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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Wednesday, October 17, 2007

“Chocolate” de Joanne Harris (ASA)


Vianne Rocher chega a Lansquenet-sous-Tannes na terça-feira de Carnaval, onde facilmente se apercebe tratar-se de uma cidadezinha de província onde as pessoas são “cinzentas”, tristes” e “de ombros curvados”. Possuem, não poucas vezes, um olhar “duro”. Vianne compreende, então ter chegado a uma povoação isolada, em cujo centro se ergue a torre branca da igreja, que domina todo o território, a partir da praça principal.

Vianne Rocher, depois de passar vários anos a viajar ao sabor do vento e a fugir dos seus fantasmas sente, de súbito, um forte desejo de sedentarização e estabilidade. E julga encontrar em Lansquenet o sítio ideal para lançar as suas raízes, um lugar perfeito para trazer às gentes locais um pequeno toque de felicidade, através da magia alquímica das suas mãos especializadas em elaborar a poção mágico do…

…CHOCOLATE!

Vianne é uma jovem mãe solteira que costuma sofrer, normalmente, de pesadelos recorrentes relacionados com uma figura masculina vestida de preto. Um ser misterioso e arquetípico que parece incarnar os seus próprios medos: a opressão e a restrição à liberdade de expressão e movimentos.

Vianne, ao instalar-se na pequena povoação, recebe a visita do Padre Reynaud – muito semelhante à figura sinistra dos seus pesadelos – o qual tenta, imediatamente, verificar que espécie de ser é a forasteira, aparentemente uma arrivista, que tem o descaramento de se instalar mesmo em frente à sua igreja, atitude que encara, desde logo, como uma provocação.

A antipatia que se estabelece entre os dois é, além de mútua, instantânea.

O padre Reynaud sente-se ameaçado com o aparente agnosticismo e o espírito independente de Mademoiselle Rocher, uma filha do Vento de Carnaval, chegada à aldeia no meio de um vendaval acompanhado por uma música ruidosa, um extravagante desfile onde a população, na data pagã que antecede a Quaresma dá largas à fantasia, á folia e ao prazer.

Logo que se apercebe que Vianne pretende abrir uma chocolataria mesmo no centro da povoação e em frente à sua paróquia Reynaud vislumbra imediatamente uma distracção destinada a desviar as suas ovelhas das respectivas “obrigações espirituais”. E percebe que a antítese da austeridade é a pedra base que sustenta a conduta da forasteira.

Vianne, por seu turno, escolhe aquele lugar precisamente por ser um lugar estratégico, um ponto de convergência dos habitantes de uma pequena cidade conservadora e, aparentemente, com um elevado índice de resistência à mudança, quer no que respeita aos hábitos e padrões de conduta, quer no que toca às preferências consumistas.

Reynaud encara a escolha da localização da chocolataria como uma afronta pessoal.

Trata-se, afinal, de uma loja de chocolates, cujo colorido, aromas e sabores é um apelo à sedução dos sentidos.

À Tentação.

Sobretudo quando tal loja ou “antro de perdição” é gerido por uma mulher com feições que em tudo lembram uma feiticeira medieval. Principalmente por ser uma mulher solitária, acompanhada de uma filha sem pai. O que é mais um motivo de desconfiança.

A montra da loja parece-lhe, mais do que nunca, um ardil semelhante ao utilizado pela bruxa da história de Hansel e Gretel – A Casinha de Chocolate

A própria doçura de Vianne incomoda o pároco. Este olha a jovem como um contra-poder. Para Reynaud, a Igreja e a loja de chocolates encontram-se em pólos opostos. Ela é sua adversária. Uma enviada de Satã para desviar as almas das suas ovelhas…

A conduta do pároco de Chocolate pode ser explicada pelo espírito conservador de Reynaud, pela educação e um incidente ocorrido durante a infância o que faz com que este encare a sua missão não exactamente como uma forma de ajudar as pessoas, mas com o objectivo de aperfeiçoá-las. Como Pigmalião com a sua estátua. Ao mesmo tempo, o pároco sente a sedução do Poder, apesar de não se dar conta do facto.

Na realidade, ele julga, de uma forma algo simplista que o mal está no prazer, em qualquer das suas formas. Até no acto de saciar a fome: Reynaud sofre de delírios, exacerbados pelos jejuns espartanos a que se submete. Por outro lado, não consegue deixar de pensar em Vianne e na apelativa loja, apesar dos seus esforços titânicos…

Na vida de Reynaud, também não existe lugar para o amor.

Só para a Penitência.

Ou para o Sacrifício.

O objectivo, as motivações de Vianne têm como meta final fazer algo de que goste para sobreviver e, simultaneamente, trazer a felicidade ou, pelo menos, um pouco de alegria para a vida daqueles com quem contacta, com o toque mágico que as suas mãos imprimem aos chocolates, bombons e outras iguarias feitas à base de cacau. A sua religião é, como ela própria afirma, “ser feliz”, sendo a chocolataria o local onde se pratica o exorcismo face à amargura da vida.

Mais: La Celeste Praline (a chocolaterie de Vianne)é aquilo que se pode chamar de “um consultório de psicologia disfarçado”, porque, ao contactar com os clientes da loja, Vianne consegue pôr em prática várias terapias utilizadas em processos clínicos, desfrutando da vantagem de observar os comportamentos em contexto real, isto é, em interacção com os diferentes grupos a que pertencem: amigos, família colegas de trabalho, conhecidos da paróquia…

Por outro lado, a participação de Vianne nos diálogos é sempre não directiva. Isto é, ela evita cuidadosamente a utilização de um discurso persuasivo, utilizando, ao invés, perguntas exploratórias ou lançando às vezes uma pergunta retórica à laia de pequena provocação, com o objectivo de obrigar o interlocutor a reflectir e, posteriormente, a escolher se há-se reformular ou não a sua conduta.

Vianne poderia servir-se do seu poder de persuasão ou dos seus acutilantes insights para obrigar as pessoas a aderir à sua forma de pensar, contudo, prefere não fazê-lo. Opta, antes, pela alquimia do chocolate, um dos melhores anti depressivos da natureza que não causa efeitos secundários.

Vianne transporta para Lansquenet o Vento da Mudança, facto que é intuído por Armande Voizin, a anciã dissidente de espírito sufragista…

A Autora dedicou este livro à bisavó, Marie-André Sorin, a qual a inspirou na criação da personagem Armande Voizin, a avó sufragista que instila no neto o gosto pela poesia de Rimbaud, para desespero da mãe, a beata Caroline Clairmont.

Joanne Harris, aquando da entrevista concedida na Fnac do Norteshopping, por altura do lançamento de Danças e Contradanças em Portugal, comentou ter sido Chocolate o seu primeiro sucesso literário apesar de não ser o seu primeiro livro.

Adiantou, ainda, ter sido este um livro cuja escrita funcionou como uma terapia, após um período de depressão.

É notório, sobretudo nos diálogos de Vianne Rocher com os clientes, a aproximação, o conhecimento e o contacto com as já referidas técnicas de entrevista não directiva utilizadas em psicoterapia, particularmente notórias nos diálogos com Roux e com Josephine Muscat – duas personagens particularmente inacessíveis e fechadas como ostras nas suas conchas, solitárias e imersas no seu próprio sofrimento.

São-nos igualmente fornecidos, ao longo da narrativa, vários indícios que nos podem levar a concluir serem Josephine e Vianne o desdobramento da personalidade da autora – antes e depois da psicoterapia.

Melhor dizendo, Josephine e Vianne são, na realidade, a mesma pessoa, mas em fases diferentes: (Jo)sephine e Vi(anne) antes e depois da psicoterapia – Jo-anne. Josephine seria a mulher apagada, insegura, reprimida e dependente, antes da transformação operada pelo contacto com a psicoterapeuta/feiticeira do chocolate. Já Vianne é aquilo em que Jo se transforma após o tratamento – uma mulher livre, que viaja ao sabor do vento, sem raízes e independente, que exala magnetismo.

E que, além do mais, soube desenvolver uma arte: a de fazer as pessoas felizes. Através da química do chocolate e do poder da Palavra.

No final, Vianne abdica de uma paixão em favor de Josephine que encontra a sua outra metade.

Quase que poderíamos dizer que Vianne é o eu de Joanne, após ultrapassar os seus conflitos e bloqueios enquanto foi alguém semelhante a Josephine.

No filme de Patrick Maarsden, as duas fundem-se e é mesmo Vianne quem fica com Roux…

A escrita de JH é profundamente sensorial, com uma sedução muito particular, polvilhada de cheiros irresistíveis, sons inimagináveis – como o das velas a ondular ao sabor da brisa matinal. E é, sobretudo, uma escrita alquímica, na qual a magia dos contos de fadas se mescla com a realidade do dia-a-dia…

Como acontece com os ingredientes do chocolate…

Impossível resistir-lhe.


Cláudia de Sousa Dias

Monday, October 01, 2007

"A Fogueira das Vaidades" de Tom Wolfe (Dom Quixote)


A marca de uma carreira ligada ao jornalismo (Herald Tribune) está impressa numa escrita que traça uma radiografia sociológica da sociedade nova iorquina nos anos oitenta do século vinte, logo após a crise no sector do petróleo, ocorrida nos anos setenta.

O editor afirma que " o que nesta fogueira se consome no lume de uma profunda e ácida ironia é a arrogância dos novos-ricos e o ódio dos miseráveis, o poder não poucas vezes abusivo dos média e a relatividade da justiça, o ridículo de uma sociedade sem princípios, a corrupção e o arrivismo de tantos dos seus mais sólidos pilares".


Há, portanto, em A Fogueira das Vaidades, várias personagens que são caracterizadas, melhor dizendo, caricaturadas, salientando impiedosamente o ridículo de toda uma geração onde a ganância, o desejo de poder e a soberba, que se manifestam na presunção obscena de quem se julga superior. Uma presunção que é exposta, desnudada e analisada, centímetro a centímetro, em toda a sua grotesca realidade.

As três figuras-tipo mais visadas encaixam-se em três níveis sócio-económicos distintos, apesar de, no que toca ao acesso à educação, estarem relativamente equiparadas.

A diferença reside nos sinais exteriores de riqueza que ostentam ou desejam ostentar.

Ou, ainda, que ambicionam possuir.

O leitor é, em primeiro lugar, apresentado a uma família WHASP (White Anglo Saxon Protestant), liderada por um jovem executivo de Wall Street , perito em especulação obrigacional. A família reside na Park Avenue, onde os apartamentos se assemelham a mansões, às quais se tem acesso através de um elevador privativo. A esposa é o modelo perfeito de classe e sofisticação. Mas apesar de culta e socialmente admirada está, praticamente, a dobrar os quarenta e o marido julga estar na altura de a substituir por um animal sexual mais jovem.

Entramos depois, em casa de um procurador de um tribunal do Bronx. Trata-se de uma família de classe média, com uma situação profissional estável, mas que ambiciona atingir um nível de vida muito superior às suas possibilidades. Vivem num apartamento minúsculo, no centro de Nova Iorque embora não na zona "chic" , cuja renda exorbitante os impede de pagar a uma ama para cuidar do filho recém-nascido, colocando em risco a viabilidade de Rhonda continuar a trabalhar. O procurador Kramer não se cansa de reparar o quanto a mulher é desinteressante, sobretudo após o parto, enfatizando, a toda a hora a sua grosseria e vulgaridade.


Kramer vive, desde então, entusismado pela beleza, algo helénica, de uma jurada, proveniente de uma família WHASP, embora com ascendência grega por parte do pai, pensa nela como uma amante que gostaria de exibir, mas que jamais conseguiria sustentar.

Por último, entramos no apartamento de miserável, cujo ambiente infecto serve de pano de fundo à vida de Peter Fallow, o jornalista pelintra que adora "cravar" jantares aos seus colegas, financeiramente mais abonados, em restaurantes de luxo. Indolente e presunçoso, Fallow procura o êxito fácil, que o projecte definitivamente para a ribalta: o ideal seria um escândalo, a envolver algum figurão da sociedade nova-iorquina que habite a 5ª Avenida ou as Torres de Manhatan.

A presunção, a arrogância e o desejo de protagonismo destas três personagens é explorada até ao mais ínfimo detalhe, com uma precisão cirúrgica, ao longo das mais de setecentas páginas da obra.


Um volume que se lê com prazer, ao desfrutar da amarga ironia de Wolfe, cujo humor corrosivo espreita nas entrelinhas dos diálogos e monólogos que envolvem, sobretudo, estas três figuras.


A voz do narrador descreve, com minúcia, os gestos e as atitudes exteriores que são a expressão física dos diferentes tipos de vaidades aqui analisados: o queixo espetado de Sherman McCoy, a ilustrar o seu orgulho pseudo-aristocrático; o arquear do pescoço do procurador Larry Kramer, a tentar, pateticamente, exibir uma forma física e virilidade que já não possui; e Peter Fallow, com a sua madeixa loira, a cair sobre a testa, numa tentativa desesperada de esconder o avanço da calvície, ao mesmo tempo que tenta usar a sua carteira profissional de jornalista como passaporte para a aristocracia ou, na pior das hipóteses, para o mundo dos ricos, detentores de "dinheiro novo"e dos títulos comprados com o dinheiro proveniente da especulação financeira. Para tal, Fallow faz-se valer da fama conseguida à custa dos artigos que roubou a uma ex-namorada, talentosa e cega pela paixão.

Um aspecto curioso, comum a todos os tipos sociais expostos na obra, é a forma como olham as mulheres – sempre como objectos sexuais e nunca do ponto de vista das suas qualidades humanas ou intelectuais.

A afectividade é inexistente no monólogo interno de qualquer uma destas personagens masculinas principais. O culto da juventude é omnipresente. Sobretudo quando se trata da ostentação de mulheres jovens, belas e de origens sociais modestas, pelos idosos barões da alta-finança, que exibem despudoramente o seu chauvinismo e, embora não o saibam, uma extraordinária propensão para desempenharem o papel do Palhaço da célebre ópera de Leoncavallo – uma figura que é, simbolicamente, representada por um tenor da moda, durante uma luxuosa festa onde abundam este tipo de personagens e, durante a qual, o referido tenor, um dos convidados de honra, solta as gargalhadas que antecedem a conhecida ária Vesti la Giuba da ópera Os Palhaços. Wolfe mostra, neste capítulo, intitulado de A Máscara da Morte Vermelha, inspirado num conto de Edgar Allan Poe, o quanto é implacável, na sua crítica. A recepção em casa dos Bavardages (em francês, bavarder = tagarelice fútil), ambiente onde decorre todo o capítulo, poderia perfeitamente servir de cenário a uma ópera buffa, onde sobressai o lado cómico e frívolo de todas as personagens que nela participam. Com excepção de um poeta britânico, candidato ao Nobel, que alerta, de forma algo sibilina, para a morte ou extinção, inquietantemente próxima, do estilo de vida de que usufruem no momento, fruto da forte clivagem social que se acentua de dia para dia.

Para tal, o poeta faz uma analogia com o conto de Edgar Allan Poe – A Máscara da Morte Vermelha – onde os amigos de Próspero se refugiam no alto de um edifício para escaparem a uma terrível epidemia. Mas a morte apanha-os, infiltrando-se no seu refúgio. Da mesma forma, os WHASP isolam-se, nas suas torres ignorando a esmagadora maioria dos seres que vivem abaixo do limiar da pobreza, em Bairros como o Bronx, Brooklin ou Harlem.

Durante alguns segundos os convivas ficam sem fala, mudos diante das palavras do Arauto da Morte, de tudo aquilo que tentam desesperadamente preservar.

Para, depois, regressarem calmamente aos seus assuntos de sempre, fazendo ouvidos de mercador à profecia.

A festa é, toda ela, uma sátira, onde os trocadilhos, intraduzíveis, jogam com os nomes das personagens, ao acentuar o seu interior grotesco, coberto com as roupagens glamourosas da alta-costura.

Na obra A Fogueira das Vaidades os ricos dividem-se, na realidade, em duas categorias diferentes: os grandes especuladores financeiros, onde encontramos a figura de Sherman McCoy, que são apenas o peixe miúdo, comandado pelos detentores das grandes fortunas, donos de instituições bancárias e grandes multinacionais; e o pessoal ligado às artes e às letras, os intelectuais bem sucedidos - escritores, pintores e poetas de grande projecção internacional, que fazem parte do círulo de amizades de Judy McCoy,a esposa de Sherman – trata-se de uma elite uma pouco mais humanizada e, em alguns casos, um pouco mais consciente.

Os McCoy, apesar de oriundos do mesmo meio social, possuem, na realidade, interesses opostos, sem terem nada em comum, mantendo um casamento de aparências, no qual o diálogo entabulado é apenas circunstancial, a visar somente o respeito pelas regras do socialmente correcto.

Na classe média, a figura mais emblemática é a do procurador Larry Kramer, no qual observamos uma vaidade que se manifesta na exibição de um estilo de vida que não corresponde aos seus rendimentos, misturada com um profundo sentimento de inveja por tudo aquilo que representa Sherman McCoy e os seus pares. O seu desejo de esmagar a qualquer custo um membro da alta sociedade, sobretudo alguém que possua tudo aquilo que ele não consegue obter - dinheiro, prestígio social, uma bela amante e um físico invejável - é o móbil da sua conduta, ao longo do desenvolvimento da narrativa.

O mesmo se passa com Peter Fallow. A viver no limiar da pobreza absoluta, culto, mas sem recursos (e sem escrúpulos), deseja ascender socialmente através de um golpe de sorte, um "furo" jornalístico que o projecte para a ribalta e para as primeiras páginas dos tablóides.

McCoy é o insecto que cai totalmente desprevenido na teia destas duas aranhas, que se servem do seu infortúnio para ascenderem na sua carreira profissional.

O ponto fraco de Fallow reside numa vaidade desmedida assente na convicção da sua aparente superioridade intelectual. Na realidade, Fallow é o típico oportunista cuja notoriedade é conseguida através de uma espécie de parasitismo, que consiste em aproveitar-se do trabalho dos outros. Ou da desgraça alheia.

Os três protagonistas masculinos têm em comum o sobrestimarem a importância do seu papel na sociedade.

Outros temas relevantes explorados em A Fogueira das Vaidades são, por exemplo, o racismo quase atávico e gratuito, personificado em Maria – uma jovem caçadora de fortunas oriunda da Carolina do Sul, assim como as meias verdades utilizadas no jornalismo sensacionalista, com o objectivo de manipular a opinião pública.

Algo de que as diferentes facções políticas sabem servir-se muito bem.

Sobretudo os líderes carismáticos, como o Reverendo Bacon, cuja demagogia esconde um cinismo oportunista, camuflado sob uma máscara de defesa dos direitos humanos e da igualdade de oportunidades para as minorias.

A obstrução da justiça é outra das faces do mesmo problema. A ajudar à manipulação pelos media, as lacunas que impedem a eficiência do sistema judicial americano, permitem, frequentemente, que a pressão das eleições estaduais para os magistrados impliquem, muitas vezes, que estes tenham de se curvar à simpatia/antipatia da opinião pública face ao réu, vendo-se um juiz, em sérios apuros ao tentar remar contra a maré, como no caso de Abraham Kovitszki....

Por outro lado, o referido sistema judicial permite facilmente a manipulação de um júri por parte de um procurador sem escrúpulos, verificando-se, a maior parte das vezes, a desvalorização da investigação isenta de interesses. A verdade torna-se, então, incómoda, sobretudo quando apresentada com as suas cores reais.

Também o sistema educativo a duas velocidades é outra das farpas implantadas por Wolfe num dos pilares base da sociedade americana: a igualdade de oportunidades.

A implementação de um sistema de ensino destinado às classes mais desfavorecidas e "cérebros de segunda" com testes de resposta múltipla, respostas de verdadeiro ou falso e ausência de trabalhos escritos, assim como de disciplinas que obriguem ao desenvolvimento do pensamento crítico ou de análise, permitem que sistema de ensino sirva, assim, para aumentar a clivagem social de um regime de Apartheid camuflado, no qual cada vez mais se desenvolve um sistema social semelhante ao das castas indianas, cuja impermeabilidade é cada vez mais notória.

Um livro que é para muitos um verdadeiro soco "em cheio no plexo solar".

Uma leitura indispensável nos dias que correm…

Cláudia de Sousa Dias