“Hotel Memória” de João Tordo (Quidnovi)
João Tordo nasceu em Lisboa, em
1975. Filho do cantor Fernando Tordo, formou-se em Filosofia
mas estudou Jornalismo em Londres e Nova Iorque. Além de jornalista
e escritor, João Tordo faz também tradução, tendo-se aventurado
também no guionismo.
Na sua faceta de jornalista, escreveu
para o Independente, para a Sábado, para o Jornal
das Letras, para a Elle. Escreveu também, por vezes
contos para a extinta revista Egoísta.
Hotel Memória é o seu segundo
romance. O autor especializou-se na escrita de romances policiais,
género literário com que se estreou na publicação de O Livro
dos Homens sem luz. O seu estilo faz lembrar um pouco o autor
norte-americano Paul Auster, pelo ambiente urbano e pelas
temáticas abordadas relativamente ao submundo das grandes cidades,
alternando o glamour com uma inexorável decadência ou
degradação do estilo de vida dos seus habitantes. Aliás, Auster
serve, conforme se vê pela epígrafe do romance de que hoje
tratamos, de inspiração à escrita de João Tordo, que o homenageia
assim como a vários nomes da literatura anglo-saxónica, do fado e
do jazz.
O cenário da acção principal de
Hotel Memória é Nova Iorque, onde um jovem estudante
de literatura aspirante a escritor acaba por viver uma estranha e
inquietante aventura, despoletada pela morte inesperada da sua
companheira, Kim, também ela estudante e simultaneamente detective
privado, vítima de um fatal acidente. O protagonista é também o
narrador, o que serve de pretexto para se manter anónimo ao longo do
relato das peripécias que compõem a trama.
A obsessão do protagonista em
desvendar o passado da namorada, mergulha o jovem estudante numa vaga
de melancolia e depressão que o conduz a uma espiral de
auto-destruição, fruto de uma intrincada teia de ligações
perigosas à máfia nova iorquina e ao submundo do fluxo da imigração
ilegal para os EUA. A trama, apesar das semelhanças estilísticas e
de cenário com os romances del Auster, lembra um pouco os romances
de Mario Puzo pela profusão de cenas de sangue associadas à
implacável vendetta dos capi do crime organizado.
A ideia principal que se retira da
leitura deste livro é, sobretudo, a da extrema fragilidade com que
se depara alguém que emigra sem qualquer tipo de apoio familiar ou
rede de contactos sociais que o ajudem a defender-se das armadilhas
que se apresentam às pessoas nestas condições. A selva urbana da
Big Apple não é lugar para seres vulneráveis, como já
deram a entender, além dos dois autores supracitados, escritores
como Tom Wolfe (A Fogueira das Vaidades) e Sándor Márai (A Mulher
Certa, última parte).
Personagens
O romance é
autodiegético, isto é, o narrador é, tal como já foi dito, também
a personagem da trama e protagonista da sua própria história.
Quando começa a narrativa, fá-lo no tempo presente, ou seja, é o
eu do tempo presente quem é o sujeito da enunciação, que recorre à
regressão e modalização temporal para contar, depois,
cronologicamente os acontecimentos do passado: a vinda de Lisboa para
Nova Iorque, o passado de Kim, as circunstâncias da sua morte, a
estranha estória da figura misteriosa para quem trabalhava e, por
fim a sua própria vivência, recheada de peripécias na tentativa de
completar o quadro dos acontecimentos.
Há, também,
outro um jovem estudante, de origem hispânica, Manuel, que vive com
a família e que, além de ser um importante ponto de apoio ao
protagonista em momentos complicados é, também, o elo de ligação
entre ele e Kim.
João Tordo
introduz, também, um cómica dupla policial, Stan e Bill, a parodiar
as séries de detectives, colando-se perigosamente à dupla Laurel e
Hardy. São dois polícias, um tanto boçais, cumpridores de regras,
mas mais flexíveis do que seria de esperar, pelo que não se pode
dizer que sejam incompetentes. A personalidade de ambos lembra a de
Bartleby de Melville. São o lado satírico do romance, o que
faz com que, deste ponto de vista, o facto pouco verosímil de
aparecerem no instante mais oportuno para salvar a personagem
principal seja atenuado, apesar de a caricatura da polícia
nova-iorquina pudesse, talvez, ter sido um pouco mais estilizada.
Stan e Bill são homens comuns, de inteligência mediana, pouco
eficazes, servindo a sua presença na história apenas para afastar
delinquentes. Estão, contudo, longe de serem capazes de resolver os
casos com a capacidade intuitiva de um “Mentalista”, mas ao mesmo
tempo revelam-se muito mais credíveis nas actividades do dia-a-dia.
Por exemplo, após o acidente de Kim, o jovem estudante de literatura
é colocado numa situação muito delicada, correndo o risco de se
tornar o principal suspeito de um possível assassinato. Contudo,
após um cuidadoso interrogatório, conduzido pelos dois polícias,
consegue ficar ilibado.
O ponto forte
deste romance consiste na capacidade do Autor em mostrar até que
ponto uma depressão profunda pode fazer alguém com um futuro
promissor entrar num vórtice de auto-destruição que o conduz a uma
situação quase que irreversível de precariedade.
A assumpção do
lugar de Kim, por parte do aspirante a romancista, como detective
privado proporciona ao jovem uma viragem de 180º no seu estilo de
vida, que passa a ser um jovem preocupado, secreto, cauteloso.
Hotel Memória é
um livro bem escrito, rico em peripécias (talvez até um tudo nada
exagerado neste aspecto), onde a atmosfera de marginalidade
classicamente associada ao fado e à fatalidade, vai contaminando, no
bom e no mau sentido, as ruas de Nova Iorque – aliás, este parece
ser o único elemento cultural português que consegue atravessar as
fronteiras do Atlântico, viajando através do tempo e do espaço,
recuando décadas até à Lisboa de Salazar, passando por Nova Iorque
e a soalheira são Francisco, já no nosso século. Esta última
cidade é o vértice do triângulo que completa a localização
espacial da história e também o local onde o último véu do
mistérios de dissipa. É o cenário onde ficamos a saber o rumo que
tomaram as personagens após o intenso clímax da acção ocorrido no
misterioso Hotel Memória, com cheiro a saudade, nostalgia e tragédia
de faca e alguidar.
Hotel Memória é também um romance onde a
sensualidade marca uma forte presença, em vários momentos da
história e onde um forte erotismo transpira de uma escrita sensorial
e sobretudo cinestésica.
O final transmite a impressão aos leitores de que o jovem que foi o
grande amor de Kim sobreviveu a um grande terramoto e que, daí em
diante nada será como antes...
20.10.2012-20.07.2013
Cláudia de Sousa Dias
2 Comments:
Gostei do pouco que já li de Paul Auster e, pela tua não inesperadamente excelente resenha, penso que ainda vou gostar mais de João Tordo.
Beijinhos, lindona!
h...beijos também...eles estão aqui para dar vontade de explorar mesmo...
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