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Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Sunday, April 26, 2009

“O Conquistador” de Almeida Faria (Caminho)


Esta é uma divertida novela de Almeida Faria, marcada pelo toque de realismo mágico/surrealismo a lembrar um pouco o estilo brejeiro e o humor, cheio de especiarias, de Jorge Amado.

O misticismo que envolve o lendário desaparecimento de D. Sebastião surge, nesta obra, para servir de enquadramento ao ambiente insólito que rodeia o nascimento do protagonista, homónimo do rei desaparecido em Alcácer-Quibir. Sebastião adquire o nome do malogrado monarca por ter nascido no dia consagrado ao Santo com o mesmo nome. O fenómeno é contado pela avó Catarina, que se serve do inverosímil, para camuflar a origem incerta da paternidade do neto, onde está presente uma intertextualidade com o episódio da mitologia hindu que explica a criação – o nascimento de Brama –, ou até mesmo com a mitologia egípcia relacionada com o nascimento de Rá.


Por outro lado, as bizarras personagens que assistem à chegada do jovem Sebastião ao mundo, parecem saídas de um quadro de Hieronymous Bosch ou Dalí vão desaparecendo à medida que este cresce.
O nascimento de Sebastião é assinalado por um espectacular terramoto, que parece anunciar tratar-se este de alguém que irá gerar controvérsia e provocar cataclismos pessoais, sociais e nacionais
.

O recurso à hipérbole e à utilização do absurdo estão associados à infância do pequeno Sebastião – vindo das brumas como a reencarnação do antigo soberano, para realizar aquilo que ele não realizou na outra vida: as conquistas amorosas. Este decide então, já adulto, contar as suas memórias, por altura do seu 24º aniversário, propondo-se relatar as suas façanhas sexuais, missão que acredita firmemente ter sido incumbido de realizar com o regresso à vida terrena.

A primeira fase da vida do jovem passa-se na casa do farol, situada no cabo da Rocha. É uma infância marcada por privações, vivida com a avó, mas onde não falta o afecto, garantido pela anciã. Esta imprime-lhe a marca cultural de onde se salienta a importância cultural dos saberes tradicionais, superstições e rituais de esconjura do mal, criando uma intertextualidade com o conteúdio das lendas e à tradição ocultista de de S. Cipriano, bem como todo um manancial de provérbios que reúnem o saber popular.

A passagem à adolescência, dá lugar a um período de transição onde se nota a tendência para uma priápica sexualidade, a par do fascínio pela música anglo saxónica nos anos, na época do apogeu do rock n’roll, dos bailes de garagem e daquele estilo que dança que o Autor compara a um ataque de epilepsia mas que coexiste com as danças consideradas clássicas para a época, como a valsa, o tango e o paso doble. O início da socialização do protagonista com o grupo de pares onde adquire e aperfeiçoa a capacidade de agangariar admiradoras

A sexualidade precoce do jovem manifesta-se, contudo, logo na pré-adolescência, entre os 8 e os 10 anos, um proto-erotismo /fetichismo cujo principal objecto é a professora primária, Justina, mulher que transpira sexo por todas as costuras e com a qual um dia Sebastião vai – ou sonha que vai – à caça dos pássaros numa praia deserta lá para os lados do Cabo da Roca.

A trama é composta por pequenos episódios ou sketches, marcados por uma divertida heresia e humor negro cujo objectivo é o de afrontar a “beatice” do Estado Novo, principalmente nas cenas em que o protagonista se dispõe a relatar os jogos de competição e proezas sexuais entre os colegas.
O primeiro grande amor do já adolescente Sebastião é uma jovem culta e inteligente, vinda do EUA que passa as férias em Portugal na residência de Verão de Gloria Swanson.

Sebastião possui uma cultura de raiz clássica, adquirida no liceu, expressa na sua prosa pela referência a Láquesis, uma das filhas da Justiça, irmã de Némesis. O convívio com a namorada dá-lhe a oportunidade de aperfeiçoar o inglês e aperceber-se das deficiências do ensino dessa língua no ensino secundário português de então. Os namorados passam a utilizar o quarto de Gloria Swanson para dar largas às suas fantasias eróticas.

Clara é um amor de Estio que precisa de superar o trauma que envolve o complexo de rejeição por parte da mãe. Os caseiros, em casa da velha diva americana, olham a adolescente com evidente desconfiança - a estrangeira perversa que seduz “um menino inocente” sem nunca imaginar que a realidade é precisamente o contrário…Ao fazer o liceu, Sebastião tem de se mudar para a cidade onde vai morar, também com a avó Catarina. Nesta fase, salienta-se o retrato grotesco de um professor pedante, cuja linguagem barroca o faz frequentemente cair no ridículo, assim como o papel de “corno manso” da responsabilidade da mulher – fêmea insaciável e omnívora.

A propósito da decoração de gosto duvidoso da casa do professor, num prédio setecentista o autor torna-se particularmente satírico:

Toda a divisão (…) tinha um ar de casa de putas em dia de Entrudo, numa amálgama onde nem faltava um jacaré-bébé, embalsamado no topo de uma coluna entre plantas de plástico e penas de avestruz”.

A mulher do professor Gabriel, Julieta, é irmã de Justina, a professora primária cuja concupiscência parece ser transmitida por via genética.

No capítulo VI temos, mais uma vez, a referência à cultura clássica desta vez com a alusão a Artemísia, onde se nota o sincretismo religioso entre o paganismo da Antiguidade Clássica e o panteão dos santos cristãos.

Deve-se, no entanto, salientar que também o narrador cai, por vezes, no “pecado” do personagem Gabriel Gago de Carvalho pelo uso de palavras eruditas para descrever coisas triviais como “leporélico” para designar “gordo” ou “pos-prandial”, para designar, “depois do almoço”.

O fascínio exercido pelo poder de sedução de uma mulher da classe alta - uma verdadeira Helena de Tróia , bela e despudorada, mas cujo casamento é apenas um contrato formalizado e consequentemente não consegue evitar comportar-se como uma mulher disponível.

Helena convence Sebastião a acompanhá-la a Paris onde este, para além de prosseguir os estudos e ingressar na universidade, passa a dedicar-se ao seu passatempo favorito: desenvolver a sua actividade de artesão do sexo ou, a muito ovidiana “arte de amar”.

O horóscopo feito por Helena regista, apesar de muita efabulação, os principais traços de personalidade de Sebastião. Helena sendo proveniente do Brasil, país do sincretismo cultural por excelência, pertence, ainda, a uma estranha associação, constituída na Cidade –Luz:

a Societé pour usage convenable des hommes na qual deseja integrar Sebastião para que este possa dar vazão ao desejo sexual de um vasto conjunto de mulheres ricas e sexualmente carentes. O excesso de actividade sexual e principalmente, o “rame rame” de confidências sempre iguais obrigam-no a regressar do exílio, uma vez que a procura desenfreada do prazer, em Paris, parece ser, nada mais nada menos, do que a tentativa desesperada para esquecer Clara, cuja recordação permanece gravada na memória. Clara é a mulher com quem consegue conversar, que não fala de assuntos triviais, da “vidinha” medíocre como se depreende do texto que se segue:

Não foram os esforços eróticos que iam dando cabo de mim em Paris, foi a odisseia de escutar horas a fio mulheres, contando-me as suas vidas (…), Se não aguentava mais a logorreia das convencidas de si e das Julietas soporíferas levava-as a um concerto que as obrigasse a estarem caladas (…). Mesmo assim, achava preferível a companhia delas a ter de aturar as bazófias, balelas e verdades eternas dos representantes do meu sexo”.

Uma das poucas amizades deste amante rebelde foi um amigo da boémia, estudante de medicina, cuja paixão era o desenho: a descrição dos seus esboços inclui-o, definitivamente, dentro do movimento surrealista com o qual se identifica o Autor:

Por ali deambulava uma fauna heróica e feroz (…) que sai dos meus sonhos. Fiquei siderado diante daquele bestiário de seres mais ou menos humanos, daquela irisão e zombaria de todas as formas de vida, terrestre ou celeste, animal ou anímica”.

Sebastião acaba por decidir refugiar-se no promontório da infância perdida, onde os ventos uivam como no romance de Emily Brontë, e que podem explicar o aparecimento de tantas lendas ligadas ao sobrenatural, ao poder das forças da natureza: fantasmas, demónios, monstros marinhos…

Não admira que em tão áspero sítio as pessoas procurem, aumentar o invisível, preenchendo-o de estórias para afugentar assombrações e noites temíveis…

Um obra onde abunda o humor sobretudo quando se fala dos estereótipos femininos da época e, em particular, em tudo o que diz respeito à sexualidade, mas na qual o protagonista se consegue situar, apesar de tudo, acima da visão estreita que comporta o quadro de referências da época, pela impressão positiva que Clara lhe deixa na memória afectiva. É, também, pela pena do Autor que obtemos uma das mais fiéis descrições da luminosidade que envolve a cidade de Lisboa, a partir do alto das colinas, com vista para o Tejo, cuja doçura se espelha nas entrelinhas de uma prosa bela e provocadora…


Cláudia de Sousa Dias

Sunday, April 19, 2009

“Um Amor sem Resistência” de Gilles Rozier (Dom Quixote)


O cenário da 2ª Grande Guerra, onde se desenrola um relacionamento amoroso que não se encaixa nos cânones da sociedade da época, serve de pano de fundo e, simultaneamente, de camuflagem ao relacionamento erótico entre um professor de nacionalidade, francês e apaixonado pela literatura alemã, e um ex-soldado do exército invasor, expulso das tropas do Reich, após a descoberta da sua origem semita, que se refugia em casa do erudito professor.
O intelectual oculta meticulosamente a sua orientação sexual, sancionada pela Igreja, pelo exército ocupante e pela família, sob o manto portador de um casamento de conveniência, cuja noiva é, conveniente e oportunamente, sugerida pela mãe…


Claude é uma jovem apagada, de beleza sofrível, pudica e calada, que nada faz para realçar os seus atributos naturais.

O professor e narrador manifesta, em praticamente todas as linhas do discurso, um deslumbramento irreprimível pela língua e literatura alemãs que chegam a raiar a idolatria, sobretudo quando se trata daqueles que são colocados na chamada “lista negra” pelo exército nazi, quer devido à orientação sexual censurada nas hostes do Reich, que se subentendem em textos como os de Thomas Mann, quer simplesmente pela ascendência judia, que não se consegue obliterar pelo talento.

A personalidade deste protagonista dificilmente conseguirá, no entanto, conquistar a simpatia do público feminino, devido, não só, à forma como se refere às mulheres em geral mas principalmente pela maneira como as manipula para conseguir os seus objectivos.

O primeiro sinal inequívoco da atitude de desprezo e antipatia que nutre pelo género feminino é expresso logo no primeiro capítulo, na forma como classifica e julga as atitudes da irmã, exibindo um discurso impregnado de ódio, face ao colaboracionismo a que esta se dedica condenando-a pela exacerbada sexualidade. O professor critica a irmã arvorando-se de um patriotismo que não estende à literatura ou a alemães ligados às artes.

Também a forma como ignora a esposa não contribui para angariar simpatia ou identificação por parte do público: esta deambula pela casa como uma sombra, acabando por se suicidar por não suportar a humilhação de ser rejeitada.

Também a forma fria como manipula Monique, uma das suas alunas para conseguir o objectivo – cativar o amante, ao introduzir-se na casa da jovem onde aquele esteve hospedado e apoderar-se do livro que deixara lá esquecido – sem ter em consideração os sentimentos da aluna, ignorando-a em seguida.

Ma aquilo que mais faz o leitor desprezar o protagonista é a forma como este reage à chocante morte de Claude:
«A Claude teria podido aproveitar o sacrifício da sua vida. Para lutar contra o ocupante (…) fazer-se explodir no teatro municipal, durante um recital (…) numa plateia de Fritz e milicianos».

A frieza e o desapego com que se refere à jovem, a qual utiliza como camuflagem para vestir a máscara de respeitável chefe de família, não deixa de provocar um certo sentimento de repugnância em quem lê a obra. Da mesma forma, o egoísmo com que se serve das emoções e esperança que desperta no sexo feminino bem como a pusilanimidade com que justifica essas mesmas atitudes não geram atitudes favoráveis por parte de quem lê.

«Se me tivessem dito que a Claude esperava qualquer coisa daquela união, um erotismo, uma conversa, não teria aceite aquele casamento, teria prometido dar-lhe aulas gratuitamente, durante anos, para sair com elegância daquela história».

No entanto, o personagem não se esforça nem por um momento em explicar à jovem as condições do casamento, quer antes de ficar noivo quer já depois de casado, após o que se limita a conviver com ela como se Claude fosse uma peça de mobiliário a ocupar um determinado espaço limitado em casa.

O professor sobrevive à guerra para contar, na velhice, a história de um amor erótico vivido na penumbra de uma cave, escondido de todos os olhares. O romance é marcado por um sexualidade voraz à qual não é alheia uma certa manipulação - o jovem está numa situação vulnerável, dependente do anfitrião no que respeita à sobrevivência e à satisfação das suas necessidades mais básicas - desde a alimentação, à eliminação dos dejectos. No entanto não deixa de nascer uma certa afeição despoletada pela adoração que ambos manifestam em relação aos livros. O acto erótico entre ambos acabará por emergir do desespero, onde o amante cativo termina por conseguir um certo ascendente em relaçãoao anfitrião e tornar-se o elemento dominante. Os amantes clandestinos possuem-se furiosamente, numa ausência total de luz natural, como se o amanhã não existisse.

As referências a Heinrich Heine e a Thomas Mann - escritores considerados “malditos” pelos censores do Reich e pela propaganda anti-semita de Hitler - servem de arma de sedução para atrair o amante.

Já a primeira paixão deste germanófilo patriota francês, um colega da faculdade, alemão de aspecto ariano, apaixonado pelas letras, também, mas sem demonstrar as mesmas inclinações que o protagonista, denota uma tendência quase que se poderia dizer, inata, para idolatrar o tipo físico masculino tipicamente alemão.

«Durante as hostilidades, o estado-maior fizera apelo às minhas qualidades de germanista para traduzir informações difundidas pela imprensa nazi . Um jovem soldado com cara de boneco (Herman, o amante da cave subterrânea) trazia-me um maço de documentos ao fim da tarde, no meu regresso do liceu (…)
«Lia os papéis e traduzia apenas as passagens que me pereciam importantes. O soldado esperava (…). Cantarolava nocturnos de Chopin em voz grave e quente».
«Ao estender-lhe o pacote dos jornais e as minhas traduções tive, várias vezes, vontade de lhe abrir a camisa, impecavelmente passada a ferro, mas contive esse desejo. Era proibido».

Na obra, é frisado o saneamento no comércio e serviços, em território francês, onde os funcionários de ascendência semita dão lugar a proprietários arianos seleccionados para os respectivos lugares.

Um dos aspectos positivos, que se salienta no romance, reside no exaltar da contradição patente numa cultura onde a arte e a política não são compatíveis, por não servirem os mesmos interesses:

«Como era bela a língua de Göethe e Goebbels». Onde o desejo de permanência e ambição de imortalidade explicam a paixão pelos livros independentemente das facções, interesses e lobbies políticos.
«Os seres desequilibram-se um dia e a sua queda arrasta-nos. A literatura fixa-os. Eu não me queria desequilibrar. Seria por essa razão que gostava tanto de ler? Poder encontrar os homens no sítio onde os tinha deixado, agarrá-los pela manga para esconjurar o seu desaparecimento e manter o equilíbrio, estável, sobre as duas pernas, bem assentes na terra. Ainda tinha bibliotecas inteiras para ler.»

Herman é mantido na cave pelo professor até aos últimos dias da guerra, altura em que a ânsia, o desejo infinito pela luz solar e a sede de respirar o ar das ruas se lhe tornam insuportáveis, fazendo emergir o momento de loucura, embriaguez de liberdade, atraindo dessa forma a tragédia, como que despoletada pelas fúrias…

Ao longo da narrativa estão presentes complicados esquemas de sobrevivência onde o amor erótico e os livros os dois o pilares que impedem o jovem, apesar de cativo de dependente, de sucumbir à loucura.

Curiosamente, Herman, ao contrário do seu captor, consegue cativar totalmente a simpatia dos leitores não só pela aparente vulnerabilidade como pela forma como consegue virar a situação a seu favor.

No entanto, Rozier dá-nos apenas a visão do interior emocional de um único personagem – o narrador -, sem nunca mostrar o que se passa dentro da cabeça de Herman, de Claude, Monique ou da fogosa irmã colaboracionista do erudito professor.

Para o protagonista, o amor parece manifestar-se apenas na dimensão estética, onde só quem tem a capacidade de comungar o mesmo amor à arte pode ultrapassar a fronteira que separa o animal do espiritual, conquistar-lhe o respeito enquanto ser humano e, então, dar livre expressão ao amor erótico. Este emana a partir do enquadramento, da inspiração dada por algumas das mais belas composições poéticas, produzidas na língua alemã, que se casam com a intensidade do desejo proibido…


Cláudia de Sousa Dias

Wednesday, April 15, 2009

Prémio "Há vida em Marta"


A minha querida amiga Marta atribuiu-me o seguinte prémio emparelhada com bloggers absolutamente fora de série como o divasecontrabaixos de MRF ou o devidacomédia de Miguel Carvalho.


Estou, como não podia deixar se ser, completamente babada!

Thursday, April 02, 2009

“Closer” de Patrick Marber (Relógio d’Água)


A segunda peça de teatro deste dramaturgo britânico pretende ser uma esquematização da teia de relações que se estabelecem entre os elementos de um quarteto amoroso. O objectivo principal da obra é efectuar uma caracterização psicológica das personagens, a mais completa possível, sem cair nos tradicionais estereótipos ou julgamentos morais, baseados em códigos de conduta obsoletos, envolvendo dois casais que habitam a grande metrópole da Europa do final do século XX – meados da década de 1990 –, Londres.

As diferenças entre estas quatro personagens são subtis, mas cuidadosamente explicadas na didascália, em linhas muito sucintas embora inequívocas, para que o espectador possa avaliar por si mesmo as atitudes de cada um. Também o guarda-roupa, tal como os cenários, são minimalistas de forma a retratar os gostos estéticos da época e, simultaneamente, a personalidade de cada um deles.

Patrick Marber torna-se, por isso, exímio em mostrar atitudes sem recorrer a criticismos manipuladores. Talvez seja por essa razão que Closer, quer em formato de obra literária, cinematográfica ou cénica, cause, inevitavelmente, um fortíssimo impacto no público, ao tocar em temas tão efervescentes como a fidelidade ou infidelidade nas relações amorosas, a mono ou poligamia, os jogos psicológicos onde a mentira veste a máscara da verdade e vice-versa, o medo da exposição da identidade na internet, o cyber-erotismo, a inveja e a vingança. Todo um caldeirão onde são cozinhados os mais potentes venenos emocionais aos quais ninguém consegue ficar indiferente. Muitos leitores ou espectadores não conseguirão evitar tecer julgamentos morais, juízos de valor ou, no mínimo, reacções passionais, sobretudo ao verem o filme ou assistirem à peça de teatro. Outros, sentirão o incómodo de se verem espelhados no palco, na tela, nas páginas do livro.

As duas personagens masculinas, Dan e Larry, estão simultaneamente próximas e longínquas uma da outra. O primeiro é um jornalista de obituários, cuja maior ambição é ser escritor, mas não encontrou ainda a inspiração que lhe permita escrever um best-seller. A perda da mãe parece tê-lo deixado desorientado, relativamente à forma como se relaciona com o sexo feminino. Larry, por seu lado, é médico, possuindo uma excelente carteira de clientes. É originário de uma zona suburbana da cidade e extremamente seguro de si. Ambos se relacionam de uma forma bastante possessiva com as mulheres. Dan é-o em relação a Alice e, posteriormente, em relação a Anna; e Larry é-o, sem dúvida, em relação a Anna, também. Mas além de possessivo, torna-se manipulador.

Dan é um jovem que procura a paixão, o prazer da aventura mas sem reflectir muito sobre o amor – o que não significa que não seja capaz de o sentir - revelando, também, uma grande dificuldade em manter um compromisso.
Demonstra, em relação a Alice, uma sentimento de protecção que reside na compaixão pela fragilidade da jovem – algo já demonstrado por Milan Kundera em A Insustentável Leveza do Ser. No entanto a relação tende a desgastar-se devido à imaturidade da jovem - Dan comenta, a certa altura, sentir-se um pouco cansado de ser sempre o “pai” de Alice. Já Anna, consegue fasciná-lo por ser uma mulher madura e independente. Dan parece ver nela o protótipo de mulher realizada, inserida profissionalmente no mundo da arte. Talvez um pouco narcisista, projecta as suas próprias ambições em Anna, vendo-a como um reflexo daquilo que ele próprio gostaria de ser.

Quanto a Larry, além da faceta possessiva que exibe em vários momentos na obra é, também, um homem atencioso e envolvente que demonstra, contudo, um certo gosto pela vulgaridade, quando se trata de erotismo. É, nesse aspecto, bastante mais primitivo do que Dan (ver diálogo na Internet ou a cena no bar de alterne), perdendo, por isso, terreno para este, quando se trata de conquistar o sexo feminino. É um homem para quem o amor é um combate onde não existem regras e não fesite em recorrer, se necessário hesitação, à chantagem e à mentira.
Já Alice é uma jovem de passado nebuloso. Tendo perdido os pais muito cedo, foi obrigada a recorrer a complicados esquemas de sobrevivência, para conseguir viver na Grande Metrópole. Trata-se de uma jovem 100% urbana, meio em que se movimenta como um peixe na água. Alice vive “no fio da navalha”, é aquilo a que se pode chamar de uma jovem “em risco” ou, pelo menos, “em situação vulnerável”, tendo tido, possivelmente, contacto com as máfias nova-iorquinas, ligadas ao submundo dos bares de striptease e alterne. É uma jovem “desconcertante” ou “disarming”, no original, que segundo o próprio Dan gosta de surpreender e, por vezes, de chocar. É, também, espontânea e impulsiva, dona do seu próprio nariz, embora reservando, em consequência do seu lado frágil, uma parte do seu eu para si. Há, em Alice, algo que permanece sempre secreto, na sombra, com um certo mistério à volta do seu passado. Alice tem uma enorme necessidade de conservar uma bocado sede independência, que se manifesta quando, por exemplo, exprime o direito e a vontade férrea de acabar uma relação sempre que esta deixa de ser funcional. É carente o que faz com que projecte a própria vulnerabilidade no lado frágil de Dan. No entanto, não gosta de ser constantemente posta à prova. Necessita que confiem nela.
Por outro lado, Alice dá mostras de ser extremamente inteligente ou, pelo menos, detentora de uma perspicácia fora do vulgar, ao comentar, por exemplo, a exposição de Anna, quando exibe um talento especial para identificar as pequenas traições de Dan, através de subtilíssimas mudanças na expressão facial do namorado. Alice tem, ainda, uma faceta reveladora de uma certa inadaptação social: não tem qualificações nem profissão definida e nem suporte familiar que lhe sirva de protecção em tempo de crise (algo que não acontece com Larry e Anna, que podem sempre procurar apoio emocional na família – pai, tios, primos…).
Anna é, como já foi referido, uma mulher profissionalmente realizada, dividida entre a paixão por Dan e a atenção de Larry. Esta indecisão reside no facto de, apesar de Dan se mostrar melhor amante, manifestar alguma instabilidade emocional, o que o torna inconstante. Por outro lado, Larry transmite-lhe maior segurança, ao fazê-la sentir que não a trocará facilmente por outra mulher. Anna é uma mulher de valores tradicionais, educada no seio de uma família católica na província, o que explica, em grande parte, o ter optado por alguém que, aparentemente, parece ser detentor de maior capacidade para conservar uma relação a longo prazo.

Aquilo que o autor desta obra nos pretende transmitir é que, nos dias de hoje, a paixão tem um peso muito maior, nas decisões de cada um, do que relativamente há algumas décadas atrás, dada a velocidade a que as mudanças se sucedem actualmente. Circunstância que se deve a vários factores tais como: o ritmo de trabalho, a flexibilidade na legislação, a perda da influência da Igreja e dos costumes tradicionais em relação à questão do divórcio. O que implica que nos dias que correm, o sacrifício dos desejos em nome de uma relação estável mas estéril, faça muito pouco sentido…

A tensão sentida entre os elementos deste quadrado amoroso torna-se de tal forma insustentável que Anna – mulher que, em virtude da sua educação desenvolve um carácter compassivo, que se traduz no desejo de agradar a toda a gente – vê-se compelida a sacrificar os próprios desejos, ao boicotar a própria felicidade em vários momentos da acção. No entanto, a dada altura, torna-se impossível magoar todos aqueles que estão envolvidos, o que invalida todos os esforços anteriores da fotógrafa. A nível afectivo, a situação não pode ser pior para Anna, a qual tenta, até mesmo na escolha da profissão, fazer algo susceptível de conquistar a admiração e o respeito social, sobretudo daqueles a quem ama. Anna necessita de se sentir apreciada. Ao contrário de Alice que se está, pura e simplesmente”nas tintas” para aquilo que possam os outros – embora não as pessoas próximas – pensar dela.

Closer ou Quase, é uma tradução quase exacta feita pela Relógio d’Água, relativamente ao significado do título original. Trata-se de uma estória que mostra como os protagonistas, Dan e Anna, estiveram perto da felicidade, quase a agarrá-la e que, entretanto, através da manipulação de outras figuras próximas, se lhes escapou por entre os dedos. Como afirmou Valter Hugo Mãe a respeito do filme, “somos como que levados a simpatizar com o casal protagonista e a desejar que fiquem juntos”. Uma expectativa que, no final, acaba por se desvanecer.

Um delirante e fascinante jogo de emoções, recheado de diálogos viscerais, que se tornam verdadeiros exorcismos de toda a espécie de tabus que possam, ainda, existir nos binómios amor/sexo ou verdade/mentira…


Cláudia de Sousa Dias