“O Mar em Casablanca” de Francisco José Viegas (Porto Editora)
Francisco José Viegas nasceu na
aldeia do Pocinho, Vila Nova de Foz Côa, onde viveu até aos oito
anos. Os pais mudaram-se então para Chaves, onde fez o Ensino
Secundário. Licenciou-se em Estudos Portugueses, na Universidade
nova de Lisboa. Leccionou Linguística na Universidade de Évora,
sendo actualmente, director da Revista “Ler” e editor da
Quetzal, onde regressou após um curto período de exercício
de funções como Secretário de Estado da Cultura.
A trama de O Mar em Casablanca é
construída com base num cenário inicial de desolação onde se
destaca a atitude depressiva de um vulto debruçado numa ponte
debaixo de uma chuva torrencial.
Um começo invulgar num romance de
Francisco José Viegas até pelas características da
personagem principal que aparece numa atitude pouco habitual e em
cuja personalidade se notam alguns cambiantes, ligeiras modificações
na forma de olhar os acontecimentos e na forma de estar perante a
vida.
O recurso à analepse, com um preâmbulo
situado num tempo já avançado na trama e, depois, uma regressão
coloca-nos perante a técnica da modalização temporal no romance,
que dota a trama do dinamismo necessário para agarrar um leitor,
sobretudo neste género de policial tão pouco ortodoxo, permitindo
que, só a meio do romance, o leitor possa identificar o homem
debruçado na ponte, presente na cena inicial. A narrativa emerge,
assim, pelo poder evocativo da memória, estando patente na voz do eu
empírico do inspector Jaime Ramos o desgaste causado pelos
acontecimentos e pelo peso incomensurável de um passado que teima
sempre em regressar.
Este romance de FJV, publicado já no
final da última década (2010), revela um domínio da técnica da
narrativa que muito o distancia dos primeiros romances, tornando-se,
ao mesmo tempo, bastante mais verosímil a própria construção do
eu e da voz do Inspector Jaime Ramos. Também a relação
deste com Rosa, a eterna namorada e presença constante nos romances
anteriores mas de importância marginal tanto na trama como na vida
do protagonista, começa também a ocupar um espaço maior no
quotidiano deste, embora por enquanto só no domínio privado e,
consequentemente, a ter um peso maior na trama. Rosa não interfere
na vida profissional de Jaime Ramos, nunca se assume como
colaboradora oficial, como a assexuada Miss Moneypenny das histórias
de James Bond, mas revela-se antes uma peça fundamental para o
equilíbrio emocional do Inspector da PJ numa esquadra algures no
Porto, ajudando-o por vezes nos seus raciocínios e desencadeando
alguns dos seus insights, mas sempre (ainda) no domínio do
espaço doméstico.
É também notório o desaparecimento
de Filipe Castanheira o seu companheiro de investigação dos
primeiros romances que eram co-protagonizados por ambos. Filipe
Castanheira era quase um duplo ou o alter-ego, mais jovem, emotivo e
passional, de Jaime Ramos mas aqui este surge sozinho, mas com traços
da personalidade de ambos.
O Jaime Ramos de O Mar em
Casablanca tem agora dois ajudantes na esquadra da PJ onde
trabalha: Isaltino e José. A própria construção do ethos
desta personagem tem vindo a sofrer uma certa evolução ao longo dos
últimos romances. O amadurecimento da personagem está patente no
vínculo entre o detective e a companheira que lhe serve de ponte
entre a actividade de investigação e a escrita dos seus relatórios
que parecem cada vez mais influenciados pela personalidade literária
de Rosa, enquanto professora de Literatura, a qual o põe em contacto
com os clássicos.
A escrita de Francisco José Viegas
é, como já sabemos de outros romances, profundamente sensorial,
telúrica, na qual se sente o cheiro da terra, o rumor da folhagem
das árvores e dos seres que as habitam, dos odores dos ambientes.
Por vezes a própria paisagem duriense torna-se, ela própria,
personagem: um mundo de beleza deslumbrante, anestesiante, mas por
vezes agreste, hostil ao homem, sobretudo se forasteiro, como já
notaram outros autores provenientes do interior norte de Portugal,
como Jorge Fallorca.
Uma paisagem edénica e luxuriante,
cuja faceta solar torna ainda mais notório o contraste do cenário
de aspecto idílico mediante a crescente debilidade do protagonista,
que se vai ao mesmo tempo tornando mais sensível e menos don juan
à medida que se torna cada vez mais consciente das fragilidades
alheias. Este cenário não é, no entanto estático. Pelo contrário,
transforma e adquire, por vezes, uma tonalidade sombria como é cada
vez mais sombrio também o humor do protagonista. Continua no entanto
presente a figura da mulher de beleza fatal, tal como em romances
anteriores onde a beleza, a juventude ou por vezes o sucesso
profissional feminino continua a figurar na construção do triunfo
social das mulheres jovens e oriundas de famílias de poucos recursos
a uma certa perversão. Talvez porque em Portugal a igualdade de
oportunidades seja ainda, em muitos aspectos, uma miragem...
A trama de O Mar em Casablanca
reflecte,
também, ecos da história recente, ao esboçar uma certa decadência
que se adivinha na corrupção camuflada sob uma fachada de
prosperidade, sobretudo no âmbito das relações diplomáticas,
políticas e financeiras. Negócios pouco transparentes entre figuras
de elevado poder económico e integridade duvidosa, vão lentamente
estendendo os seus tentáculos de forma a apoderarem-se das
estruturas produtivas como uma planta daninha.
Um livro actual, resultante da evolução
e aprimoramento literário de um escritor já consagrado e
reconhecido pelo romance Longe de Manaus.
Cláudia de Sousa Dias
23.10.2012-27.07.2013
2 Comments:
Nada li ainda do Francisco José Viegas, está mesmo a falhar-me! Excelente exercício de crítica, como sempre!
Beijinhos ;)
Obrigada...mas como disse, a escrita dele tem vindo a melhorar com os anos...
;-)
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