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Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Wednesday, December 28, 2005

“Ladrões de Beleza” de Pascal Brückner (Difel)


Uma noite sentei a Beleza nos meus joelhos – E achei-a amarga. – e insultei-a.”

Arthur Rimbaud

Une saison en enfer

Une saison en enfer pode ser a descrição espacio-temporal adequada à acção deste romance, do autor do best-seller Lua-de-Fel. No inferno gelado dos Alpes, na fronteira franco-suíça, esconde-se uma quinta chamada de “O Feneiro” – local onde o feno é posto a secar – onde a Beleza murcha, estiola por falta de cuidados de afecto, mimo. Segundo a lógica presente no romance, a Beleza quando não é amada, está condenada a morrer, por deixar de ter consciência do fascínio que exerce nos outros.
A idolatria da Beleza associada à juventude, por parte dos donos da quinta situada no Monte do Jura – um dos locais mais inacessíveis e inóspitos dos Alpes –, revela naquelas personagens, um bloqueio relativo ao respectivo amadurecimento psíquico, motivado por uma deficiente construção quer do Ego quer do superego.

Este bloqueio em relação ao amadurecimento psíquico, tem a ver com a não aceitação do envelhecimento e consequentes alterações morfológicas que o processo implica. Isto desencadeia a obsessão primeiro, pela tentativa de conservação a todo o custo do aspecto que tiveram durante a juventude e, posteriormente, pela destruição da beleza dos outros que, para eles se torna ofensiva.
Estamos a falar de uma das pulsões mais recalcadas que emanam do inconsciente humano, por não ser socialmente aceitável e que é a raiz de alguns dos crimes mais cruéis perpetrados por seres humanos psicóticos.

Neste casal, a psicose evolui com o desfasamento entre o amadurecimento físico e psíquico. Contudo, a raiz desta distorção da personalidade é anterior a este desfasamento, ocorrendo ainda na infância, por volta dos cinco anos, altura em que se constrói o superego (a noção de respeito pelos outros). Este, em personalidades sociopatas, como é o caso, pura e simplesmente não existe, devido a uma baixíssima tolerância em relação à frustração, que impede que o superego se forme.

O casal Jérome e Francesca Steiner revela já, desde a época em que eram jovens e belos, um certo cinismo como parte integrante e fundamental da sua personalidade base, que comporta uma correspondente incapacidade de se ligarem afectivamente aos belos seres que admiram. Limitam-se, assim, a usufruir do seu encanto na tentativa de tentar absorvê-lo por um processo semelhante à osmose. Ambos são dotados de um narcisismo patológico que leva a que, quando deixam de ter motivos para se admirarem fisicamente, vendo-se, ao mesmo tempo, incapazes de exercer o poder nos outros através da sedução, passam a odiar visceralmente os seres belos, pelo medo de por eles serem subjugados.

Para eles, todas as criaturas que possuem o magnetismo, a capacidade para enfeitiçar os outros, despertam neles todo um leque de emoções negativas: o ódio, o despeito, a inveja, que acabam por fazer germinar o desejo de destruição.

A lógica que defende este tipo de atitude é altamente distorcida e tortuosa e, apesar de os argumentos apresentados fazerem, aparentemente, sentido, a argumentação não pode ser mais falaciosa porque apoiada em falsos silogismos: são utilizados frequentemente a racionalização (atribuição de um motivo impessoal para justificar uma dada atitude que é, na realidade, despoletada pela vertente emocional negativa que é ocultada) e a sublimação (atribuição de um objectivo socialmente aceitável para justificar uma acção socialmente condenável) como mecanismos de defesa do ego.

«Os seres belos, homens ou mulheres, são deuses que desceram até nós e que troçam de nós com a sua perfeição. Por onde passam semeiam a divisão, a infelicidade (…) A beleza humana é a injustiça por excelência. Só com o seu aspecto, alguns seres desvalorizam-nos, suprimem-nos do mundo dos vivos».

O romance desenvolve-se através de duas narrativas que se interceptam.

A primeira é a de Benjamim e de Hélène, contada pelo primeiro, um escritor medíocre, que se dedica a plagiar os grandes mestres. Hélène, a Bela, é a sua fada-madrinha que está decidida a fazer de Benjamim um escritor de sucesso. Hélène é, simultaneamente, o seu passaporte para a fortuna e para a notoriedade. O preço a pagar é a adoração incondicional da sua musa. Infelizmente para além de um sentimento crónico de misoginia, Benjamim despreza-se em demasia pela sua vulgaridade, o que o impede de apreciar verdadeiramente quem o estima. A gratidão é a forma mais rápida de matar o amor. É talvez por essa razão que Benjamim se deixa influenciar pelo discurso sofista e enganador dos Steiner quando Hélène se torna a presa do casal psicopata.

A segunda narrativa é levada a cabo por Mathilde, uma psicanalista, já vergada peso dos problemas dos outros ao que se juntam aos seus próprios conflitos pessoais. Mathilde revela, no seu discurso, sintomas de depressão, um cansaço extremo relativo à sua profissão, motivado pela instabilidade emocional de uma relação insatisfatória e pela solidão.

Jovem e medianamente bela, amante de um actor medíocre, um pedante sexual cujo principal objectivo numa relação é o de evitar todos os clichés afectivos e sexuais. Ferdinand, o namorado, parece estar destinado a transformar-se noutro Jérome Steiner.

A história de Mathilde cruza-se com a de Benjamim e Hélène no momento em que aquele surge no hospital psiquiátrico como cliente, atormentado pela culpa e pelo remorso. Decide então confiar a sua história a Mathilde…

Ladrões de Beleza é um livro que fala da perversão do ser humano quando motivado quer pela inveja quer pela falta de auto-estima. Benjamim e Raymond – o anão mal amado, criado dos Steiner – são duas personagens que mostram até que ponto uma personalidade frágil pode ser subjugada pela sedução de um discurso que alimente as suas próprias fraquezas.

Há em Ladrões de Beleza uma intertextualidade com o best- seller O Perfume de Patrick Süskind, no que toca à tentativa de apropriação e extracção da beleza alheia. O ponto de divergência, em relação a Süskind, reside na explicação dos motivos que levam a tal acto. Enquanto que a tónica do discurso no livro de O Perfume é extremamente sensorial apelando para as sensações olfactivas, a tonalidade do discurso de Brückner é sobretudo de cariz racional e filosófico.

Um livro intrigante.

Onde o suspense está presente até ao último parágrafo.


Cláudia de Sousa Dias

Tuesday, December 20, 2005

“A Rapariga das laranjas” de Jostein Gaarder (Presença)


A beleza dos contos nórdicos está presente em mais uma estória do célebre autor norueguês relacionada com o tema da Morte.

Trata-se de um diálogo entre pai e filho
post mortem, uma montagem semelhante ao mix de Nathalie Cole e Nat King Cole – Unforgetable.

O objectivo é o preenchimento da memória paterna, a recuperação do passado, das origens, por parte de um filho cujo pai não teve a oportunidade de acompanhar o seu crescimento.

Após a visita dos avós paternos de Georg Roed, este fica na posse de uma carta da autoria do seu próprio pai, acabada poucos dias antes da sua morte, onze anos antes. Nela, Jan Olav, relata uma bela história de amor, envolvendo uma misteriosa rapariga que parece nutrir um fascínio especial por laranjas…

A arquitectura do romance baseia-se, como já foi referido, numa montagem de duas histórias paralelas, contadas por dois narradores diferentes em duas épocas distintas.

A actualidade, onde se situa o jovem Georg, incide sobre as angústias típicas do adolescente. O choque causado pela descoberta da carta do pai, do qual não tem qualquer vestígio de memória visual, excepto em fotografias, o desvendar da personalidade paterna, através das emoções implícitas no seu discurso, juntamente com a angústia profunda de alguém cuja missão ficou apenas parcialmente cumprida.

Por outro lado, a história de Jan Olav, pai de Georg, é um conto epistolar de grande beleza, cuja narrativa se situa no início dos anos noventa do século vinte, altura da sua morte.

Este segundo narrador aproveita, ainda, para fazer uma regressão de algumas décadas com o intuito de contar o início da história de amor envolvendo a rapariga das laranjas…

À medida que o conto se desenvolve, a identidade da jovem vai sendo, progressivamente, revelada mostrando-se alguém muito próximo de Georg…

O discurso deste segundo narrador deixa adivinhar uma personalidade dotada de grande sensibilidade, um ser que atribui uma extrema importância aos afectos.

O tema da morte é recorrente em Jostein Gaarder, um eco da temática abordada em A Vida é Breve e O Enigma e o Espelho. Em A Rapariga das Laranjas há, também, uma fuga temporária às terras do sul: um curto exílio em Espanha – o país das laranjas – que, tal como o interregno na Grécia em O Enigma e o Espelho, nada mais é do que uma fuga temporária para escapar ao abraço gelado da Morte.

Há, neste episódio, uma nítida intertextualidade com o mito de Eros e Psique e com as personagens e situações presentes nos contos de fadas: o acesso à felicidade implica o cumprimento de regras prescritas pelos deuses ou pelas fadas.

A infracção das regras condiciona o acesso à felicidade.
As regras foram parcialmente infringidas. Logo, a felicidade é de curta duração.

Um dos aspectos mais interessantes da obra é a constatação da evolução tanto da situação política internacional como do progresso científico, permitindo ao leitor tomar consciência do profundo abismo e da transformação radical da forma de ver e de estar no mundo, impulsionada pelo considerável avanço tecnológico ocorrido no período que medeia o início dos anos 90 do século XX e os primeiros anos do novo milénio.

Utilizando uma linguagem acessível ao leitor médio, o Autor convida os seus leitores à reflexão, estimulando o gosto pelo Conhecimento.

A Rapariga das Laranjas é um livro que desperta a curiosidade em ultrapassar a fronteira entre os mundos e a viajar pelo universo até à origem do cosmos pela voz de um personagem que sabe que a sua actividade cerebral irá terminar a qualquer momento, ou seja, antes de compreender a totalidade.

Ou seja, sem acabar a leitura do grande Livro da Vida e da evolução do Universo.

Será a vida um eterno recomeço? Ou a Morte o fim definitivo?

Irresistível, tal como o mais antigo enigma que afecta a humanidade.


Cláudia de Sousa Dias

Tuesday, December 06, 2005

“O Primo Basílio” de Eça de Queirós (Planeta DeAgostini)


Os apreciadores de Eça de Queirós têm, com este romance, a oportunidade de apreciar o Autor na sua faceta dedicada à tragédia. Apesar de entremeada com laivos de ironia visando, como habitualmente, a elite lisboeta, o autor foca, desta vez, sobretudo, os vícios das classes mais pobres, representadas pelas criadas Joana e Juliana e pelos vizinhos de Luísa, a protagonista.

A figura central de O Primo Basílio é uma jovem, dotada de uma silhueta e rosto susceptíveis de cativar os olhares, casada com Jorge, engenheiro de minas. Jorge é um marido paternalista e possessivo a ponto de controlar as amizades da esposa, chegando a pedir aos amigos que a vigiem.

Apesar destes cuidados, a jovem não resiste ao apelo de sedução do seu ex-namorado, o primo Basílio. Boémio, fez fortuna através da especulação. Sibarita, vive para o luxo e para o prazer. Sofisticadíssimo, enfatuado e pedante, critica a toilette de Luísa até ao mais ínfimo detalhe, inspeccionando-lhe as mais pequenas falhas tendo como modelo as beldades parisienses da moda. Basílio, no entanto, apesar de achar a prima um belo animal de prazer, não a julga digna de a exibir aos seus amigos aristocratas.

Luísa não é suficientemente chique. Não tem espírito.

Luísa é, no fundo, uma Madame Bovary, entediada com a sua existência burguesa e aspirando a uma vida mais interessante, recheada de luxo e aventura. A temática de O Primo Basílio obedece à do romance de Flaubert. A diferença é que, passada a febre passional por Basílio, Luísa apercebe-se que, de facto, ama Jorge e tenta fazer tudo para salvar a relação da ruína.

A ameaça ao casamento e à estabilidade psíquica de Luísa surge pela mão da criada, Juliana, cuja presença física, semelhante à de um abutre, coincide com a baixeza do seu carácter. Vestida quase sempre de negro ou cores escuras, de aspecto descarnado e cara amarelada pela bílis, cabelo negro com postiços, Juliana é um autêntico pássaro necrófago cuja rapacidade e malignidade não tem limites: exige uma soma avultadíssima em troca das provas que comprometem Luísa, sangra a patroa extorquindo-lhe roupa, comida, móveis, um quarto melhor do que os aposentos das outras criadas. Rouba-lhe inclusivamente o tempo de lazer, aquilo que mais lhe invejava, obrigando-a a fazer o trabalho que lhe competia…

Juliana é uma mulher que está convencida que tudo lhe é devido. Dominada pela inveja e pela cobiça, deseja usufruir dos luxos da patroa sem olhar a meios para atingir os seus fins.

Apesar do carácter execrável de Juliana, não podemos deixar de reparar nas difíceis condições de vida e de trabalho a que eram sujeitas as empregadas internas na altura.

Além do salário reduzido, Juliana dorme num quarto sem aquecimento, com o colchão infestado de percevejos e a comida – dela e de Joana – não é a mesma da dos patrões. Para além disto, a forma de tratamento de Luísa para com Juliana não ajuda em nada a minimizar o carácter bilioso da empregada.

Joana, pelo contrário, não está tanto em contacto com Luísa, não “atura” os seus momentos de mau humor. Daí ser mais benevolente, mais predisposta a formar melhor opinião da patroa. Além disso, Joana, ocupada em usufruir o seu romance com Pedro quando os patrões saem, não está minimamente preocupada em bisbilhotar a vida da gente da casa. Como Joana é feliz e, por isso, não a incomoda a felicidade alheia. Esta é uma das principais ideias que o Autor pretende passar: a de que a inveja, o sentimento de mal-estar causado por um sorriso alheio, têm origem em algo que é fundamental para o equilíbrio psíquico – a afectividade. Ou melhor, dafalta dela.

Já o fidalgo Basílio é um coleccionador de saias como o Raposo de A Relíquia, mas com requinte, como não podia deixar de ser. O primo de Luísa também esteve no Oriente, andou de camelo e trouxe uma recordação da Terra Santa, embora sem as desventuras que precipitaram Teodorico Raposo para a ruína.

Julião, médico e amigo de Jorge, e Basílio são dois estereótipos diametralmente opostos. À vaidade e à elegância extravagante e exagerada de Basílio, opõe-se a superioridade intelectual e o conhecimento científico de Julião, que se aliam a um desleixo ostensivo com a aparência. Os dois conhecem-se em casa de Luísa, durante a estadia de Jorge no Alentejo, e detestam-se à primeira vista. Basílio despreza a falta de cuidado com a aparência de Julião. Sentindo-se descodificado, trata imediatamente de colocá-lo pouco à vontade e de indispor Luísa contra ele. Esta, de temperamento, altamente influenciável e deslumbrada pelo fausto do primo, a quem olha como o deus supremo do chique, começa a encarar para Julião com algum desprezo, vexada pela sua falta de requinte.

A Julião, por seu lado, irrita-o o ar de superioridade de Basílio e a sua excessiva vaidade, particularmente a forma como exibe as jóias e as meias. É Julião quem, antes de qualquer outra das personagens nucleares que gravitam à volta de Luísa e Jorge, adivinha o que vai acontecer e decide manter-se à distância.

Sebastião, o melhor amigo de Jorge, tem, simultaneamente, o talento musical de Cruges, o músico de Os Maias e a nobreza de carácter de Afonso da Maia do mesmo romance. É ele o herói do romance que tira Luísa da situação complicada em que se encontra, sem julgá-la ou tecer considerações pseudo-moralistas.

O Conselheiro Acácio é um intelectual patriota que, ao contrário de Julião, consegue triunfar, escrevendo aquilo que quem está no poder gosta de ouvir. Consegue ser sempre politicamente correcto, não poupando louvores à família real e à mãe-pátria sem, no entanto, acrescentar nada de novo nas suas obras, nas quais abunda um estilo excessivamente descritivo e presunçoso, cuja inspiração é retirada de uma travessa de aletria ou qualquer outra das iguarias da sue bela empregada e amante. Trata-se de um homem que não se importa de escrever nas paredes do Teatro Nacional de S. Carlos desde que aquilo que escreva seja, no seu entender, digno de louvor. Uma farpa tipicamente queirosiana.
E é, mais uma vez, a perspicácia de Julião que nos desvenda da vida secreta do conselheiro e do porquê deste ser indiferente às atenções de D.Felicidade, amiga de Luísa e Jorge…Eça vinga-se no final, para mostrar o seu descontentamento face ao triunfo dos medíocres em detrimento dos talentos, atribuindo-lhe um cuco no seu ninho de amor…

O Primo Basílio é, mais uma vez, um expositor da paixão de Eça por objectos de arte, expressa na sua descrição dos ambientes onde se desloca Luísa, apear de também descrever, com a mesma acuidade, a antítese destes ambiente quer no que toca ao luxo quer no que toca à higiene – como por exemplo o Paraíso onde se encontram Luísa e Basílio.

Luísa não é, de forma alguma, uma mulher madura, apesar dos seus vinte e cinco anos. É, de facto, notório o predomínio do arquétipo da eterna adolescente na sua personalidade, o que a torna incapaz de pensar ou decidir o que quer que seja por si própria. É, talvez, daqui que deriva o paternalismo de Jorge, cujo motivo pode não ser, unicamente o ciúme.
A natureza de Luísa, já de si indolente, é invadida pelo tédio, pelo spleen beaudelairiano, tentando preencher o tempo com passatempos agradáveis (leitura, bordados, música) sem fazer disso um trabalho propriamente dito. Aliás Eça descreve-a como sendo “alegre como um passarinho”, no início do romance, fazendo pressupor o seu carácter naturalmente despreocupado. Tal como Perséfone que é raptada pelo Hades enquanto colhe flores no prado, tudo em Luísa aponta para um destino trágico. Desde o trautear da ária final da ópera La Traviata de Verdi – Addio, del passato – à presença das camélias e das violetas no bouquet oferecido por Sebastião na sua última ida ao teatro – Violetta é o nome da heroína de La Traviata e Marguerite Gautier a protagonista de A Dama das Camélias de A.Dumas Filho surge sempre ataviada com estas flores.

Eça tenta depois iludir o leitor dando-lhe a entender que o dramaturgo Ernestinho, amigo de Jorge, irá, na sua peça, perdoar a adultério à heroína para agradar ao empresário e conseguir audiências.
Também Jorge aparenta, depois de descobrir o sucedido, não ter a intenção de falar no assunto. No entanto, o preconceito cultural fortemente enraizado face à possibilidade de perdoar o adultério feminino acaba por vencer. A isto junta-se o medo do ridículo (um medo real, até pelas palavras de Juliana que nas costas de Jorge, o apelida cinicamente de “boi manso”) e um ciúme obsessivo de um masoquismo doentio.
No entanto, o leitor mais atento consegue detectar que a intenção de Eça é, na realidade, a de matar Luísa, quando Ernesto afirma, cinicamente, ter perdoado à adúltera “à semelhança de Cristo” quando, na realidade, foi obrigado a mudar o final por pressões exteriores.

O mesmo se passa com Jorge, com a diferença que a intenção deste é, de facto, perdoar a mulher, pois ama de facto Luísa. Mas, afinal, não consegue controlar o ciúme, inquirindo-a sobre o assunto logo que a vê convalescer.

A intenção do Autor, com este final, é mostrar que não se mudam mentalidade de um dia para o outro, que aquilo que nos é inculcado pela sociedade custa muito a desaparecer e que, por vezes, paga-se caro por isso.
A contradição entre o ser considerado viril um homem que se envolve com uma mulher casada enquanto esta é imediatamente marginalizada ou condenada a pena de prisão leva-o a escrever este final.

É, sobretudo, pela voz de Leopoldina que o Autor denuncia todas as transgressões, frequentes na alta sociedade lisboeta da época. Leopoldina, amiga de Luísa desde o colégio, é uma mulher execrada por Jorge, que vive à margem daquela que é considerada a “boa” sociedade. Com um casamento de conveniência por fachada, colecciona amantes sem, contudo, fazer muito segredo do facto.

Outro golpe de audácia de Eça, ainda envolvendo Leopoldina, é o relato das suas experiências homossexuais no colégio, nas quais também participou Luísa por arrastamento, lembrando alguns dos poemas malditos de As Flores do Mal de Charles Beaudelaire – Les Femmes Damnées.

A linguagem utilizada, dada a importância de Juliana e outras figuras representantes da classe popular versa muito sobre o calão, principalmente na cena da conversa com a cozinheira sobre os patrões ou quando a repugnante vilã combina com os seus cúmplices a melhor forma de os extorquir.

Já nas últimas páginas do romance, Basílio e o Visconde Reinaldo – podem ser conotados com Fausto de Göethe, o persinagem corruptor de Margarida/ Luísa e Mefistófeles, da mesma obra, o cínico coleccionador de almas. Da mesma forma que Fausto vende a alma a Mefistófeles em troca do amor de Margarida; Basílio vende a alma a Reinaldo em troca da ascensão à aristocracia e integração nas elites aristocrática da Europa.
É Reinaldo quem chama a atenção de Basílio para a falta de classe de Luísa, desvalorizando a perda de Basílio, atenuando-lhe o peso da responsabilidade.

Este, depois do choque inicial, mostra-se incomodado unicamente pela perda de uma amante higiénica que lhe satisfaria as necessidades sexuais enquanto estivesse em Lisboa. Em seguida, lamenta não ter trazido a cocotte parisiense Alphonsine.

Provavelmente, Alphonsine du Pléssis, aquela que inspirou Dumas filho a escrever A Dama das Camélias…

Todo o canalha peca pela falta de originalidade.



Cláudia de Sousa Dias