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Monday, September 09, 2013

“O Mar em Casablanca” de Francisco José Viegas (Porto Editora)


Francisco José Viegas nasceu na aldeia do Pocinho, Vila Nova de Foz Côa, onde viveu até aos oito anos. Os pais mudaram-se então para Chaves, onde fez o Ensino Secundário. Licenciou-se em Estudos Portugueses, na Universidade nova de Lisboa. Leccionou Linguística na Universidade de Évora, sendo actualmente, director da Revista “Ler” e editor da Quetzal, onde regressou após um curto período de exercício de funções como Secretário de Estado da Cultura.

A trama de O Mar em Casablanca é construída com base num cenário inicial de desolação onde se destaca a atitude depressiva de um vulto debruçado numa ponte debaixo de uma chuva torrencial.

Um começo invulgar num romance de Francisco José Viegas até pelas características da personagem principal que aparece numa atitude pouco habitual e em cuja personalidade se notam alguns cambiantes, ligeiras modificações na forma de olhar os acontecimentos e na forma de estar perante a vida.

O recurso à analepse, com um preâmbulo situado num tempo já avançado na trama e, depois, uma regressão coloca-nos perante a técnica da modalização temporal no romance, que dota a trama do dinamismo necessário para agarrar um leitor, sobretudo neste género de policial tão pouco ortodoxo, permitindo que, só a meio do romance, o leitor possa identificar o homem debruçado na ponte, presente na cena inicial. A narrativa emerge, assim, pelo poder evocativo da memória, estando patente na voz do eu empírico do inspector Jaime Ramos o desgaste causado pelos acontecimentos e pelo peso incomensurável de um passado que teima sempre em regressar.

Este romance de FJV, publicado já no final da última década (2010), revela um domínio da técnica da narrativa que muito o distancia dos primeiros romances, tornando-se, ao mesmo tempo, bastante mais verosímil a própria construção do eu e da voz do Inspector Jaime Ramos. Também a relação deste com Rosa, a eterna namorada e presença constante nos romances anteriores mas de importância marginal tanto na trama como na vida do protagonista, começa também a ocupar um espaço maior no quotidiano deste, embora por enquanto só no domínio privado e, consequentemente, a ter um peso maior na trama. Rosa não interfere na vida profissional de Jaime Ramos, nunca se assume como colaboradora oficial, como a assexuada Miss Moneypenny das histórias de James Bond, mas revela-se antes uma peça fundamental para o equilíbrio emocional do Inspector da PJ numa esquadra algures no Porto, ajudando-o por vezes nos seus raciocínios e desencadeando alguns dos seus insights, mas sempre (ainda) no domínio do espaço doméstico.

É também notório o desaparecimento de Filipe Castanheira o seu companheiro de investigação dos primeiros romances que eram co-protagonizados por ambos. Filipe Castanheira era quase um duplo ou o alter-ego, mais jovem, emotivo e passional, de Jaime Ramos mas aqui este surge sozinho, mas com traços da personalidade de ambos.

O Jaime Ramos de O Mar em Casablanca tem agora dois ajudantes na esquadra da PJ onde trabalha: Isaltino e José. A própria construção do ethos desta personagem tem vindo a sofrer uma certa evolução ao longo dos últimos romances. O amadurecimento da personagem está patente no vínculo entre o detective e a companheira que lhe serve de ponte entre a actividade de investigação e a escrita dos seus relatórios que parecem cada vez mais influenciados pela personalidade literária de Rosa, enquanto professora de Literatura, a qual o põe em contacto com os clássicos.

A escrita de Francisco José Viegas é, como já sabemos de outros romances, profundamente sensorial, telúrica, na qual se sente o cheiro da terra, o rumor da folhagem das árvores e dos seres que as habitam, dos odores dos ambientes. Por vezes a própria paisagem duriense torna-se, ela própria, personagem: um mundo de beleza deslumbrante, anestesiante, mas por vezes agreste, hostil ao homem, sobretudo se forasteiro, como já notaram outros autores provenientes do interior norte de Portugal, como Jorge Fallorca.

Uma paisagem edénica e luxuriante, cuja faceta solar torna ainda mais notório o contraste do cenário de aspecto idílico mediante a crescente debilidade do protagonista, que se vai ao mesmo tempo tornando mais sensível e menos don juan à medida que se torna cada vez mais consciente das fragilidades alheias. Este cenário não é, no entanto estático. Pelo contrário, transforma e adquire, por vezes, uma tonalidade sombria como é cada vez mais sombrio também o humor do protagonista. Continua no entanto presente a figura da mulher de beleza fatal, tal como em romances anteriores onde a beleza, a juventude ou por vezes o sucesso profissional feminino continua a figurar na construção do triunfo social das mulheres jovens e oriundas de famílias de poucos recursos a uma certa perversão. Talvez porque em Portugal a igualdade de oportunidades seja ainda, em muitos aspectos, uma miragem...

A trama de O Mar em Casablanca reflecte, também, ecos da história recente, ao esboçar uma certa decadência que se adivinha na corrupção camuflada sob uma fachada de prosperidade, sobretudo no âmbito das relações diplomáticas, políticas e financeiras. Negócios pouco transparentes entre figuras de elevado poder económico e integridade duvidosa, vão lentamente estendendo os seus tentáculos de forma a apoderarem-se das estruturas produtivas como uma planta daninha.

Um livro actual, resultante da evolução e aprimoramento literário de um escritor já consagrado e reconhecido pelo romance Longe de Manaus.


Cláudia de Sousa Dias

23.10.2012-27.07.2013

2 Comments:

Blogger M. said...

Nada li ainda do Francisco José Viegas, está mesmo a falhar-me! Excelente exercício de crítica, como sempre!
Beijinhos ;)

2:36 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada...mas como disse, a escrita dele tem vindo a melhorar com os anos...

;-)

2:46 PM  

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