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Saturday, November 18, 2006

“Markheim” de Robert Louis Stevenson - "Contos de Natal" Parte II (ASA)


Robert Louis Stevenson, Junho 1885

Para construir Markheim, Robert Louis Stevenson inspirou-se num artigo sobre o subconsciente que o Autor leu numa revista francesa. Um conto que faz parte de obra The Merry Men and other Tales and Fables, 1887.
O tema consiste em mostrar que alguém, face à oportunidade de praticar um crime, é obrigado pelas circunstâncias a planear detalhada e metodicamente todos os seus actos, no sentido de eliminar quaisquer indícios que o denunciem.
O Autor insiste, particularmente, nos momentos de angústia inerentes aos processos mentais deste tipo de pessoa e do incrível esforço mental, decorrente dos detalhadíssimos cálculos que este tem de efectuar para cada movimento, no sentido de evitar pistas que o apontem como autor do crime.

A história começa com a visita de Markheim, o jovem herdeiro de um tio rico, a um próspero dono de uma loja de antiguidades com o intuito de o assaltar. Markheim tem-no visitado frequentemente para empenhar objectos que fazem parte do espólio da sua herança, que tem vindo a delapidar progressivamente. Stevenson foca especialmente as atitudes esquivas de Markheim, sobretudo quando este é confrontado com as dúvidas do negociante relativamente à sua honestidade, o que acentua ainda mais o seu comportamento suspeito.
Um interrogatório mais apurado por parte do lojista obriga-o a mudar de atitude para melhor dissimular. Aqui, Markheim veste a máscara de herdeiro rico e dissipador que quer vender o património para poder casar.

Markheim é um homem ambicioso. Julga que tudo lhe é devido e culpa rancorosamente a sociedade por não lhe dar tudo aquilo que deseja. Além do mais, possui uma noção distorcida da fronteira que separa o bem do mal. O jovem tem a personalidade típica de uma psicopata: frio, dotado de grande capacidade de cálculo e planeamento, pensamento estratégico e capacidade de dissimulação. Possui, ainda, alguns traços de paranóia, sobretudo depois de cometer o crime – vê inimigos em todo o lado, até no próprio espelho. Aqui é nítida a simbologia atribuída pelo Autor do texto: ele é o seu único e pior inimigo.

Depois de cometer o acto, o medo e a angústia de ser descoberto tornam-se insuportáveis, obrigando-o a desconfiar de todo e qualquer ruído ou objecto e a planear evitar todas as formas de contacto social – e, ao mesmo tempo, a eliminar todo e qualquer traço que denuncie a sua presença naquela casa e naquele dia.

O receio de encontrar um delator em cada objecto ou por detrás de cada esquina transforma a personagem num doente de esquizofrenia paranóide – alucinações visuais e auditivas: “todos a espreitar e a escutar e a tecer a corda que iria enforcá-lo.” Quando calmo, age apenas inspirado pela astúcia e pelo ódio.

A recordação incomoda-o, pois tem perfeita consciência da gravidade do crime que sabe ser condenável aos olhos dos homens. No entanto há, curiosamente, uma ausência total de sentimento de culpa, que é substituída pelo medo de ser apanhado. Markheim julga-se acima da humanidade, achando o seu crime justificável aos olhos de Deus.

Surpreendentemente, há duas ocorrências que vêm alterar o rumo das coisas, obrigando a uma inflexão no desenrolar da história.

E primeiro lugar o encontro de Markheim cara a cara com o Diabo, que o tenta convencer a segui-lo, entregando-se-lhe de vez; em segundo lugar, o regresso da criada, uma testemunha casual.

O diabo é uma alucinação causada pelo seu próprio reflexo no vidro que ele confunde com o Diabo que vem para se apoderar da sua alma.

Estas duas circunstâncias obrigam-no a mudar de ideias e a entregar-se às autoridades. Não por ter alterado os seus valores, mas antes por ter a consciência de ser incapaz de controlar todas as variáveis e todas a s circunstâncias que o impeçam de ser apanhado e submetido à justiça dos homens.

Marheim sabe que se entregar a sua alma ao Diabo, prosseguindo na senda do Mal, a sua situação agravar-se-á de forma exponencial e que chegará a um ponto em que não poderá fugir à Justiça dos homens. Markheim sabe que tem vindo a decair progressivamente.

Markheim identifica-se com a concepção demonstrada pelo Diabo de que “o homem é o lobo do homem” (Rousseau) ou seja, de que é a sociedade quem corrompe o criminoso. Também não acredita no arrependimento no leito de morte que, para ele, é um pretexto para desculpar os vivos dos seus actos.

Este conto revela, nas entrelinhas, ser contra a moral calvinista ou a teoria da predestinação, pressupondo, pelo contrário, que o homem tem o poder de controlar o seu próprio destino. Que é o produto das suas escolhas. Que se não se pode escolher entre o bem e o mal pode-se sempre recusar este último.

Stevenson pretende, com este conto, criticar os teóricos da Revolução Francesa que foram, eles próprios, durante a época do Terror, o Lobo do Homem.

Sem conseguir, contudo, fugir a uma concepção romântica acerca da natureza humana e das emoções subjacentes ao comportamento.

A redenção como tema-chave para este Natal.

Cláudia de Sousa Dias

Saturday, November 11, 2006

"A História dos duendes que raptaram um Sacristão" de Charles Dickens Contos de Natal - Parte I (ASA)




Este é o conto de Charles Dickens que serviu de protótipo ao célebre A Christmas Carol – em Português Um Conto de Natal – e que fala da redenção do avarento Scrooge.

Nesta pequena
shortsory, o protagonista é o coveiro Gabriel Grub – cuja fonética é a adulteração de grave (túmulo, campa), e constitui um toque humorístico do Autor, ao caracterizar um homem de carácter profundamente cínico, que se regozija com o mal dos outros.

A história dos duendes que raptaram o sacristão é um conto que é narrado como se se dirigisse a um público infantil, reunido à volta da lareira, numa noite gelada de Inverno, com o vento a uivar nas janelas…

Trata-se de uma estória elaborada com intenção pedagógica e formativa, destinada a ser utilizada com o intuito de contribuir para a construção do edifício ético e moral dos mais novos, onde a intervenção do sobrenatural, acentuada pelo ambiente sinistro do cenário – o cemitério, os túmulos, o gelo e o frio – que sugere o terror, funciona como um potente dissuasor do Mal.

O coveiro e ajudante de sacristia é, como já foi referido, um homem que tem uma grande dificuldade em conviver com a felicidade alheia. Utilizando a ironia, uma figura de estilo típica em Dickens, que a utiliza com particular mestria, o Autor fala-nos do “bom humor” dos coveiros em geral, colocando em evidência, pela técnica do contraste, o humor negro de Gabriel Grub, que se reconforta ao pensar constantemente na doença e morte alheias. O momento de extremo sarcasmo por parte do narrador dá-se após Grub lançar um dos seus piores vitupérios, ao comentar “E foi neste feliz estado de espírito que…”


O aparecimento de um ser fantástico, em tudo semelhante aos génios ou “djins” das mil e uma noites, marca um ponto de viragem na narrativa. Em primeiro lugar, porque consegue surpreender Grub; em segundo lugar, porque é aqui que começa a ser trabalhada a personalidade do monstruoso coveiro, no sentido de se tornar uma pessoa diferente. Gabriel Grub é levado para um reino subterrâneo, para lá do mundo dos vivos, para uma grande caverna onde residem os duendes que reclamam a presença do coveiro – o homem mais malévolo do mundo – para ser punido pela sua maldade. Ou na melhor da hipótese para apanhar um correctivo que o obrigue a mudar de atitude.

Tal como acontece aos meninos quando se portam mal.

Por isso, Grub é impiedosamente torturado e injuriado pelos duendes. Tal como ele próprio gostava de maltratar as crianças e os mais fracos.
Posteriormente, os duendes obrigam-no a assistir à extinção gradual de uma família feliz, cujos membros vão, ao longo do tempo, sofrendo as marcas da fatalidade, sem contudo deixar de achar que a vida vale a pena. Ou seja, Grub é, primeiramente, obrigado a sofrer uma punição física, como expiação pela prática do mal. E, num momento posterior, é forçado a compreender o sentido e o alcance da sua própria maldade. Por último, é-lhe dada a entender a vantagem de encarar a vida com optimismo – com intuito pedagógico visando a sua reintegração social –sendo-lhe, também, dada a oportunidade de recomeçar uma nova vida.

Mas a ideia principal deste conto não é apenas a da dissuasão do Mal por instigação do medo da punição. É, antes de mais, a constatação de que a mudança radical de personalidade não tem credibilidade para aqueles que conhecem o passado do infractor. O que implica uma mudança de localidade para tornar possível uma reinserção onde se terá se recomeçar a vida do zero.

Porque a sociedade não consegue desligar-se da “máscara” ou “persona” que sempre acompanhou o indivíduo. Neste ponto, Dickens aproxima-se inquietantemente da realidade, assemelhando-se ao pensamento do Autor que compôs o libretto para a ópera La Traviatta de Giuseppe Verdi.

Para vestir uma nova “máscara” e apresentar-se com uma nova “persona” é necessário mudar de localidade e conviver com pessoas que o não associem à “máscara” anterior para que a actual “máscara” seja credível.

Dickens personifica, sobretudo, uma forma dramática de ilustrar a realidade, recorrendo à parábola, ao construir uma história de grande valor artístico e significado polissémico.

Um marco importantíssimo na literatura inglesa do sec. XIX.


Cláudia de Sousa Dias