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Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!
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- Name: Claudia Sousa Dias
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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!
Wednesday, September 13, 2023
Wednesday, December 14, 2022
O Lado Esquerdo (monólogo) de Marta Duque Vaz (Editora Assarapanto)
Fotografia de Carla Sousa para a capa de O Lado Esquerdo
Este livro foi lançado em Maio deste ano de 2022, já na cauda da pandemia do século XXI, aquando da estreia da peça de teatro no Coliseu do Porto com o mesmo título, em adaptação do texto de Marta Duque Vaz ao palco. A estreia nacional da peça tinha sido já no dia 19 de Novembro de 2021, no Teatro Municipal Amélia Rey Colaço, em Algés. O guião e encenação estiveram a cargo de Daniel de Freitas, e a interpretação - belíssima - da actriz Sonja Valentina que nos presenteia com uma ‘Isabel’ com algumas variações subtis face à personagem com o mesmo nome de Marta Duque Vaz. Mas isso acaba por não ter importância nenhuma, uma vez que esta Isabel é una e múltipla, desdobrando-se em muitas outras mulheres. Mas já lá vamos.
Para começar, tracemos o retrato da escritora, da qual já falámos por duas vezes, nos tempos remotos deste blogue (2005 e 2015). Marta Duque Vaz é jornalista de profissão desde os dezoito anos e escritora desde os seus verdíssimos anos de adolescente. Publicou, no final do liceu, um livro de poesia, lançado na fundação Cupertino de Miranda em Vila Nova de Famalicão e, em 2015, o livro infanto-juvenil A Senhora Clap e o Mundo na Palma das Mãos o qual foi também adaptado ao teatro no Brasil com o título O Tratado da Senhora Clap e trazida depois a peça a Portugal pela Companhia em tournée.
Pelo meio, Marta Duque Vaz foi escrevendo inúmeros contos, ainda inéditos, narrativas, ensaios e crónicas, dispersos quer pela imprensa escrita, incluindo revistas literárias (p.e. Revista Egoísta, coordenada por Patrícia Reis) quer pela blogosfera, entre outras produções narrativas, ficcionais e não só, em preparação.
A peça O Lado Esquerdo nasce do cruzamento de duas vozes monologantes, Isabel e António, que são colegas de trabalho. Na peça de teatro, temos uma voz em off a representar António, que se encontra a escrever um e-mail a Isabel. Um e-mail...que não é de trabalho. A voz de António ouvida em palco é, pois, a de um autor que se encontra a ler silenciosamente o texto que escreve.
Isabel, por seu turno, responde-lhe, em alta voz, num momento diferente, muito posterior à escrita da carta de amor/e-mail de António. Isabel, com o texto impresso, lê em voz alta e vai respondendo, comentando, ao texto de António. O efeito é como se fosse uma conversa entre os dois em que cada qual fala para um microfone que esteja a gravar o pseudo-diálogo. António escreve uma confissão, Isabel responde-lhe como se este a ouvisse.
A peça tinha sido estreada em Lisboa quase no final de 2021, onde teve três récitas, para depois ser novamente levada a cena com o lançamento do livro em 21 de Maio do ano seguinte no Coliseu do Porto, mas desta vez acompanhada pelo lançamento do livro. Ao sair da sala de espectáculos, dei por mim emocionada com a interpretação sensual de Sonja Valentina e o solilóquio de uma mulher madura a qual, à medida que lê a declaração de amor-admiração que lhe é dirigida, vai reflectindo sobre as relações, os sonhos, a vida de uma mulher que já completou quatro décadas de vida e cujos sonhos e aspirações dariam para alimentar quarenta décadas - disse bem, décadas, não anos - mais.
Não consigo deixar, porém de reparar em algumas diferenças de interpretação ou divergências em relação ao texto de Marta Duque Vaz. Sonja Valentina, dirigida por Daniel de Freitas dotou a voz de Isabel, a protagonista, de uma tonalidade amarga, desiludida, que se exprime por vezes num riso levemente sarcástico, a denunciar uma certa desesperança, com o amor, com a vida e o seu percurso mais ou menos tortuoso.
Na verdade, ao assistir à peça, era frequente lembrar-me do contraste da expressão vocal da actriz e a da autora, a quem já ouvira ler o texto, em primeira mão, pelo menos em parte. A narradora de Marta Duque Vaz é uma mulher lúcida, de inteligência acutilante e humor desconcertante que, regra geral, desemboca em conclusões que deixam o leitor siderado de surpresa. Mas na Isabel de Sonja Valentina nota-se uma certa tonalidade mais escura, depressiva, nihilista que não faz parte do tom narrativo de Marta Duque Vaz. No entanto, a aparente distorção da personalidade na figura criada em palco em relação à do texto original, a personagem Isabel, acaba por não ser completamente descabida, uma vez que a Isabel de Marta Duque Vaz é alguém que se desdobra em múltiplas mulheres, podendo assumir facetas de humor que não estão contidas nos momentos descritos no texto. Isabel é pois uma mulher que representa as múltiplas faces da mulher universal. Como narradora e personagem principal, Isabel é alguém que tem consciência desse desdobramento, dessa ocupação do corpo pelo espírito das outras mulheres, mas o contrário - as outras terem acesso à consciência de Isabel - não acontece, o que faz dela um narradora omnisciente.
Ora, na peça, o espectador não consegue aperceber-se desse desdobramento, que resultaria numa polifonia que enriqueceria bastante mais a peça, mas seria de uma exigência extrema em termos performativos, obrigando à libertação dos múltiplos ‘eus’ femininos que habitam o corpo de Isabel e formam o todo de que é composta a mesma personagem. Em matéria de plurivocidade este texto de Marta Duque Vaz está ao nível de ‘Kew Gardens’ ou de ‘The Fascination of the Pool’, ambos de Virginia Woolf. E, por isso mesmo, estou convencida de que esta será talvez a maior mutilação, operada ao texto original, apesar de o efeito ser agradável ao espectador, cativado pelas palavras da autora na boca da actriz, mas em que são retiradas, em grande parte, a riqueza e a complexidade ao texto de Marta Duque Vaz.
Por outro lado, o texto que representa a voz de António, sendo ele baseado e adaptado de um conto ainda inédito da autora, mas que já lhe havia garantido um prémio numa das edições de ‘O Escritor Famoso’, em 2005, concurso patrocinado pela extinta livraria O Navio dos Espelhos, em Aveiro. A adaptação ao palco mostra um homem que se encanta pela figura do corpo da colega de trabalho da qual, sentado à sua secretária, só consegue observar o seu lado esquerdo. O olhar de António atravessa assim a janela do escritório para fora, em direcção à janela do prédio ou do bloco de escritórios em frente ao seu, e onde se encontra Isabel. E isso também não foi completamente perceptível na peça a que assistimos, na qual a protagonista já se encontra em casa, e se vai despindo, executando os gestos e rituais de uma mulher auto-suficiente, que vive sozinha, in a flat of her own, etc.
O final, na peça, é também completamente divergente do dos textos originais. Mas mesmo assim vale a pena assistir à mesma, que funde, de forma harmoniosa, os dois belos textos da autora.
Rosa Alice Branco, no prefácio para esta edição, a qual também apresentou no Coliseu, faz ver que:
«António explorou a fala do corpo de Isabel a partir da visibilidade possível que indicia no lado esquerdo da mulher e desencadeou uma reacção nuclear de todas as mulheres tatuadas em Isabel. O texto é infinito, na medida em que era possível continuar a escrever indefinidamente o que Isabel pensa de si - dessas outras de si - da sua vida, das suas crenças, dos seus delírios. O que outros julgam saber de si. Sobretudo o que se ignora e se multiplica pelas páginas em hipotéticas celebrações da vida e da ausência: da poesia, pela voz das suas poetas, que lhe tecem e destecem os seus caminhos que se abrem nas entranhas».
Pedro Trindade teve a ingrata tarefa de comentar a sequência fotográfica de Carla Sousa antes de ver a peça e sem ter tido acesso ao texto de Marta Duque Vaz, mas conseguiu capturar a essência das fotos: a expressividade dos gestos de Sonja Valentina que Carla de Sousa consegui congelar no tempo e a complementaridade dos adereços que fazem parte do cenário. De facto cada objecto tinha a sua simbologia e o seu lugar na peça. Este é o lado brilhante de Daniel de Freitas enquanto encenador, onde nada foi deixado ao acaso.
O livro é um belo objecto de colecção, com capa de Francisco Carvalho Diniz, que já havia feito também a capa do primeiro livro de Marta Duque Vaz, Aclive (poesia). O texto de O Lado Esquerdo é ilustrado com fotografias que representam alguns dos momentos mais expressivos da peça, com Sonja Valentina a dar corpo à voz de Isabel, captada pela objectiva da fotógrafa Carla de Sousa, natural de Luanda, Angola. Pode mesmo dizer-se que Carla de Sousa captou os melhores momentos da performance de Sonja com uma extraordinária beleza plástica.
O texto encontra-se estruturalmente dividido em nove secções, cada uma delas um desdobramento da personalidade de Isabel. No entanto, é impossível fazer corresponder a cada secção ou capítulo, o nome de cada uma das mulheres que aparecem no texto. A alguns destes podem mesmo corresponder duas ou três ocupantes do corpo de Isabel, a representar diferentes arquétipos corporizados. Num único corpo físico lutam assim estereótipos femininos diversos, por vezes até antagónicos, a representar relações, memórias, toda a casta de emoções e afectos. À medida que avançamos no texto percebemos que são os momentos de solidão que permitem a Isabel alimentar estas mulheres: a mesma solidão que facilita a construção do próprio discurso, resultando numa profusão de vozes que se cruzam e dialogam à vez, com o seu público real - os ouvintes - , e fictício - António, autor do e-mail que desencadeou, no momento em que Isabel vê o texto, já em casa, o coro de vozes que, dentro de si, se manifesta.
Um texto monologal, desconcertante e belo, que fala essencialmente de amor e solidão, por uma protagonista que surge sempre pronta a reiniciar a vida. sem dar nunca lugar à descrença na felicidade.
Vila Nova de Famalicão 14 de Dezembro de 2022,
Cláudia de Sousa Dias
Friday, August 26, 2022
"Histórias do Diabo" (Contos) de Orlando de Albuquerque (Capricórnio)
O autor deste livro, hoje esgotado e só encontrado em alfarrabistas ou em espólios de bibliotecas, foi um médico angolano, nascido em Moçambique, casado com a poetisa Alda Lara. Viveu grande parte da sua vida profissional no Minho, na cidade de Braga onde exerceu clínica. A sua outra faceta, a de escritor acompanhou-o, no entanto, como uma vida paralela. Começou a publicar em 1947, altura em que viu o seu primeiro livro de poesia, Batuque Negro, censurado e proibido de circular pela PIDE.
A produção literária de Orlando de Albuquerque estende-se no entanto por vários géneros, desde a poesia ao romance, passando pela crónica e o ensaio. Sem esquecer, também, a actividade como dramaturgo e contista. Estas duas encontram-se estreitamente ligadas a julgar pelo minúsculo volume de contos de que hoje aqui tratamos e cuja coloquialidade, posta na voz do narrador, sugere uma riqueza de modalização que torna a obra facilmente adaptável ao teatro, na forma de monólogo.
Os contos deste volume são na verdade pequenos monólogos, relatos narrados por uma voz popular (ou populista?), altamente persuasiva, mas revestida de uma pungente ingenuidade, susceptível a superstições, crente (?) e, pelo menos na forma do discurso, reverente ao sobrenatural. O discurso é fluido e ininterrupto, errático, algo caótico, como é típico das narrativas de tradição oral, marcada por inúmeros meandros e desvios face à trama principal, com com narrativas secundárias encaixadas. Trata-se por isso de um discurso polifónico, multi-vocal, embora vertido pela fala de um único locutor. Este é alguém altamente persuasivo, convencido da posse daquilo que apresenta como sendo uma única e absoluta verdade. Os factos que vai apresentando, contudo, desmentem-no, tornando-o numa personagem cómica, como é o caso da primeira história: “A verdadeira história do padre que agarrou o diabo pelos cornos quando este lhe andava a roubar as couves”.
As histórias têm sempre como protagonista o mesmo sacerdote: o padre Apolinário, sacerdote da velha guarda, que mantém a sua ascendência sobre os fiéis através da inculcação do medo do demónio, praticando e predicando uma fervorosa fé - e cobrando, claro está, dinheiro pelo serviço e arrecadando prestígio e poder através da submissão - à conta de exorcismos, rezas e bênçãos de que o seu público, profundamente crente e sugestionável, é súbdito e devedor.
Este trabalho de Orlando de Albuquerque torna-se, ao mesmo tempo, uma sátira e um retrato das crenças, dos medos mais profundos no seio de um país onde há nem meio século a esta parte grassava o analfabetismo e o medo ou desconfiança de tudo o que fosse conhecimento científico ou intelectual, principalmente nas camadas mais humildes e menos letradas do Portugal do fim da ditadura. O livro foi publicado primeiramente em 1979 e as histórias escritas alguns anos antes. Todos os contos incluídos neste volume apresentam, por isso, um padre Apolinário como líder espiritual sem rival na povoação da freguesia de Alívio (nome fictício), mas estas histórias mas são contadas por uma mesma voz que cita uma multiplicidade de outras vozes (de forma directa, indirecta e através de discurso indirecto livre), quase todas com o mesmo grau de credulidade.
A nota inicial do autor confirma estas Histórias do Diabo tratarem-se de uma recolha de narrativas de tradição oral, recompilada e articulada sob a forma de histórias interligadas - o Padre Apolinário surge como principal divulgador da crença no sobrenatural e na existência do diabo pela boca de um narrador, que lhe é próximo - relatando fenómenos supostamente (ou nem tanto) paranormais, recheados de condimentos discursivos, arranjados de forma a captarem facilmente a atenção do ouvinte. Na nota de agradecimentos, o autor dá a entender serem todas essas histórias provenientes da mesma fonte: um narrador que lhas haveria contado, em primeira mão, ou não, estas lendas com algo de gótico ou fantástico - o Ti Joaquim das Fontaínhas.
“São devidos pelo Autor ao Ti Joaquim das Fontainhas, verdadeiro narrador destas histórias, exemplo de paciência para a minha muito ignorante curiosidade que a sua tradicional sabedoria, bebida na cepa dos melhores valores avoengos esclareceu e informou”.
E por fim, ainda em nota do Autor, em forma de dedicatória ao Padre Gonzalez, surgindo como introdução à obra onde dá a entender a sua real forma de pensar, demarcando-se do narrador das suas histórias, apresentando uma postura bastante mais céptica embora não frontalmente iconoclasta:
“Posto isto, estou como aquele seu patrício, que dizia «yo no creo en brujas, pero que las hay las hay...». Que o diga o Padre Apolinário , que um dia até agarrou o pé-de-cabra pelos cornos. (...) Coisas do diabo, não haja dúvidas...”.
Na explicação da obra, à laia de provocação ou simplesmente travessuras do Autor explicadas jocosamente na dedicatória ao padre Gonzalez Quevedo, o Autor esclarece, num discurso híbrido, onde deixa a dúvida se o pensamento reproduzido é o dele próprio ou do narrador, deixando entrever o real teor e intenção da obra:
“Este livro trata das Histórias do Diabo, que ora aqui se contam e que por verdadeiras se devem ter e delas deve o leitor, atento e consciencioso, bom exemplo e proveito tirar, para que nelas encontre sólida armadura e defesa, que o livrem das solicitações do demónio e demais tentações que existem neste mundo para desgraçar as almas e conduzi-las pelos ínvios caminhos da perdição”. Este pois é o teor das histórias que foram inspiradas pelo Ti Joaquim das Fontaínhas, mas a que o autor se apressa a esclarecer acerca do seu próprio posicionamento, colocado num limiar da descrença, em dedicatória a um pragmático Padre Quevedo.
Os títulos das histórias, por si só, fazem as delícias dos mais exigentes satiristas:
- A verdadeira história do padre que agarrou o diabo pelos cornos, quando este lhe andava na horta a roubar as couves.
- De como a Rita do Regedor esteve endemoninhada e Padre Apolinário a exorcizou e depois de casada nunca mais foi presa do malvado demónio.
- De como o avô do narrador foi dar com uma feiticeira a cavalo num tonel de vinho e a chupá-lo por uma cana e acabou por lhe perdoar.
- De como o Diabo se disfarçou numa donzela vestida de branco para perder a alma de um pecador e depois se esqueceu das cuecas, que afinal aram vermelhas.
- Em que se narra ao leitor o mistério das vozes na noite e de como este mistério foi finalmente esclarecido para socego (sic) e descanso das boas almas, que estiveram em grande risco e à beira da perdição.
- Do desaparecimento de algumas celouras (sic) [ceroulas] e outras tropelias que o diabo praticou em casa do Padre Apolinário e como depois se veio a pôr tudo em pratos limpos, com grande escândula de toda a gente.
- Em que se conta a incrível história que aconteceu ao Padre Apolinário em que este obrigou o diabo a ajudá-lo à missa.
- Onde se conta como a Lucinda reconquistou o amor do Joaquim Piloto e como ela afinal era um coração de oiro e tudo terminou em bem.
- Aqui se descobre a origem da estranha guerra de Padre Apolinário com o demónio e a safadeza que o Cornudo lhe fez, tentando arrastá-lo para a perdição, na figura de uma rapariga, que por acaso até era a sua governanta...
(Alerta de spoiler):
A esmagadora maioria dos contos aqui reunidos apresenta a descrição do fenómeno sobrenatural pela voz de alguém que é ou que se diz crente e que tenta persuadir a audiência - leitores ou ouvintes - da veracidade das mesmas e da existência do Diabo e das suas perversas artimanhas. No entanto, a própria narração dos factos coloca essa “verdade” em causa, como é o caso do desaparecimento dos produtos hortícolas do do quintal do Padre, como sendo obra de um bovino e que o narrador insiste ser a incarnação do próprio Satã - o tal misterioso “vulto de chifres”. Ou o autor da voz misteriosa, que se ouvia à noite em casa do Padre, e cujas ordens e directivas beneficiavam sempre o mesmo muito terreno destinatário. Ou o assalto à casa do sacerdote por outro diabo muito carnal, que acaba a ajudá-lo à missa, à laia de penitência. Uma suposta bruxa que rouba vinho, interfere com os seres do outro mundo para que aquele que a pode denunciar nunca tenha “azares” na vida. A gravidade da condição feminina é entrevista na situação da jovem atormentada por um demónio, silenciada pelo padre e pelo medo e que depois “sossega” [será?] ao casar e sair da alçada de um parente próximo que a violava. Um silenciamento operado pelo poder patriarcal, operado logo no segundo conto, o mais dramático de toda a colectânea.
Mas o mais interessante da obra é ainda um ponto de vista feminino que é mediado pelo narrador traduzido numa situação cómica desmascarada por uma mulher, que aponta a contradição entre os aspecto da roupa exterior visível e da roupa interior para denunciar a carnalidade do ser supostamente do outro mundo.
A obra de Albuquerque poderá apenas ser igualada pela de Gil Vicente na sátira e denúncia de falsos milagres, pelo que é uma pena que se encontre fora de circulação, soterrada em armários bolorentos ou armazéns inundados pela humidade e teias de aranha.
Vila Nova de Famalicão, Maio de 2022
Cláudia de Sousa Dias
Wednesday, July 27, 2022
Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos de Alves Redol (Europa-América, Col. Livros de Bolso)
1. Dados Biográficos e Contextualização da Obra
Thursday, April 21, 2022
Too Much and Never Enough by Mary L. Trump - How my family created the world’s most dangerous man (Simon&Schuster)
Olá a todos. Ando com muito pouco tempo e também muito pouca vontade de escrever (hoje em dia ninguém lê blogues). Mas deixo aqui o link para um sítio onde, muito de vez em quando ainda porto alguma coisa.