Este pequeno livrinho de pouco mais de cem páginas expressa aquilo que a escritora Matilde Rosa Araújo apontava como sendo uma obra que focalizava essencialmente os direitos da criança. Daí o facto de o escritor construir um ethos das principais personagens femininas (que supostamente e segundo a Constituição de 1933 teriam ‘naturalmente’ a função de educar, mas que acabam por não ser só não só as personagens femininas a fazê-lo, como veremos mais adiante) responsáveis pela educação de Constantino, Este surge-nos, à primeira vista, como um menino muito pouco simpático, devido à firma desabrida, ríspida e modos bruscos que demonstra, mas que são o reflexo com que os adultos tratam o jovem. Desde a professora que desfere desvairadas reguadas como método pedagógico, à avó com o se hábito de resmonear por entre dentes (pag.69: 1975), descontente e arreliada pelo facto de o neto querer brincar com os outros amigos ao invés de trabalhar no campo, um resmungar que aparece onomatopeizado pela repetição frequente da expressão ‘ferrum-fum-fum’ (itálicos meus).
4. O tratamento dado às mulheres na obra - a questão da violência doméstica
No seguimento do ponto anterior, e após conhecer o PDV da avó em relação à infância, torna-se necessário olhar para a obra na perspectiva do tratamento e imagem que é deixado transparecer em relação às mulheres, que vão sendo mencionadas ao longo da narrativa.
No início da primeira parte - “Um cuco Rambóia” - o capítulo intitulado ‘Pequeno labirinto de nomes e alcunhas’, a situação da condição feminina está patente na tentativa de justificar o porquê de a mãe de Constantino ter escolhido, embora não sozinha, um nome tão imperial e tão fora da genealogia familiar. A intenção de escolha prende-se, em primeiro lugar, com as expectativas de futuro para o filho - para aproximá-lo um pouco de quem é ‘grande’, como o Imperador, o que deixa entrever na mãe de Constantino uma certa insatisfação com a sua condição social. Depois, um nome tão invulgar na família, serve para se distinguir dos restantes homens do clã, evitando-se gerar confusões na hora de se lhe dirigir ou de o mencionar. Mas mais importante ainda, elimina-lhe um problema de atribuição de um derivativo do nome para o distinguir de outros familiares homónimos, facto que que lhe poderia causar sérios conflitos e torná-la inclusive alvo de violência, como uma outra mulher que conheceu em tempos:
«Por voto do padrinho e assentimento dos pais, recebeu no registo o nome de Constantino. É um nome bonito, sim senhor. Na aldeia não há outro igual, e isso é bom, pensou a mãe; escusa uma pessoa de matar a cabeça como em certas casas em que os homens usam o mesmo nome e ninguém se entende. Na Chamboeira conheceu ela uma mulher, a Ti Pirralha, metida num inferno de portas adentro por causa de o marido, o filho e o neto se chamarem António. Enquanto o rapaz foi pitorro, tudo correu bem. Um era o António Grande, o outro só António e o mais novo o António Pequeno. O rapaz, porém, deitou muito corpo, e depressa, enquanto o avô continuou cartaxinho, cartaxinho e melindroso, pois começou a pôr-se de vidro fino, quando a mulher lhe chamava Grande, vendo nisso uma artimanha dela para se vingar de certas desfeitas que lhe fazia quando bebia um copo a mais.
“Grandes são os burros”, refilava então o velho, muito rezingão, com o reumático nas cruzes, umas dores parvas como dentadas de lobo. Mas andou tudo raso naquele casal quando a Ti Pirralha o tratou por António Velho para chamar Novo ao neto, o que incendiou o marido, e de tal jeito que a mulher se teve de esconder três dias na casa de uma vizinha.
“Velhos são os trapos!”, gritava o António Pirralha chamando Corja ao povo inteiro de sua aldeia - que não gostava muito dele, valha a verdade.
Foi isto mais ou menos que a mãe do Constantino lembrou ao marido para defender o nome escolhido pelo compadre. Constantino era um nome bonito para rapaz, devia ser um nome de cidade, e já que um pobre não tem luxo, ao menos que na graça seja igual aos outros.» [p.9-10].
5. A caracterização Psicológica de Constantino
A construção do retrato psicológico do protagonista é-nos dada quer de forma directa, pelas outras personagens - por exemplo, a mãe quando diz que o filho é muito senhor do seu nariz’ -, mas que implica quase sempre um juízo de valor das mesmas, quer pela descrição das suas atitudes, deixando o leitor julgar por si. Estas atitudes de Constantino, muitas vezes comportam um teor mais ou menos elevado de violência, sobretudo psicológica, que se repercute em repostas desabridas e reactivas, raiando a má-criação. Estas reacções têm no entanto um contexto: elas nascem a partir da forma como é tratado pelos adultos, que não sabem educar mas apenas repreender, humilhar física e psicologicamente - a rispidez dos adultos e sobretudo da avó roça, na maior parte das vezes, o abuso emocional. E a reacção de Constantino é, normalmente, embora nem sempre, consequência directa deste tratamento abusivo, transformando-o a ele próprio no abusador como se vê na cena protagonizada por ele e pela irmã mais nova, Ana Maria, como veremos mais adiante. Mesmo assim, o abuso face à irmã é despoletado pelas atitudes dos adultos, sendo a avó a que usa os discurso mais áspero com o neto:
«A conversa com a Ti Elvira é mais ou menos a mesma.
◦ Não ouviste chamar por ti, moço?
◦ S’ouvisse não vinha logo?
◦ Então és surdo...Tão pequeno e já surdo.
◦ Isso é que não, surdo não sou...
Constantino sabe que os velhos têm o ouvido duro; a mãe diz-lhe, por outro lado, lá porque em casa não se dá muito à risota, que parece um velho, que é rabugento como um velho. E ele não gosta dessas brincadeiras, porque um velho está mais perto da morte, e prefere não pensar que terá de morrer um dia...
Então refila:
◦ Mas não sou surdo...a avó é que podia gritar mais alto...
◦ Só se gritasse tanto que me ouvissem em Bucelas...Vinha aí o povo todo, julgando que me estavam a matar.
◦ Porque é que a avó não se põe do lado do vento?
◦ Porque tu te punhas logo do lado da chuva: andas sempre ao contrário.
◦ Cale-se para aí, mulher!» [p.11-12].
E como este há bastante mais exemplos no texto. Mas o processo de construção da personalidade de Constantino é ainda mais complexo: faz-se não somente por reacção a outros comportamentos, mas também por modelagem, remetendo-nos para o que foi dito anteriormente no ponto quatro, para uma sociedade estruturada segundo o género e em que o género masculino é moldado para exercer o domínio sobre o género feminino. A forma como as mulheres são desvalorizadas dentro deste tipo de sociedade onde o seu valor só é reconhecido dentro do espaço doméstico - e mesmo assim sob a autoridade do marido quando em casa - pela esmagadora maioria da população masculina adulta ajuda também esculpir as atitudes de Constantino face a todas as figuras femininas que surgem na narrativa. Em primeiro lugar, em relação à avó, como acabámos de ver; depois, à mãe; às lavadeiras no rio; e sobretudo à irmã mais nova, Ana Maria, cuja voz nunca se manifesta explicitamente no texto e cujo sorriso Constantino se esforça por apagar, logrando o seu objectivo de forma bastante eficaz e com um único enunciado que surte efeito imediato:
«Para não lhe atirar com um cavaco acima, a Ti Elvira acena a cabeça, conformada, e volta para a lida, enquanto a neta, a Ana Maria, mais nova do que Constantino cinco anos [tem, portanto, sete anos] os espreita da janela e sorri, fechando os olhos e mostrando a boca quase desdentada. O rapaz afina. Joga as palavras como pedras de uma atiradeira [fisga]:
- Achas graça?!...Vê lá se te cai o resto dos dentes. Ficas como a avó...
A Ana Maria depressa fecha a boca, compõe o cabelo loiro que lhe cobre a testa, alta, e finge não ouvir o irmão.» [p.12].
O resultado do tratamento dos adultos face à criança e de um exemplo de uma conduta muito pouco ou nada exemplar e ainda menos pedagógica que são passados às crianças fazem de Constantino uma criança irascível, taciturna e vingativa, como se vê no episódio junto ao rio, com as lavadeiras, ou do jovem forasteiro com a bicicleta. Mas o corolário é mesmo o abuso verbal a que submete Ana Maria, a irmã cuja voz nunca se manifesta no texto e de quem só percebemos as consequências da violência verbal do irmão mais velho pelas atitudes externas, como se vê no excerto acima citado. Constantino passa a exercer ele próprio violência verbal ou física sobre quem é mais frágil (os animais, como veremos na secção seguinte, no ponto 6), vulnerável ( como a irmã, de quem tem ciúmes), sobre quem é diferente (o jovem da cidade, de quem cobiça a bicicleta) ou está em desvantagem (as lavadeiras no rio que afugenta, à pedrada para poder nadar à vontade).
6. O tratamento dado aos animais pelo protagonista
A forma como Constantino trata os animais é também reflexo de uma sociedade violenta que não considera os animais seres ‘com alma’. Mesmo assim, há quem veja em Constantino uma impiedade face aos seres indefesos, como é paradoxalmente o caso da Ti Elvira, como veremos no ponto 6.2. ao explorarmos o episódio dos pintassilgos. Esta secção explora dois exemplos de repressão de seres que não têm ‘voz’ e são olhados pela sociedade de então como não tendo direitos, como todos aqueles que estão na posição de dominado. O facto de este tipo de atitudes em relação a crianças e animais ser explorado de uma forma tão livre e explícita por Alves Redol, usando a voz do narrador de Constantino e a das personagens, tanto em discurso directo como em discurso indirecto livre e até em Quasi-PEC (forma híbrida de narração onde, segundo Alain Rabatel) é quase impossível distinguir se o fluxo de pensamentos é imputável ao narrador ou às personagens), mostra que este tipo de situações era considerado como normal entre as gentes do povo, uma vez que o livro não foi sequer apreendido pela censura ou interdita a sua publicação em 1962. O autor não faz nenhum juízo de valor no texto, limitando-se a expor situações do quotidiano, cruzando as diversas vozes e perspectivas, mediadas pelo narrador, que mantem o máximo de fidelidade possível ao discurso local da gentes dos campos e campinas Ribatejanos.
Os animais aqui se não têm voz têm, pelo menos, atitude e dividem-se entre dois tipos: os que obedecem e os que resistem. Há ainda um terceiro tipo, que são aqueles que colaboram na opressão, como os cães de caça, que tudo indica tratar-se de uma alegoria à PIDE, que passou absolutamente indetectável à censura. O cão, quando deixa de obedecer e de procurar a constante aprovação pelo dono e opressor é morto por este.
6.1. Cães, peixes, vacas e outras bestas.
A tentativa de domínio das bestas por Constantino é quase sempre alvo de oposição por partes das mesmas. Com uma única excepção: os cães, como já foi referido. Segundo a Ti Elvira, “Os olhos dum cão não enganam”(p.46). Os cães colaboram com os humanos no exercício do domínio destes face a outros animais, como é o caso das ovelhas, que fogem à Ti Elvira- A função dos cães é servir o dono e meter as ovelhas na ordem (tal como a PIDE servia Salazar ao controlar os dissidentes). A Ti Elvira irrita-se em desespero com a rebelião do supostamente tranquilo gado ovino:
«Pareciam doidas, com o Belzebu no corpo, a borregar e a correr, de tal jeito que levantavam uma nuvem de poeira , como se fosse uma manta de nevoeiro caída em cima da gente.» [p.47].
São depois os cães que fazem o trabalho ‘sujo’ de as reconduzir ao curral para agradar à espécie dominante. Não há também aqui qualquer juízo de valor textual, no discurso do narrador. Só se percebe o papel do cão junto da espécie humana, aqui, ao compararmos com a atitude dos restantes animais, como veremos a seguir.
«Fora o Tunante, que guarda o curral das vacas, e o Lisboa, que é arraçado de perdigueiro e tem faro especial para levantar perdizes, há ainda a Rasteira, uma cadela amarelada, de perna curta e orelha graúda, companheira de Constantino por toda a parte, vá ele à folha de cana para as vacas ou as leve a beber água à fonte, se meta no rio a pescar ou ande perto de casa a imaginar distracção.
(...)
A Rasteira acha-se com certos direitos.
(...)
A cadela de perna curta sabe dar amizade e da fiel, mas também gosta de se ver retribuída nas suas inclinações» [p.49-50].
Mais adiante o narrador reforça ainda mais esta perspectiva do cão ao serviço da opressão e submissão dos outros animais ao homem:
«Mas o jeito de Constantino para os animais fica-se pelos cães e por uma das vacas, a Mimosa [a única submissa, mas não opressora, como a Rasteira, em relação aos peixes, como veremos mais adiante]. Com as burras, a coisa sai-lhe sempre torta», [p.51].
Constantino, ao contrário da Ti Elvira que conquista os animais com comida, tenta sempre dominar a desobediência usando a repressão e a violência, na burra e noutros animais, como faz a professora nas aulas a ele próprio e aos alunos que não aprendem, à vergastada e à reguada. E, quando não consegue ser imediatamente obedecido, tem ataques de fúria como o que se segue:
«Mas a Janota que mais parecia uma árvore fantástica e andarilha, tomava o bramar do dono por incitamentos, e logo se largava mais, e mais, e tanto que numa curva da estrada atirou por terra com a maior parte do carrego.
Foi ali mesmo uma feira de chinfrins.
O rapaz estava zaranza. Atirou com o chapéu de palhiça ao chão, foi-se à burra e socou-a entre as orelhas, largou-se aos pontapés ao monte de folhagem e cortava o ar com todo o repertório de palavras pesadas que aprendera desde menino. Andou naquele sarilho um tempo sem conta, como se precisasse de se esgotar.» [p. 78].
Na verdade, os animais não são apenas zurzidos por Constantino mas por quase toda a comunidade que acha que a desobediência se pune com violência, no tocante ao gado ovino, caprino, bovino, asinino ou equestre. Exemplo disto, no texto, são as vacas que fogem ou se pegam por questões territoriais. O castigo deste comportamento é o espancamento ou o matadouro.
Por outro lado, os peixes também se rebelam contra Constantino, escapando-se-lhe corajosamente de um anzol ou astutamente da armadilha de canas no rio, como se vê nos dois excertos que se seguem. Veja-se aqui o papel que ocupa a ‘fiel’ cadela Rasteira:
«Vêem-se passar as bogas, os bordalos ou os barbos, com os seus bigodes de gato, e aí começam as ansiedades: pega não pega, de repente o peixe vai direito ao anzol, abre a boca, arrepanha-se logo o coração do pescador e então é vê-lo morder na isca, comê-la e borrifar-se para o anzol, safando-se com um sacão, ou ficar preso e agitar-se a sacudir o rabo a contorcer-se. E, num golpe rápido de braço, ergue-se a cana para recolher a linha com a mão, arrancando o peixe às convulsões e atirando-o para cima da erva, onde acabará aos poucos sob o olhar vigilante da Rasteira, que lhe ladra de vez em quando.» [p.82].
Mas com a armadilha da caniçada é que as coisas não correm mesmo nada bem:
«Punham a caniçada de baixo de água, o Constantino ficava na parte mais larga e aconchegava-se à margem, metendo uma das mãos na casa dos peixes.
(...)
Mas os malditos pareciam pressentidos, os peixes são espertos, olha pois não, já andavam por ali há um bom bocado e só tinham agarrado uns quatro ou cinco bordalos, apesar de na caniçada terem entrado muitos que se esgueiravam depois pela parte mais estreita, à guarda do Salamin [outro dos cães]. Aquilo começava a danar o Constantino.» [p.84].
6.2. Os Pintassilgos - Liberdade ou Morte
Os únicos seres que de facto conseguem derrotar Constantino e o seu instinto de domínio e posse, ainda que à custa da própria vida, são os pintassilgos que preenchem um dos episódios mais dramáticos da novela, como as personagens de uma tragédia antiga ou de uma história de Kazantzakis.
A beleza e a fragilidade aliados ao canto sublime dos pássaros cativam Constantino e os amigos de brincadeiras e tropelias. Em Constantino, não é o amor aos pássaros que o motiva a acolhê-los e a cuidá-los mas sim a vaidade, o desejo de criar a admiração e a inveja nos amigos.
Aqui a avó, como que exercendo o papel de pitonisa avisa-o de que pintassilgos presos “não trazem sorte”. O aviso é olimpicamente ignorado por Constantino, como o são os avisos de toda e qualquer cassandrica pitonisa, destituída de estatuto e autoridade.
Constantino, enquanto guardador de ninhos de pássaros selvagens, perde a guerra com aqueles indefectíveis amantes de liberdade, que escolhem a morte face à inevitabilidade de uma vida em cativeiro. Esta atitude das frágeis aves canoras, fazem lembrar um título do romancista cretense Nikos Kazantzakis, Liberdade ou Morte, é o único factor que desencadeia a também única mudança efectiva no comportamento de Constantino, que nunca mais voltará a caçar pintassilgos. O capítulo “Os pintassilgos gostam de liberdade” é um dos mais belos e dilacerantes da obra:
«A gaiola lá estava com os dois pássaros, mas a Ti Elvira comentou com o neto:
◦ Os pais deram com eles e foi uma piadeira toda a manhã...Vieram dar-lhes de comer às grades. Até fazia dó....Deus me perdoe se uma coisa assim não é pecado!», [p.32].
Mais tarde as visitas dos pais aos filhotes tornam-se um hábito, que diverte Constantino:
«Satisfeito consigo andava ele e com razão. Os pintassilgos pequenos já brincavam no cativeiro, os pais traziam-lhes comida nos bicos, e o mundo parecia correr às mil maravilhas naquele compromisso da Natureza com um rapaz que era grão-senhor de meio cento de ninhos.» [p.33].
Mais tarde Constantino decide capturar também os pais e a tragédia acontece. Impossibilitados de procurar comida, os progenitores entram em greve de fome, recusando a submissão ao carcereiro em troca de comida e escolhendo a morte. Uma lição que Constantino não esquecerá.
7. A viagem - uma odisseia
Na última parte, aquela em que o autor melhor expõe a beleza a da sua prosa, é descrita uma viagem sonhada de Constantino, num barco - como Ulisses - que Constantino e os amigos haviam construído. Essa viagem nunca chega a acontecer fora do sonho porque a sorte lhe troca as voltas. Mas realiza-a durante o sono, com todos os perigos e bravatas que lhe são inerentes, mas que por se tratar de um sonho não têm consequências. O leitor facilmente percebe que o barco é demasiado frágil para a viagem longa que pretendiam fazer, descendo o Tejo com um grupo de pré-adolescentes. O autor escolhe então realizar-lhes uma aventura de conteúdo onírico, tornando-a exequível por meio do recurso ao fantástico e ampliando o valor estético e literário da história, criando um forte contraste com o teor marcadamente neo-realista das peripécias anteriores. A mensagem do episódio é a de que a persistência e a realização dos sonhos vale a pena, mas os meios para o fazer devem ser escolhidos com ponderação.
Constantino é pois guardador de várias coisas, incluindo sonhos onde se desenha um futuro, e de ninhos, nos quais vigia a liberdade dos seus ocupantes. Mas também é guardador de vinganças terríveis e implacáveis. Um retrato de uma personagem dual, polémica, que desconstrói uma ideia idílica e romântica da infância.
A história de Constantino é também um eloquente retrato etnográfico, situado num tempo e num espaço específicos, por onde perpassam regionalismos e maneirismos linguísticos locais.
Uma obra que em muitos sítios da Web vemos como indicado para a infância, mas que por tudo aquilo que foi dito nos parece como não dirigido a crianças mas sim aos que têm por missão educá-las, sejam pais, professores ou simples cidadãos que com elas convivam.
Um livro que é sempre bom revisitar para manter viva a memória de um tempo felizmente passado (para a maior parte das crianças e dos pais do tempo presente).
Edição Actual
Vila Nova de Famalicão, 25 de Julho de 2022
Cláudia de Sousa Dias