HÁ SEMPRE UM LIVRO...à nossa espera!

Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

My Photo
Name:
Location: Norte, Portugal

Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Sunday, September 01, 2013

“Hotel Memória” de João Tordo (Quidnovi)



João Tordo nasceu em Lisboa, em 1975. Filho do cantor Fernando Tordo, formou-se em Filosofia mas estudou Jornalismo em Londres e Nova Iorque. Além de jornalista e escritor, João Tordo faz também tradução, tendo-se aventurado também no guionismo.

Na sua faceta de jornalista, escreveu para o Independente, para a Sábado, para o Jornal das Letras, para a Elle. Escreveu também, por vezes contos para a extinta revista Egoísta.

Hotel Memória é o seu segundo romance. O autor especializou-se na escrita de romances policiais, género literário com que se estreou na publicação de O Livro dos Homens sem luz. O seu estilo faz lembrar um pouco o autor norte-americano Paul Auster, pelo ambiente urbano e pelas temáticas abordadas relativamente ao submundo das grandes cidades, alternando o glamour com uma inexorável decadência ou degradação do estilo de vida dos seus habitantes. Aliás, Auster serve, conforme se vê pela epígrafe do romance de que hoje tratamos, de inspiração à escrita de João Tordo, que o homenageia assim como a vários nomes da literatura anglo-saxónica, do fado e do jazz.

O cenário da acção principal de Hotel Memória é Nova Iorque, onde um jovem estudante de literatura aspirante a escritor acaba por viver uma estranha e inquietante aventura, despoletada pela morte inesperada da sua companheira, Kim, também ela estudante e simultaneamente detective privado, vítima de um fatal acidente. O protagonista é também o narrador, o que serve de pretexto para se manter anónimo ao longo do relato das peripécias que compõem a trama.

A obsessão do protagonista em desvendar o passado da namorada, mergulha o jovem estudante numa vaga de melancolia e depressão que o conduz a uma espiral de auto-destruição, fruto de uma intrincada teia de ligações perigosas à máfia nova iorquina e ao submundo do fluxo da imigração ilegal para os EUA. A trama, apesar das semelhanças estilísticas e de cenário com os romances del Auster, lembra um pouco os romances de Mario Puzo pela profusão de cenas de sangue associadas à implacável vendetta dos capi do crime organizado.

A ideia principal que se retira da leitura deste livro é, sobretudo, a da extrema fragilidade com que se depara alguém que emigra sem qualquer tipo de apoio familiar ou rede de contactos sociais que o ajudem a defender-se das armadilhas que se apresentam às pessoas nestas condições. A selva urbana da Big Apple não é lugar para seres vulneráveis, como já deram a entender, além dos dois autores supracitados, escritores como Tom Wolfe (A Fogueira das Vaidades) e Sándor Márai (A Mulher Certa, última parte).

Personagens

O romance é autodiegético, isto é, o narrador é, tal como já foi dito, também a personagem da trama e protagonista da sua própria história. Quando começa a narrativa, fá-lo no tempo presente, ou seja, é o eu do tempo presente quem é o sujeito da enunciação, que recorre à regressão e modalização temporal para contar, depois, cronologicamente os acontecimentos do passado: a vinda de Lisboa para Nova Iorque, o passado de Kim, as circunstâncias da sua morte, a estranha estória da figura misteriosa para quem trabalhava e, por fim a sua própria vivência, recheada de peripécias na tentativa de completar o quadro dos acontecimentos.

Há, também, outro um jovem estudante, de origem hispânica, Manuel, que vive com a família e que, além de ser um importante ponto de apoio ao protagonista em momentos complicados é, também, o elo de ligação entre ele e Kim.

João Tordo introduz, também, um cómica dupla policial, Stan e Bill, a parodiar as séries de detectives, colando-se perigosamente à dupla Laurel e Hardy. São dois polícias, um tanto boçais, cumpridores de regras, mas mais flexíveis do que seria de esperar, pelo que não se pode dizer que sejam incompetentes. A personalidade de ambos lembra a de Bartleby de Melville. São o lado satírico do romance, o que faz com que, deste ponto de vista, o facto pouco verosímil de aparecerem no instante mais oportuno para salvar a personagem principal seja atenuado, apesar de a caricatura da polícia nova-iorquina pudesse, talvez, ter sido um pouco mais estilizada. Stan e Bill são homens comuns, de inteligência mediana, pouco eficazes, servindo a sua presença na história apenas para afastar delinquentes. Estão, contudo, longe de serem capazes de resolver os casos com a capacidade intuitiva de um “Mentalista”, mas ao mesmo tempo revelam-se muito mais credíveis nas actividades do dia-a-dia. Por exemplo, após o acidente de Kim, o jovem estudante de literatura é colocado numa situação muito delicada, correndo o risco de se tornar o principal suspeito de um possível assassinato. Contudo, após um cuidadoso interrogatório, conduzido pelos dois polícias, consegue ficar ilibado.

O ponto forte deste romance consiste na capacidade do Autor em mostrar até que ponto uma depressão profunda pode fazer alguém com um futuro promissor entrar num vórtice de auto-destruição que o conduz a uma situação quase que irreversível de precariedade.

A assumpção do lugar de Kim, por parte do aspirante a romancista, como detective privado proporciona ao jovem uma viragem de 180º no seu estilo de vida, que passa a ser um jovem preocupado, secreto, cauteloso.

Hotel Memória é um livro bem escrito, rico em peripécias (talvez até um tudo nada exagerado neste aspecto), onde a atmosfera de marginalidade classicamente associada ao fado e à fatalidade, vai contaminando, no bom e no mau sentido, as ruas de Nova Iorque – aliás, este parece ser o único elemento cultural português que consegue atravessar as fronteiras do Atlântico, viajando através do tempo e do espaço, recuando décadas até à Lisboa de Salazar, passando por Nova Iorque e a soalheira são Francisco, já no nosso século. Esta última cidade é o vértice do triângulo que completa a localização espacial da história e também o local onde o último véu do mistérios de dissipa. É o cenário onde ficamos a saber o rumo que tomaram as personagens após o intenso clímax da acção ocorrido no misterioso Hotel Memória, com cheiro a saudade, nostalgia e tragédia de faca e alguidar.

Hotel Memória é também um romance onde a sensualidade marca uma forte presença, em vários momentos da história e onde um forte erotismo transpira de uma escrita sensorial e sobretudo cinestésica.

O final transmite a impressão aos leitores de que o jovem que foi o grande amor de Kim sobreviveu a um grande terramoto e que, daí em diante nada será como antes...


20.10.2012-20.07.2013

Cláudia de Sousa Dias


2 Comments:

Blogger M. said...

Gostei do pouco que já li de Paul Auster e, pela tua não inesperadamente excelente resenha, penso que ainda vou gostar mais de João Tordo.
Beijinhos, lindona!

10:15 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

h...beijos também...eles estão aqui para dar vontade de explorar mesmo...

10:19 PM  

Post a Comment

<< Home