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Wednesday, November 06, 2013

“O Anibaleitor” de Rui Zink (Teorema)




Para quem ainda desconhece o facto, Rui Zink é docente de Estudos Portugueses na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova de Lisboa, função que acumula com actividade de escritor, apesar de, para muitos continuar a ser um dos intervenientes do programa televisivo A noite da má Língua, um sucesso de audiências da SIC nos anos 1990. Mas aquilo que, muitos dos que viam o programa – cujo protagonismo Rui Zink partilhava com Júlia Pinheiro e Miguel Esteves Cardoso – ignoram, é que, quer a sua obra ficcional quer a ensaística, publicitadas de forma algo discreta no país, se encontram traduzidas em várias línguas pelo mundo fora e que em 2009, Rui Zink recebia o Prémio Ciranda pelo seu romance, intitulado O Destino Turístico na altura em que dava aulas na Universidade de Dartmouth no Massachussets.

O romance/novela de que aqui tratamos, O Anibaleitor, tem por base a história de um jovem que foge de casa e embarca numa viagem fantástica, num navio cujo capitão persegue um animal de características míticas e, simultaneamente, paródicas, dando início a uma conturbada odisseia.

Segundo o Autor, esta história foi construída como um verdadeiro patchwork ou “manta de retalhos”, onde “um texto pode esconder outros”. Ao longo da trama alude-se, directa ou indirectamente, a várias obras literárias, em cumplicidade com o leitor, cuja memória literária está constantemente a ser espicaçada pelas inúmeras intertextualidades em que vai tropeça à medida que avança na trama. A mais evidente – além do trocadilho do título com a personagem do filme O Silêncio dos Inocentes, baseado no romance de Thomas Harris, Hannibal Lecter. Mas o psicopata canibal deste livro é um pouco diferente: trata de espalhar o terror aos devorar os inocentes silenciosos que são as vozes dos autores amordaçadas pela falta de quem os leia – é a analogia que fazemos da viagem do fugitivo adolescente com a viagem empreendida pelo capitão Ahab de Moby Dick de Hermann Melville, sobretudo no momento em que o arpoador Quequeg salta das páginas do autor anglo-saxónico para o barco onde o jovem ingressa como clandestino. Também A Caça ao Snark de Lewis Carroll se encontra presente nas entrelinhas de “O Anibaleitor”, durante o tempo da travessia. Da mesma forma, o gigantesco símio “Kong” de King Kong de Marion C. Cooper, um romance que ficou mundialmente conhecido pela sua adaptação ao cinema. As semelhanças físicas deste Anibaleitor com o King Kong de Cooper – um símio gigantesco – são notórias, mas esgotam-se no aspecto físico. O Anibaleitor de Rui Zink é um monstro que se deixa encantar pelo poder da palavra, daí a sua estranheza e desadequação a um mundo onde as pessoas cada vez mais deixam de ler e as que o fazem passam a ser olhadas como seres aberrantes e, por isso, excluídas e, e último grau, perseguidas. Outra intertextualidade mas agora por via da Fonética, esta patente no que diz respeito ao nome desta personagem, e da rima ou aproximação por via da sonoridade com a personagem Adamastor, a qual figura n'Os Lusíadas.


O adolescente, ao empreender a viagem como clandestino no barco que visa perseguir e aprisionar o Anibaleitor, fá-lo com o intuito de fugir ao controlo dos pais e ao peso das obrigações escolares, encontrando assim a oportunidade de fuga à rotina, aos horários, aos prazos de entrega de trabalhos de casa e, claro está a todo um sistema de regras a que tem de se submeter, pelo simples facto de frequentar uma escola. Mas não só. Pretende também evadir-se do ambiente familiar algo pesado onde reina a anomia, em vias de se desestruturar pela contradição vivida pelo facto de os pais não estarem a atravessar uma fase pacífica no que toca ao relacionamento. A evasão é a solução para a instabilidade e um ambiente familiar onde impera a incoerência de comportamento entre os cônjuges e a falta de diálogo.


Este romance juvenil, que está incluído no Plano Nacional de Leitura, pode servir de espelho a muitos adolescentes que provavelmente se encontrem a viver situações similares. No entanto, as inúmeras referências literárias com que o leitor se depara ao longo da narrativa, poderão já interessar senão a um leitor um pouco mais maduro, pelo menos aos jovens que sejam, já, detentores dessas mesmas referências, ou seja que tenham já lido ou ouvido falar dos livros que são mencionados no texto, ou ainda visto os filmes neles neles inspirados de forma a reconhecer essas mesmas alusões que são mencionadas no texto. O mesmo acontece com a citação de passagens de canções, como no em que o jovem trauteia uma canção dos GNR Dunas ou o narrador refere que no regresso o aguarda uma jovem de olhos castanhos “de encantos tamanhos” um trocadilho com o fado cantado por Francisco José. Trata-se de alusões que as gerações mais recentes poderão desconhecer por completo.Poderá também passar despercebida para alguns a alusão implícita à obra As Aventuras de João Sem Medo de José Gomes Ferreira ou dos Esteiros de Soeiro Pereira Gomes assim como àquela que remete para o O Dinossauro Excelentíssimo de José Cardoso Pires ou ainda para O Malhadinhas de Aquilino Ribeiro e até mesmo O Labirintodonte de Alberto Pimenta. De qualquer forma, este O Anibaleitor pretende, sem dúvida, retirar os livros de autores que eram lidos e amplamente divulgados dentro do curriculum escolar há cerca de três décadas atrás, das prateleiras empoeiradas das estantes de bibliotecas públicas e privadas.

Personagens e Trama

Relativamente à caracterização das personagens, o protagonista é-nos apresentado como um adolescente rebelde, que tende a meter-se em sarilhos enquanto os pais se distraem com as suas guerrinhas pessoais.

Quanto à localização da acção no tempo, trata-se de uma história passado no início nos anos oitenta, obrigando-nos a recuar cerca de três décadas, mas que poderia perfeitamente passar-se nos nossos dias.

Na primeira parte do livro, intitulada “A Viagem”, o leitor embarca numa aventura marítima com sabor a clandestinidade e cheiro a perigo, naquilo que poderia ser uma versão juvenil de um romance marítimo de Joseph Conrad ou Edgar Allan Poe mas num discurso paródico. O lado de sátira deste romance-novela está patente na forma como são descritas pelo narrador certas atitudes das personagens ou características psicológicas. Uma das mais desconcertantes – e hilariantes – do romance é a forma como o narrador se refere ao capitão do navio, cujo discurso se assemelha, curiosamente a alguém que já foi encarregue por várias vezes pelo povo português de comandar o navio que é a nação portuguesa, em riscos de afundamento:

«O Capitão pouco saía dos seus aposentos. Às vezes, eu entrevia pela janela a mão dele, apoiada num mapa cor-de-terra, os dedos tamborilando ao lado de uma taça de vinho, como se estivessem com febre miudinha.

Quando o capitão vinha à proa, parecia por vezes o única a caminhar direito, pois o seu coxear lembrava por vezes o balanço do barco. Era estranho vê-lo muito firme, muito sério, naquele ininterrupto carrossel. O capitão não era mau homem: tinha apenas a irritante mania de achar que nunca se enganava e de raramente ter dúvidas. Na altura, como eu era miúdo, até achava que essa era, se calhar, uma qualidade essencial para se ser capitão. Hoje já não penso assim e, creio, o capitão também não.»

A viagem começa a adquirir uma estranha dimensão surrealista a partir do momento em que o grumete descobre que o porão do navio onde viaja transporta uma grande quantidade de livros que revestem o respectivo lastro. A intenção do capitão é a de atrair o Anibaleitor, o monstro terrível devorador de livros e homens e capturá-lo a todo o custo, tal como o capitão Ahab fez com Moby Dick. Este Anibaleitor adquire as características dos seres mais terríveis dos clássicos da literatura universal partilhando os instintos assassinos do monarca marido de Sherazade das Mil e uma noites as quais acumula com instinto canibalesco de Hannibal Lecter de Thomas Harris a quem não souber entretê-lo com uma boa história. Apesar de, na verdade, o Anibaleitor gostar mais do que tudo, de devorar...livros.
O capitão, tal como o Ahab de Melville, deseja aprisionar o monstro para depois exibi-lo como troféu. Toda a segunda parte é conduzida no sentido de desvendar o verdadeiro objectivo da viagem e o que espera os tripulantes do navio.

A terceira parte inicia com o regresso da ilha onde se encontrava o Anibaleitor, em cujo discurso encontramos ecos da célebre Carta de Pêro Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel, após a descoberta do caminho marítimo para a Índia, passando pelo Brasil. A recepção, à chegada a Lisboa é festiva e os marinheiros têm muito para contar.

O final sugere o lançar de sementes para a proliferação de inúmeros “Anibaleitores”, transformados de monstros, bárbaros e violentos em seres adoráveis, pelo poder da magia das palavras contidas nos livros.


Em suma, O Anibaleitor é uma parábola bem disposta contada num estilo ligeiro mas cheio de humor inteligente que se destina a jovens e adultos com vista à reflexão através do riso. Uma leitura de férias, para qualquer “anibaleitor” em potência “devorar”, durante uma curta viagem de comboio ou avião.


Desfrutem, então. Ou degustem, como preferirem.


27.12.2012-28-09-2013
Cláudia de Sousa Dias


2 Comments:

Blogger M. said...

Muito interessante mesmo este livro!!!
De facto, quem se apresenta de forma simples ou humilde é pouco considerado no nosso país. Usasse Rui Zink uma gravata ou um colete caqui acolchoado e a história era outra ;)
Beijinhos e bom domingo!

11:34 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É verdade. Tem um bom domingo, M.! bjos

11:40 AM  

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