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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Monday, October 25, 2010

"Jesusalém" de Mia Couto (Caminho)



Jesusalém é um lugar fora do mundo, do qual, segundo o autor, até mesmo Deus se teria esquecido de passar, nas suas andanças pelo mundo.
É o lugar do esquecimento, da culpa e do remorso. Jesusalém é a história do desamor, como explica, de forma críptica, a epígrafe de Herman Hesse que introduz a obra:
Toda a história do mundo não é mais do que um livro de viagens reflectindo o mais violento e mais cego dos desejos humanos: o desejo de esquecer.
Mais uma vez, a temática da condição feminina tem um peso muito forte na obra de Mia Couto. Desta vez, quem lhe dá a voz são duas heroínas. Marta, a portuguesa de cabelos lisos, chegada de Lisboa à procura do marido, que acaba por se instalar em Jesusalém sob o pretexto de fotografar a fauna local – as garças. Marta é a fotógrafa da beleza e da graça, no voo da garça, mas no seu estado de liberdade absoluta, selvagem. Do lado africano temos Noci, uma lindíssima mulata que se vai libertando, progressivamente, do jugo económico a que é submetida através de uma ligação sexual com o patrão.
As sociedades patriarcais colocam fortes entraves à autonomia feminina. O caso da região onde decorre a história de Jesusalém não é excepção.
O narrador de Jesusalém é o filho mais novo de Silvestre Vitalício, Mwanito, cujo papel é o de desvendar uma belíssima e trágica história de amor e ciúme, servindo-se de um discurso nostálgico e ândido, típico da prosa poética de Mia Couto. Uma narrativa entrelaçada com os dramas emocionais das pessoas próximas do quotidiano de Mwanito.
Na primeira parte, o jovem fala exclusivamente do pequeno mundo onde habitou até aos onze anos, no qual acreditava estar contida a humanidade inteira – uma espécie de Jardim do Éden onde, tal como no livro do Génesis, existe uma fonte de conhecimento que está vedada às mentes simples: o fruto proibido pelo qual os jovens sentem uma fome absoluta.
Mia Couto explora cada personagem num capítulo que lhes é dedicado, onde são desenvolvidas cada qualper si mas, simultaneamente, em relação com as demais, criando assim uma teia de atracções e repulsões. Através da voz de silêncio de Mwanito, cujo poder de observação é canalizado para a escrita e processado por uma voz interior, permanentemente activa, que explora e regista atitudes, gestos, expressões, timbres e tonalidades vocais. As emoções estão por detrás de cada cambiante facial ou vocal em todas as personagens, desde o Pai até à jumenta Jezibela.
O Livro II, intitulado “A Visita”, é o ponto de viragem na trama, afectando não só o quotidiano do narrador mas o de todos os habitantes de Jesusalém: a entrada de Marta em cena surge como um vendaval que desencadeia uma enorme inquietação, sobretudo em Silvestre, e fortes emoções em Mwanito e em Ntunzi, o irmão mais velho. Nenhum ser naquela localidade fica indiferente à presença da estrangeira e nada mais será igual ao que era antes. Por esse motivo, a hostilidade de Silvestre causa graves momentos de tensão, sobretudo nos últimos capítulos deste Livro II.
O conceito de mulher causava já, antes da chegada da jovem vinda de Portugal, uma forte inquietação nos filhos de Silvestre. Sobretudo no mais jovem, a quem descreviam uma mulher quase como uma caricatura, uma figura burlesca, uma paródia à feminilidade.
Ao poisar pela primeira vez o olhar em Marta, Mwanito sente-se deslumbrado pela sua beleza serena, revestida de uma certa aura de melancolia. Durante algum tempo, Marta será um sucedâneo de uma figura maternal para ambos os jovens, ao passo que, para a exacerbada imaginação de Ntunzi, Marta seria a protagonista de outro género de fantasias.
A curiosidade de Mwanito em relação a Marta e ao seu passado leva-o, também, a explorar os seus pertences: objectos pessoais, cartas e uma espécie de diário.
Mwanito é um jovem com capacidades cognitivas extraordinárias: aprende a ler praticamente sozinho, às escondidas do pai, ajudado apenas pelo irmão e Zaccaria Kalash, que lhe fornecem a pedagogia (rudimentar) e os meios materiais (mais do que escassos), como papel e lápis. Desta forma, e com muita persistência, acaba por conseguir decifrar a escrita de Marta e mergulhar quer no passado quer na alma da misteriosa e solitária mulher.
A primeira referência a Noci aparece em casa de Marta, em Lisboa, associada ao desaparecimento do marido desta, facto que é referido nas cartas encontradas por Mwanito. A bela moçambicana é o elo de ligação entre as personagens de ambos os continentes e é também a responsável indirecta pela presença de Marta em Moçambique. Noci ocupa um papel decisivo na trama, sendo a peça-chave da sua conclusão: ela é o catalizador, a mola que acciona o mecanismo detonador da mudança que Marta ajudará a implementar.
Outra figura feminina central no romance, que se faz notar pela ausência, é Dordalma, mulher de Silvestre Vitalício e mãe dos dois jovens, por ser aquela que mais fortemente está enraizada no pensamento de todos. Dordalma é como a árvore do conhecimento no paraíso à qual é proibido aceder. É a vítima de uma sociedade que considera a mulher propriedade do homem, seja ele pai, marido ou amante – excepto se for velha, louca ou bruxa. A tentativa da libertação de um vínculo que a faz infeliz e a diminui como mulher ou ser humano atrai inevitavelmente a fatalidade.
Apesar de Dordalma estar ausente de Jesusalém, a sua lembrança é constante no pensamento de todos. Aqueles que a querem lembrar e os que desejam esquecê-la. Dordalma é uma presença viva dentro de cada habitante.
Há, também, uma forte ligação ao mundo vegetal nas estórias de Mia Couto, sejam elas em forma de conto, poesia ou romance. Jesusalém não é excepção. Para o autor moçambicano, as árvores e as plantas são testemunhas dos acontecimentos e encerram em si muitas histórias. E em Jesusalém há uma árvore que é fundamental, pois é ela quem está na posse do segredo que Silvestre deseja ocultar: a dor de Dordalma e as suas causas.
A construção da história obedece ao modelo freudiano de estruturação da consciência. Na primeira parte é-nos apresentado o super ego de Mwanito e Ntunzi, isto é, o sistema de regras no qual foram educados e o pequeno mundo em que Silvestre, o pai, se torna o ditador Vitalício.
Na segunda parte, surge Marta a desempenhar o papel de porteiro ou mensageiro – O Ego – e a trazer a noção de que existe um mundo escondido por debaixo daquele que Vitalício apresenta aos filhos. E que é necessário fazer a ponte entre ambos – o mundo conhecido – a Jesusalém de Vitalício – e o desconhecido.
A terceira parte é o mergulho no passado recalcado por Silvestre e a abertura para o mundo exterior. Jesusalém e o seu sistema repressivo e opressivo de regras e contradições desmorona-se para dar lugar a outra forma de estar: a interacção com o exterior.
O inconsciente é usado para guardar aquilo que incomoda, segredos tumultuosos que acabam por vir à superfície como a lava de um vulcão que explode, aparentemente sem aviso prévio.
Jesusalém é uma obra onde estão presentes os contrastes. Onde a rudeza da alma anda, por vezes, de mãos dadas com o sublime, temperada pela presença angélica de figuras femininas, incluindo a jumenta Jezibela, que por vezes tanto tem de humano.
por Cláudia de Sousa Dias (Publicado no site Orgia Literária a 15 de Outubro)

Monday, October 18, 2010

“As Mãos Desaparecidas” de Robert Wilson (Dom Quixote)



O romance de que hoje tratamos faz parte de uma série cujo primeiro volume, intitulado de O Cego de Sevilha, consiste no arranque de uma longa e minuciosa investigação criminal protagonizada pelo inspector Javier Fálcón, uma personagem inspirada na figura do polémico juiz e criminólogo Baltazar Garzón, responsável pelo julgamento mediático que envolvia o antigo ditador chileno Augusto Pinochet.

As Mãos desaparecidas é uma trama composta pela investigação policial de uma série de estranhos suicídios, ocorridos num bairro luxuoso da cidade de Sevilha, debaixo de um calor tórrido, em plena canícula. As personagens tentam manter uma imagem impoluta da mesma forma que se esforçam por conservar as temperaturas das respectivas casas refrigeradas e, assim, evitar a transpiração e o desagradável odor a suor uma particularidade da fisiologia excretória socialmente mal-vista tal como toda as excreções corporais. Mas o frio não serve apenas para evitar a transpiração. É também utilizado como camuflagem de personalidade e, em certos casos, serve para ocultar uma identidade.

A investigação de Javier e da sua equipa ameaça derreter a máscara de prestígio social que acompanha as vidas de alguns habitantes daquele bairro, muitos deles, habituados a figurar nas revistas ditas cor-de-rosa.

A imagem de sofisticação, glamour, estilo e opulência exibida pelos habitantes daquele lugar é cuidadosamente preservada, em casas onde as temperaturas são conservadas artificialmente frescas à custa do sistema de refrigeração que conserva a carne dos que lá habitam com uma aparência imaculada, isto é, sem exibir o odor a putrefacção dos respectivos corpos e almas.

A investigação levada a cabo pela equipa de Javier Falcón acaba por revelar que todos suicídios ocorridos em circunstâncias suspeitas, estão, de alguma forma, interligados. Inclusive aquelas que foram sendo convenientemente eliminadas no romance anterior: quanto mais Javier avança na sua investigação, mais convencido fica de que as mortes recentes não se tratam na realidade de suicídios, como poderia perecer à primeira vista, mas assassínios.

Falcón conta, para além dos seus colegas de departamento, com a ajuda de duas aliadas femininas: Consuelo, viúva de Rafael Jiménez – uma das figuras centrais de O Cego de Sevilha – e Madeleine Krüegger, a misteriosa beldade americana, de aspecto levemente vampírico, devido ao seu ofuscante cabelo vermelho. Medeleine perece estar, de uma forma ou de outra, ligada a estes estranhos suicídios. Trata-se de uma jovem detentora de um invulgar magnetismo sexual e poder de sedução. A sua beleza atrai as pessoas como um íman, conjugando o seu talento de fotógrafa e uma cultura bastante acima da média. Madeleine gosta de fotografar atitudes e não propriamente rostos ou corpos, captando por vezes de forma algo embaraçosa – e perigosa – aquilo que as pessoas não dizem, isto é, as emoções que normalmente tentam esconder ou não querem exibir em público. Um talento indiscreto, que se revelará fundamental para a descodificação desta complicada intriga policial.

O estoicismo idealista de Falcón obriga-o, muitas vezes, a trabalhar de forma inconvencional, marginal até, de acordo com a sua personalidade reservada e introspectiva. Depara-se, por vezes, com os entraves interpostos pelo Juez Calderón seu oponente e rival, cuja ambição supera, por vezes, a ética e o brio profissional. O investigador Falcón conserva, ainda, algum ressentimento pessoal pelo facto de a sua ex-mulher ter casado com o colega e superior hierárquico. O Juez está noivo de Inés, cujo divórcio provocou em Falcón uma prolongada depressão no volume anterior da série, e que o afectava na recta final do mesmo romance dificultando as relações profissionais com o juiz no presente.

Apesar de algumas semelhanças com a série CSI, As Mãos Desaparecidas é um romance de elevado teor realista, a reflectir a dificuldade em articular o trabalho entre os vários departamentos da mesma Instituição, entre as várias instituições e, por vezes, mesmo entre colegas de profissão, sobretudo quando a corrupção está, ela própria, já infiltrada no seio da própria instituição.

Neste volume, são abordadas algumas questões delicadas como a imigração do Leste Europeu para os países Ibéricos, a exploração no trabalho e os novos modelos de escravatura, a qual se desdobra não só na prostituição, mas também no trabalho ilegal em condições abaixo do limiar da dignidade humana e na pedofilia ou tráfico de menores, fazendo a ponte com as personagens que já figuravam em O Cego de Sevilha .

As Mãos Desaparecidas traz já algum desenvolvimento relativo a algumas questões que ficaram “no ar” no último romance onde a questão central ficou apenas resolvida “pela rama”.

Consuelo Jiménez é uma lufada de ar fresco neste romance ao contrário do anterior onde parecia assumir mais a postura de matadora. Neste volume a atitude predominante face a Falcón é a de uma aliada quando no anterior era uma das suspeitas do assassínio do marido. Consuelo dá, no presente romance, um novo colorido à vida pessoal do investigador Falcón. Uma vida que antes parecia não existir. Consuelo atenua o humor algo cinzento de Falcón, mais próximo do temperamento de um britânico do que a um sevilhano. Ao cinzento da vida pessoal Inspector junta-se ainda uma casa imensa, semelhante a um museu, e a assepsia de laboratório vivida no local de trabalho com os colegas, com os quais mantém, apesar de tudo, uma estreita relação de cumplicidade. Uma cumplicidade que, no entanto, não se estende à vida pessoal, dada a extrema reserva de Falcón.

Em As Mãos Desaparecidas, Consuelo faz antes sobressair a faceta de viúva solitária, jovem e desejável, que tenta conciliar o papel de mãe de família, mulher independente e sem preocupações económicas, com a possibilidade de viver um relacionamento íntimo sem assumir um vínculo muito forte.

Falcón, por sua vez, apesar de continuar a ser um homem algo solitário, assume uma faceta mais humana do que no volume anterior deixando-nos espreitar um pouco a sua intimidade. Também a posição de Falcón relativa a Madeleine Krüegger e a aproximação face ao campo magnético da sua perturbadora e algo predatória sensualidade dá ao romance a tensão necessária ao acelerar da leitura: Madeleine faz lembrar a típica vamp dos anos 30/40 na época dourada dos gansters de Nova Iorque ou Chicago.

A trama do romance desdobra-se, ainda, na ligação dos crimes ocorridos na Sevilha contemporânea que se liga à introdução das Máfias no Leste na Península Ibérica, cujas raízes se estendem até Portugal e às investigações do FBI relacionadas com o 11 de Setembro de 1973 no Chile, altura do golpe de estado de Pinochet, após o assassínio de Salvador Allende, uma nítida inspiração do Autor no carismático juiz Baltasar Garzón.

A estrutura do romance permite uma noção mais ou menos aproximada do tempo real em que se desenvolvem as investigações e de como estas se prolongam no tempo durante anos a fio, cheias de avanços e recuos, na exploração dos vários temas da actualidade sem cair no sensacionalismo ou na vulgaridade.

A escrita de Robert Wilson é, também, dotada de um sentido estético que se pauta pelo equilíbrio e sobriedade transpostos para uma escrita que obriga a uma leitura concentrada, mas de ritmo constante, com poucas interrupções.

Trata-se de um romance de ficção policial de invulgar nível de excelência pela criação do contraponto entre a exibição de um paraíso artificial onde, à superfície, dominam o luxo e a beleza mas debaixo do qual se movimentam as forças tectónicas dos dejectos da alma humana, à semelhança do que acontece na casa de Ortega, o lugar onde Falcón começa por encontrar o fio condutor que o leva ao esclarecimento de grande parte das questões que parecem carecer de sentido.

As facetas mais obscuras e fétidas da personalidade humana acabam por explodir e revelar uma realidade muito mais apodrecida do que os dejectos que afloram à superfície da casa de Ortega, o lugar onde parece desaguar "toda a merda do bairro". E dos crimes alheios.

As Mãos Desaparecidas é, sem dúvida, uma leitura empolgante e absorvente para os insaciavelmente curiosos, temerários e indiscretos humanos de temperamento felino.

Cláudia de Sousa Dias

Wednesday, October 06, 2010

"Sphera, Spera, Speranza" de José Adelino Maltez (Sopa de Letras)


Ao lermos a poesia de José Adelino Maltez encontramos facilmente o dilema que implica o dualismo de uma alma que se divide entre o trabalho como docente, filósofo e político e, por outro lado, o "eu" emocional, o universo interior. Trata-se de uma escrita reveladora de um acentuado pensamento crítico, que recusa todas as formas de dogma e utiliza a dúvida como método exteriorizando, simultaneamente, as emoções contraditórias do Id.


Saudade, algum pessimismo e esperança fundem-se para construir um mundo em permanente transformação e a rodear um quotidiano onde o conhecimento é fonte de crescimento e as emoções de realização pessoal.


Cláudia de Sousa Dias

"A Casa e o Cheiro dos Livros" de Maria do Rosário Pedreira (Gótica)


A Autora traz-nos um livro de beleza outonal, sublinhada pela capa da cor das folhas que se desprendem das árvores em Outubro, ao concentrar, num pequeno volume, todo um manancial de emoções, sensações e odores. Um mundo privado, proveniente de uma alma cujo imaginário tem a capacidade de transformar uma paixão feita em estilhaços em algo de sublime.


A prosa poética e intimista de Maria do Rosário Pedreira é desprovida de sentimentalismos piegas, concentrando-se antes os cenários interiores de uma casa ou das suas imediações, como o espelho das emoções que aí se vivem ou que aí foram vividas. A atribuição de características anímicas a objectos, a personificação antropomórfica conferida a seres vegetais ou a animais domésticos que se tornam testemunhas cúmplices (como por exemplo, os gatos) de um amor vivido e interrompido bruscamente, dão um ar de natureza morta aos locais, onde impera a nostalgia. Onde o Verão parece estar ausente vivendo-se um momento de pausa à luz sépia que antecede o frio do Inverno.

O livro para ser relido à luz de uma chama a recordar o Estio.


Cláudia de Sousa Dias