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Wednesday, October 09, 2013

“O livro do fim – Relatos, impressões de viagens, de lugares e das gentes que as habitam” de Jorge Fallorca (ed. de Autor)


Jorge Fallorca é, além de tradutor reconhecido, como tivemos oportunidade de verificar no post anterior, um escritor que gosta de criar ao seu próprio ritmo, sem pressões editoriais, liberto da vampirizante máquina do marketing. É natural do Concelho de Mortágua coladinho ao concelho rival de de Santa Comba Dão, como já foi referido neste blogue, a propósito de dois outros livros seus : A Cicatriz do ar e A Mulher Descalça. Além destes dois livros, o primeiro de poesia e o segundo um intrincado puzzle policial a que eu chamaria de protoromance negro, publicou também Água tatuada (&etc, 1976), A Luva in Love (Assírio & Alvim, 1977). Foram também reeditados ao seguintes títulos, esgotados: Fruta da Época (Frenesi, 2009), o já referido A Cicatriz do Ar (Blackburn , 2001 e Ed. De autor, 2009), Entre Chipiona e Tarifa Teorema, 2002). Segue-se inéditos como Al-Khaim (Teorema, 2004), Blues para uma puta velha, (& etc, 2010), Nem sempre a lápis (Tea for one, 2011) e “A Mulher Descalça” (ed. De Autor, 2011). Jorge Fallorca é, também, autor do blogue nemsemprealapis.blogspot.com


O Livro do Fim, que dá título ao post de hoje, fala de caminhos percorridos por um escritor andarilho, uma figura que já foi projectada e obras anteriores. Desta vez o protagonista sem nome, não estando integrado em nenhuma trama policial, como em A Mulher descalça, é apenas a alma errante cujo discurso na primeira pessoa, dentro de uma escrita diarista, denuncia na voz do locutor uma insaciável sede de viver e fome de vida que vai devorando ou bebendo nas suas diversas formas, das fontes que jorram dos lugares por onde passa e das searas de onde germina o pão, fabricado pelas mãos locais.

As cores da paisagem, casas moldadas, às vezes envelhecidas pelas intempéries ou cuidadas pela amorosa mão humana, cães, semi-vagabundos, a verem passar as horas deitados à soleira das portas, ouvindo o indolente zumbido dos insectos, nas tardes de canícula. Todas estas impressões são transpostas para as folhas de papel de um caderno, escrito quase sempre a lápis, formando um pequeno livro de viagens, contendo uma vívida galeria de detalhes, as quais vão formando quadros animados, embora de movimentação lenta, como num andante num concerto de Vivaldi, . Mas, ao mesmo tempo o discurso narrativo é, simultaneamente, dotado de um inequívoco realismo, que se evidencia na qualidade documental dos textos, a descreverem o Portugal rural do Sul, até ao Mediterrâneo, no início do século XXI, chegando a passar a fronteira e, depois para lá do Estreito de Gibraltar. A cor e o movimento vão dotando a escrita de Jorge Fallorca da dimensão de um realismo impressionista, lembrando cenas animadas mas plenas de tranquilidade captadas por Degas ou Matisse:

« As mulheres bebiam chá pelas cabaças, e os homens conciliados em redor da fogueira, contavam histórias».

Mas, nalguns trechos, o surrealismo de Dali está também presente:

«As aves de rapina sobrevoavam a planície, soltavam gritos que fugiam pela aridez do vale, imenso. Alguns ficavam presos nas árvores raquíticas, as crianças reflectiam-nos como um 'cântico hipnótico'».

A correspondência entre o grito das aves de presa (águia, falcão, bútio, milhafre), a percorrer a planície, transmite simultaneamente a aridez e a desolação locais mas também a vida das regiões do Mediterrâneo em pleno processo de desertificação, salientado-se a solidão imensa que emana da voz do narrador.

O animismo que projecta atitudes humanas nas árvores, e outros elementos vegetais ou, nalguns casos minerais, está aqui muito visível no no acto de aprisionar o grito – de agonia ou de alegria? – das aves , atenuando-o. Por outro lado este som é, repercutido e reproduzidos pelos guinchos que acompanham as brincadeiras das crianças das povoações circunvizinhas, ecoando nas pedras, no território que o homem, lentamente, vai ocupando, invadindo o habitat até aí, ocupado por outros seres.

Enquanto isso, a paisagem natural apresenta-se, por seu lado, viva, animada por características de sensibilidade próprias do homem, mesmo quando este se encontra ausente, como se a própria Mãe Terra fosse um corpo humano gigante. Uma Terra com voz própria. E Alma. Gea, a titã, como que respira nos textos de Fallorca, exalando o seu esplendor numa paleta de verdes e ocres:

“Nas fissuras do prado, latejam flores de enxofre.”

Nesta dicotomia entre a paisagem natural e aquela que foi modificada pela mão do Homem, a presença humana encaixa-se num quadro mais amplo, que engloba todo o ecossistema do qual ele faz parte, dando vida aos rituais do quotidiano e moldando o ritmo das horas, nas tarefas de todos os dias:

“...os homens cortam o ferro, com gestos cadenciados, o gume da gadanha a embalar o prado”.

Os dias parecem declinar, à medida que as impressões são recolhidas e registadas no papel, traçando-se a rota da viagem, percorridas pelo narrador e protagonista que goza da clássica liberdade do povo romani. O despojamento e a imensa solidão, demonstradas no afastamento da sociedade para melhor a observar, denunciam também a recusa da sociedade de consumo, a qual transparece das entrelinhas de cada micro-texto deste “livro do fim”. Um “fim” que nunca chega, pois trata-se realmente de uma história interminável: a de salientar a beleza extrema e inóspita, de uma natureza ainda pouco tocada pela civilização industrial, pela selva de betão-armado, pelo progresso. Onde são retratadas a vida dos “homens simples”, um pouco como o “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau, o oposto do homem moderno, fruto de uma sociedade que perverte a sobrevivência.

O Livro do Fim será assim, antes de mais, o ponto de fuga, no quadro da vida terrestre, da qual faz parte um homo sapiens sapiens (ao qual eu acrescentaria em alguns casos, uma sub-sub variedade denominada sans sapientia), visando sempre o horizonte, para lá do sistema doentio, que priva o homem da Liberdade, o Bem Supremo.



07.05.2013-05.09.2013
Cláudia de Sousa Dias


5 Comments:

Blogger fallorca said...

Beijo :)

5:20 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Beijo e felicidades para novas publicações ou reedições.

5:44 PM  
Blogger fallorca said...

Obrigado, Pantera :)
E terás conhecimento se e quando chegar a altura

8:33 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada...!


beijos, também.

8:34 PM  
Blogger M. said...

Tenho mesmo de ler Jorge Fallorca, quem sabe ainda este ano!
Beijocas, boa semana!

11:26 AM  

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