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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Tuesday, July 31, 2007

“A Ignorância” de Milan Kundera (Dom Quixote)


Escrito no ano 2000 e traduzido para português a partir do manuscrito original, ainda antes de ser publicado em França – país onde reside o Autor desde 1975. A Ignorância é um romance que fala de nostalgia, de memória, de anoranza – palavra espanhola de raiz etimológica latina do verbo ignorare – e que é utilizada como equivalente a nostalgia ou até saudade; um sofrimento causado pelas reminiscências do passado onde o pathos provém da ignorância: “Tu estás longe, eu não sei o que te acontece”. Logo, sofre-se.

Com A Ignorância, Milan Kundera regressa, em Maio de 2001, às montras das livrarias, com mais um romance de carácter introspectivo e, ao mesmo tempo, analítico, do comportamento do Outro. Ao basear-se num método de observação em contexto real, ou pelo menos assim parece, o narrador parte para uma análise, com olho clínico, embora utilizando uma linguagem mais do universo literário do que técnico, dos comportamentos das personagens, entrando nas respectivas casas e caixinhas cerebrais para analisar e dissecar todas as componentes emocionais que desencadeiam atitudes aparentemente incompreensíveis.

Neste caso, existem dois protagonistas, com duas estórias paralelas que se traduzem num desdobramento de duas vertentes de um mesmo tema. Um técnica de construção utilizada também, aliás, em A Insustentável Leveza do Ser. Duas estórias onde, mais uma vez, o fio condutor é o narrador não participante.

A visão global é-nos, desta forma, facultada pelo cruzamento dos vários pontos de vista.

Em A Ignorância, o Autor aborda directamente o problema da emigração do Leste europeu antes e após o terminus da Guerra Fria, em Novembro de 1989.

Fala-se, sobretudo, de desenraizamento, de enfraquecimento dos vínculos sociais em relação ao local de origem, quando se trata de refugiados políticos.
O enfraquecimento, aliado ao crescimento das distâncias, que une o emigrado à terra onde nasceu e cresceu, faz esmorecer os laços familiares e está ligado a um certo ressentimento por parte de quem fica – salvo raríssimas excepções. Trata-se de uma consequência natural da perseguição às famílias dos emigrados por parte de um Estado que encarava o desejo de sair da terra natal como um acto de alta traição despoletando a frieza e o ressentimento por quem se sente deixado ao abandono.

Nas ligações de amizade, observa-se tanto a tentativa de apagar os anos de vida “lá fora” por parte que quem fica, como o desejo irreprimível e constantemente frustrado de relatar a própria odisseia por parte de quem regressa, ainda que esse regresso seja temporário.

A ausência de perguntas em relação aos anos passados fora do país é uma constante. Salvo uma única excepção.

No caso da camaradagem entre refugiados.

Em relação às ligações amorosas, mesmo situadas num passado longínquo, Milan Kundera cria uma interessante dicotomia, em relação ao binómio esquecimento/lembrança, particularmente nas recordações fugazes mas sempre presentes de Irena – imigrada em França – e nas diluidíssimas memórias de Josef ao reler o diário da sua adolescência…

Tudo conspira para a destruição progressiva da vontade de voltar. Apesar do amor, da nostalgia dos lugares, da História, dos poetas, das sonoridades linguísticas, da literatura…

Logo no segundo capítulo, o Autor consegue cativar-nos com um mini-ensaio sobre a nostalgia, palavra de origem grega, quase universal para a maior parte das línguas europeias. Mas as subtis declinações semânticas da palavra, desdobrada em outros signos equivalentes como por exemplo, saudade, são-nos dadas através de uma análise transversal desses sinónimos, nos vários idiomas. É então que chegamos ao conceito de ignorância como declinação de nostalgia. E ignorância é a palavra ou variante de nostalgia que melhor define a exacta coloração do estado de espírito de dois protagonistas de estórias gémeas que se cruzam num ponto de fuga, situado num passado distante: Irena e Josef.

Ignorância é, pois, a irmã siamesa da saudade, ambas filhas da nostalgia…é este o tema do livro. Uma emoção a cujo desdobramento vamos assistir em dois seres que emigraram, tal como acontece em A insustentável Leveza do Ser entre Thomas e Sabina, embora este num prisma diferente: o custo de oportunidade relativamente à decisão de emigrar ou não emigrar.
É por este motivo que A Ignorância é, de certa forma, um desenvolvimento da obra anterior.

Por outro lado, A Ignorância relaciona-se, ainda, com a disposição psicológica da personalidade colectiva do povo boémio, em grande parte condicionada por mudanças históricas que se traduzem em alterações estruturais profundas a nível económico, social e político em momentos-chave que acontecem segundo uma sequência de periodicidade regular, sincopada (em espiral?) no caso particular do povo checo, ao longo do conturbado século XX.

O Autor destaca também a problemática da imprevisibilidade do rumo da História que se traduz num desconhecimento em relação ao futuro, ao exemplificar com as vãs pretensões de Schönberg à imortalidade, no sentido de permanência na memória colectiva não só do seu nome, mas, sobretudo, da sua música.

A analogia do exílio de Josef com a viagem de Ulisses, presente nos sentimentos de frustração de Odisseu, torna-se por demais evidente para o protagonista.
A propósito de Josef, o protagonista masculino de A Ignorância, o autor/narrador disserta ainda sobre a forma de amar de um Ulisses de origem checa: o amor que dedica a Penélope e o amor que o retém junto de Calipso, num refúgio idílico. Narrador e Josef não hesitam em valorizar a segunda, apesar da tradição colocar a primeira num pedestal.

Irena é ainda mais difícil de desiludir, devido ao seu passado familiar. Mas é simultaneamente mais vulnerável, por perseguir uma lembrança…fugaz como uma miragem.
A nostalgia, sob a forma de ignorância, no caso de Irena e, também, um pouco em Josef (embora este seja menos fácil de iludir por estereótipos) é, sobretudo, induzida pela sociedade ocidental e pelos clichés que fazem parte do imaginário colectivo e que não comportam casos específicos como o destas personagens. Dois Ulisses nos tempos modernos, para os quais a deturpação da realidade é, também, dada pelo carácter selectivo da memória, pela reconstrução dessa mesma realidade com o objectivo de dar, aos elementos seleccionados, um enquadramento, dotando-os de um sentido fictício…

Mas enquanto que, para Josef, o local escolhido para viver se revestiu de referências positivas, que lhe permitiram distanciar-se ainda mais de um passado do qual não colheu, praticamente, boas recordações, para Irena a vida no Ocidente não foi fácil.

Sobretudo depois de enviuvar.

Acompanha-a, sempre, uma nota de insatisfação, em relação à vida afectiva o que a leva a perseguir uma imagem, cristalizada num passado remoto.

As componentes emocionais como a solidariedade/rivalidade entre irmãos, ambições e conflitos entre cunhados, competição e desejo de domínio numa relação mãe-filha, aliada a uma sede irreprimível de libertação – seja através da fuga, seja através de um amor ideal, utópico, imaginado, construído, se quisermos –, são alguns dos ingredientes que vêm enriquecer uma obra de volume diminuto, mas de conteúdo inesgotável.


Sempre com a marca da extraordinária leveza da escrita de Kundera.


Cláudia de Sousa Dias

Saturday, July 14, 2007

“Criação” de Gore Vidal (Dom Quixote)


Uma viagem pelos costumes, usos e tradições das civilizações antigas pela mão de Ciro Spitama, neto de Zoroastro, que se encontra na Grécia, em pleno século de Péricles, a ditar as suas memórias ao sobrinho, Demócrito.

Criação é uma obra de grandeza sem precedentes, um projecto ambicioso que envolve um gigantesco trabalho de pesquisa histórica, isto é, de observação documental e, simultaneamente, de observação in loco - algo que se depreende pela exactidão e abundância dos detalhes relacionados com a geografia, o clima, o relevo, a fauna e a flora dos diversos locais por onde “passeia” o protagonista. A finalidade do Autor é comparar as diferenças civilizacionais, do ponto de vista da personalidade colectiva, de povos como os Gregos, os Persas, os Hindus do tempo de Siddhartha e as gentes do Catai, influenciadas por Confúcio, que actualmente identificamos com a China.

Está, também, presente a procura de uma raiz, um antepassado comum, ou um elemento culturalde ligação entre as referidas civilizações, que facilmente se encontra através da investigação das religiões primitivas comuns aos povos indo-europeus ou, melhor dizendo, os descendentes dos arianos, que incluem os Gregos, os Persas e os Povos ao Norte da planície Gangética.
Mas essa característica cultural comum acaba por ultrapassar o factor étnico, conforme Ciro Spitama acaba por constatar, durante a sua estadia no Catai: as motivações primordiais, aquilo que impele o homem a agir, bem como as questões que mais intrigam os humanos são as mesmas: o desejo insaciável de poder, de domínio, ligado à necessidade de hegemonia e sobrevivência, que depende de um indivíduo ou grupo minoritário se destacar de entre os mais fracos; e a procura da origens do Homem, do Mundo, do Cosmos.

Numa palavra: a Criação.

Existem, aqui, duas forças opostas, que estão, normalmente, em conflito. De um lado, estão aqueles que exercem o poder, os que se destacam dos demais pela força, pela astúcia, pelo seu poder aquisitivo (territórios, escravos, ouro, bens materiais). Do outro lado, no mesmo continuum, temos aqueles que exercem outro tipo de poder: aqueles que detém o carisma, o poder de condicionar o pensamento das massas. Sacerdotes ou laicos, estes líderes carismáticos não exercem um poder temporal, mas espiritual. São eles quem lança e direcciona a construção dos alicerces do eu colectivo. São eles quem constrói o paradigma ou modelo conceptual do mundo e do Universo para cada civilização. Homens como Sócrates, Zoroastro, Siddhartha (Buda) ou Confúcio. Homens que não chefiam estados nem exércitos mas que movimentam multidões à escala continental, num período em que não se ouvia sequer falar em globalização – embora a ideia de hegemonia, face a todo um Universo terrestre, estivesse sempre presente. Trata-se de homens para quem o único deus em que acreditam realmente é a Sabedoria. Embora cada qual tenha o seu próprio conceito de sabedoria.

A ética civilizacional é lançada, precisamente, por estas personagens que marcam os traços fundamentais de um eu colectivo.

A comparação das particularidades específicas do carácter dos Atenienses com o dos Espartanos e destes com os Persas, Hindus ou Cataios, é uma das vertentes mais aliciantes do romance. Um aspecto que é largamente enfatizado pelo humor algo sarcástico de Gore Vidal, projectado na voz de Ciro Spitama. Ciro é uma personagem com uma personalidade muito vincada, com convicções religiosas fortemente implantadas, mas que, à medida que vai recolhendo novos elementos cognitivos nas suas viagens, vai colorindo, reformulando, as suas crenças originais, pela introdução de novos elementos, sem, no entanto, alterar as fundações das suas crenças.

Curiosamente, a passividade associada ao budismo, inerente à persecução do seu objectivo final – o nirvana, o desligamento das coisas materiais e do mundo terreno tal como o conhecemos –, não o atrai, por achar que esta atitude deixa o caminho livre para os predadores. Agrada-lhe, por outro lado, a moderação e a aversão a toda e qualquer forma de extremismo de Confúcio.

Outro dos elementos de grande interesse para a obra é a forma como o poder é exercido pelas mulheres, nas diferentes civilizações, o acesso à cultura e à instrução e, por último, o grau de liberdade relativa no que toca ao convívio com o sexo oposto.

Em Atenas, só as heteras ou companheiras, como Aspásia, é que jantam, sentadas ou reclinadas, na companhia dos restantes convivas masculinos. São, normalmente, cortesãs de luxo ou, no mínimo, mulheres consideradas licenciosas. Têm acesso à cultura e à instrução mas não exercem qualquer tipo de cargo público ou político.

Na Pérsia, as mulheres estão sequestradas em haréns e só podem conviver com eunucos e homens idosos, fisicamente repelentes. O que não as impede de exercer a arte da intriga e da conspiração, através do controlo da chancelaria do Palácio Imperial, cujo funcionalismo é composto, quase que exclusivamente, por eunucos. É o caso da Rainha Atossa, esposa de Dário, mãe do herdeiro oficial do trono e, posteriormente, da rainha Amestris esposa de Xerxes e também mãe do sucessor da coroa imperial.

Na Índia, Ciro Spitama tem a oportunidade de verificar a existência de uma grande liberdade de convívio entre os sexos, na casta dos Kshatrias, onde as esposas das famílias da nobreza guerreira podem presidir à mesa, juntamente com convidados não pertencentes à família. O nível de sociabilidade entre os dois sexos é, neste nicho social, um núcleo de vanguarda na Antiguidade. Mas o género feminino continua afastado de qualquer cargo administrativo ou político e, até mesmo, de qualquer profissão qualificada e remunerada.

No Catai, só as mulheres idosas gozam de prestígio social e de autonomia.

Ao analisarmos Criação, verificamos que o Autor teve o cuidado de avaliar e analisar aquilo que são os fundamentos das principais civilizações actuais, com excepção do continente americano, ao qual, por motivos óbvios, a personagem Spitama não poderia ter tido acesso.

A obra, datada de 1980, surge logo depois do golpe de estado na Pérsia que derrubou o Shah Rheza Pahlevi, instalando o regime teocrático shiita de Ayatollah Khomeini.

A preocupação com a situação geopolítica e crescente instabilidade no Médio Oriente – nos anos seguintes estalaria o sangrento conflito entre o Irão e o Iraque, contando este último com os EUA como aliados e apoiantes de Saddam Hussein, o qual tinha, também, recentemente ascendido à chefia da nação, através de um golpe de estado – está na origem do aparecimento desta obra com o objectivo de dar a conhecer a raiz e o fundamento da mentalidade do povo da Pérsia/Irão e o teor das suas relações com os seus vizinhos.

Uma obra isenta de preconceitos civilizacionais, actual e do máximo interesse para quem se apaixona pelas “coisas do mundo”.

Um livro que nos permite mergulhar nos alicerces e fundações da Humanidade e nas suas motivações mais primárias:

A sede de Conhecimento.

O papel do Homem no Universo.

A criação e o fim do Cosmos.

Enfim, o Alfa e o Ómega…


Cláudia de Sousa Dias

Wednesday, July 04, 2007

“Encontro de Amor num País de Guerra” de Luís Sepúlveda (ASA)


O título original atribuído a esta obra denomina-se Desencuentros, designação que, além de abranger, de uma forma mais precisa, todos os pequenos relatos sob a forma de mini-contos aqui reunidos que têm, como denominador comum, um sentimento predominante de tristeza e melancolia ou, mesmo, de Saudade.

Encontro de Amor num país de Guerra (na versão portuguesa) é o resultado final da recolha de textos dispersos, guardados e esquecidos, durante muitos anos, pelas gavetas do Autor, que foram, aqui, agrupados em três categorias diferentes.

Esta publicação marca o fim do período de produção literária de Sepúlveda anterior a O Velho que lia Romances de Amor.

A primeira a parte consiste, essencialmente, em desencontros que têm a ver com Amores e Desamores, ou seja, paixões que não se concretizam pela alteração radical das circunstâncias de vida a envolver todo um sistema social, que é alterado pelos reveses da Fortuna num país onde se defrontam grupos armados em representação de facções políticas opostas. Que acabam por condicionar todo o quotidiano individual, afectando os planos a curto, médio e longo prazo, mesmo no que toca ao amor e às relações próximas.

Trata-se de pequenas estórias, narrativas, construídas numa linguagem objectiva, jornalística, mas entremeadas por frases de elevadíssimo teor poético – para “esquecer a morte pão de cada dia” in Encontro de Amor num País de Guerra, a estória que dá título à versão portuguesa. Uma linguagem que traduz uma surpreendente associação de estímulos sensoriais, memórias que convergem para um ponto de intersecção perdido, algures, num tempo imaginário.

Há, em Encontro de Amor num país de Guerra, amantes que se perdem um do outro, separados pela morte, pela guerra, pelo acaso, pelo Oceano.

Ou pelo preconceito dos outros.

Há desamores para todos os gostos. Relações que se desgastam, que sofrem a erosão do tempo, equívocos, medos.

Num país em tempo de guerra há, também, Heróis e Canalhas, a segunda categoria de desencontros. Dois tipos sociais, aparentemente antagónicos, que poderão não ser facilmente identificáveis à primeira vista pois “nada é o que parece”.
Porque, do ponto de vista deste autor chileno, heróis são aqueles que suportam estoicamente a tirania dos canalhas.

Luís Sepúlveda, no seu melhor.

Pela forma como desenvolve a narrativa, o sentido do ritmo – sentido na cadência das rodas de um comboio que desliza nos carris para a terra de ninguém, outro apontamento de uma “viagem para lugar nenhum”. E, também pelos traços culturais sul-americanos que jorram da pena do Autor, desde a Música – que tem, também, o colorido da sua passagem pela Europa – até à Geografia, passando pelas lendas, vindas das civilizações antigas – Maia e Inca.

A terceira categoria de desencontros provém dos Imprevistos, que impedem os amantes ou, simplesmente, os amigos de comparecerem aos seus compromissos.

A evocação é o principal recurso utilizado para narrar estes imprevistos, frutos do acaso, seja ele de origem humana ou divina, e cuja principal consequência é um desencontro fatal. A nostalgia e a saudade, a espreitar através de uma melodia ou de uma imagem fotográfica.

Um livro onde a tónica dominante é o Bizarro e o Absurdo a interferir no destino do Homem.


Cláudia de Sousa Dias