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Saturday, December 27, 2014

“O Reino Proibido” de J.J. Slauerhoff (Teorema)



Slauerhoff é um escritor holandês, nascido no final do século XIX. Torna-se um autor icónico da literatura holandesa nas primeiras décadas do século XX, tendo vindo a falecer no início da década de 1930, precisamente durante a Grande Depressão económica que antecedeu a Segunda Grande Guerra. Slauerhoff era médico, mas a carreira literária nunca deixou de o seduzir. O Reino Proibido foi visto como a sua obra-prima e é já considerado um clássico da literatura holandesa. O experimentalismo contido na narrativa deste romance poderá incluí-la dentro da corrente modernista tal como acontece com Elliot, Joyce ou Woolf.

A narrativa principal situa-se na década de vinte do século que precede o actual e é protagonizada por um radio-telegrafista irlandês, cuja vida se encontra sem rumo, mas que ainda assim – ou se calhar por isso mesmo – consegue ser o ponto de intersecção de histórias de vida entre Ocidente e Extremo Oriente com ligações ao passado comum de ambas as culturas. A vivência errante do protagonista faz dele o elemento receptor de traços culturais que são transversais à passagem dos séculos, reportando-se à presença portuguesa e holandesa em Macau e outras cidades do Oriente, quatrocentos anos antes.

À medida que a viagem prossegue e o protagonista se aproxima de Macau, este começa a sentir-se transportado para épocas remotas, ao mesmo tempo que vai incorporando a personalidade de Luís Vaz de Camões, personagem que acaba por tomar conta da sua mente durante grande parte da narrativa: chegado a Macau, a vida do marinheiro altera-se e começa a fundir-se com a do Poeta quatrocentista. 

Ao chegar ao Oriente, o protagonista assiste ao ataque da frota holandesa a Macau e toma parte na defesa da povoação. Neste momento da história, as personae de ambos convergem numa mesma figura que participa no conflito, conduzindo uma sortida vitoriosa dos locais contra o assédio holandês. O herói luso-irlandês fica ferido. Então, ambos os “eu” se separam para seguir caminhos diferentes. Camões isola-se para começar a escrever um poema épico. O radio-telegrafista regressa à realidade do tempo presente numa espelunca de um hotel duvidoso em Macau do século XX, para aí combater os fantasmas do passado.

O romance é, antes de mais uma construção dialógica entre duas épocas representadas por duas "eus" distintos, mas com afinidades tais como o gosto por viajar, conhecer novas paisagens e gentes diferentes. São,também, dois seres de certa forma desenraizados sem amarras fortes que os prendam à terra de origem a não ser a própria cultura. Solitários, portanto.

A trama desenvolve-se por meio da viagem onírica do marinheiro radio-telegrafista e pela constatação do choque cultural entre a forma europeia e sobretudo católica (não à toa que a persona do século XX é um individuo irlandês, que examina o que tem aquele povo em comum com os povos meridionais do sul da Europa e os portugueses em particular) com a forma de pensar oriental, o que transforma a narrativa num intrincado enredo transcontinental.

A trama

No capítulo I temos uma espécie de introdução ou prólogo cuja cenografia é uma pequena província administrada por um governador português. O confronto entre culturas dá-se, como não podia deixar de ser, entre a administração local, operada segundo as regras dos portugueses que, na maior parte das vezes, se manifestam em autênticas atitudes de (des)cortesia, as quais acabam por despoletar um grave incidente diplomático a culminar em conflito armado. Está em jogo a província de Malaca, o "reino proibido", à qual os portugueses pretendem deitar a mão. A vantagem numérica dos locais debate-se com a superioridade tecnológica dos navios portugueses e as tácticas militares europeias. Mas são derrotados. Ao governador português só resta a vergonha e a ruína ao chegar a Portugal ou então o exílio.

É neste cenário que cai o marinheiro irlandês quando viaja por outras épocas durante o sono.

O primeiro capítulo após o Prólogo é narrado pela “voz” de Camões enquanto personagem do romance, à chegada a Lisboa, altura em que se dispõe a verter, em tom confessional, a recordação dos seus amores em terras do Oriente e do Reino Proibido.

O capítulo II passa-se, outra vez, no Oriente.

O terceiro capítulo é narrado pelo ponto de vista de três portugueses ou ibéricos a viver no reino Proibido: o minhoto Pedro Velho, um lobo do mar, ou melhor, uma raposa cuja astúcia o torna implacável. Faz inimigos com facilidade, uma vez que a sua postura é sempre a de um triunfador. Possui uma personalidade optimista. O segundo é Ronquillo, venal e corrupto frade dominicano, o qual tenta violar a lindíssima filha euro-asiática do Procurador Campos– a terceira voz – Pilar, a qual está entregue às freiras do convento local.

No capitulo IV, a trama que se desenvolve no século XVI, prossegue até ao desfecho trágico, mas ressurge depois no século XX, com o radio-telegrafista a unir os dois tempos da história...e da História.

O diálogo entre épocas e a forma como é explorada a personalidade do Poeta/Marinheiro à deriva no deserto, expulso da cidade e com o coração destroçado, perdido de amores pela rara beleza de Pilar, mostra-o completamente subjugado ao seu daimon, que o impele a escrever para melhor lembrar tudo o que vivera. 

Tal como o marinheiro especialista em código MORSE no século XX com que se parece muito mais com Camões do que se poderia pensar à partida, devido ao carácter andarilho, sempre em busca do impossível e cuja meta parece sempre estar para lá da linha do horizonte, por não caber dentro dos limites do seu pequeno território geográfico.

Uma história onde a beleza plástica das imagens e a imaginação não conhecem limites para quem nasce com a inquietação do espírito de aventura.

O livro foi editado em Portugal, pouco antes da celebração doa quinhentos anos da expansão portuguesa e da Expo 98, sendo publicado com o apoio da Fundação do Oriente. Leio-o um pouco tarde tendo-me sido oferecido após ser repescado num alfarrabista. Um belo presente, sem dúvida.


Cláudia de Sousa Dias
01.12.2014