narrativa. Além da mudança de cenário, o ritmo também sofre um
abrandamento brusco.
Do final da segunda Guerra Mundial,
temos uma omissão (elipse) do caos que se lhe seguiu face à total
destruição dum país que, apesar dos nomes hispânicos, facilmente
identificamos com Itália. Trata-se de um artifício do Autor para
proteger a identidade dos habitantes – já que estamos perante uma
história baseada e factos reais –, mas também por uma questão
estética, já que o próprio Alessandro Baricco defende que
os nomes em língua castelhana dotam o texto de uma musicalidade
muito típica que resulta, em última análise, numa alteração do
ritmo da narrativa. Tudo isto ajuda à ideia/sensação de cisão que
sentimos ao acabar a leitura da primeira parte e passarmos à
segunda. É como se o tempo ou a sua passagem tivessem erodido a
paisagem de tal forma que até os nomes mudaram. Como mudaram a
identidade dos protagonistas que vivem agora outra vida.
O reencontro, a seguir à elipse, tem
como fim reconstruir a história das personagens e, também, a
História, ao colocar os estilhaços nos seus devidos lugares.
O tempo é, agora, de paz, as feridas
parecem cicatrizadas, mas as marcas e a memória das dores antigas
permanecem. A cidade renasceu das cinzas, o que é notório pelo
reordenamento urbano, pela limpeza das ruas, pelo cuidado em
restaurar/conservar as fachadas dos edifícios. Ou pelos quiosques
que vendem tranquilamente os seus produtos junto ao café onde as
pessoas se sentam a saborear as especialidades e a conversar, como
faz o casal protagonista. Ou pela impecabilidade do serviço do hotel
onde ambos são conduzidos por Némesis que dirige as Erínias de
forma a liquidar definitivamente as contas do passado. Sem sangue.
A vingança perfeita. Total.
05.10.2012-09.07.2013
Cláudia de Sousa Dias
2 Comments:
Você escreve muito bem e o livro deve ser excelente!
Oh...obrigada...o Autor é que é muito bom. Em qualquer publicação.
um beijo
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