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Saturday, April 19, 2014

“O Formato Mulher – A Emergência da Autoria Feminina Portuguesa” de Anna M. Klobucka (Angelus Novus)




Esta é uma obra de carácter científico, no campo da Literatura e Análise do Discurso aplicada ao texto Literário da autoria de Anna Klobucka, professora no Departamento de Português da Universidade de Massachussets, Dartmouth, nos EUA, onde ensina Literatura Portuguesa e Lusófona. Antes, publicou Mariana Alcoforado: Formação de um Mito Cultural (Bucknell University Press, 2000) e co-organizou com Helena Kaufman After the Revolution: Twenty Years of Portuguese Literature 1974-1994 (Bucknell, 1997) e, com Mark Sabine, Embodying Pessoa: Corporeality, Gender, Sexuality (University of Toronto Press, 2007).

A Autora elabora neste livro uma análise, numa perspectiva evolutiva, do texto poético no que concerne à emergência da Autoria Feminina Portuguesa no século XX como um processo de ocupação, melhor dizendo conquista progressiva do espaço de produção literária no domínio público que era, até então, de pertença quase exclusiva do domínio masculino.

Para a Anna Klobucka, a sobrevalorização concedida tradicionalmente a uma figura feminina que viveu entre o século XVII e primeiras décadas do século XVIII a considerada por muitos um ícone dentro das escritoras portuguesas que ficaram na obscuridade ou semi-obscuridade, Soror Mariana, a qual teria escrito as famosas Cartas Portuguesas pode ser, em parte causa da relativa obscuridade das Autoras portuguesas contemporâneas e que viveram nos séculos seguintes. Isto porque, conforme a posição defendida por Klobucka na sua obra a atribuição da Autoria de Cartas Portuguesas a Mariana Alcoforado é,a o que tudo indica fictícia, tendo o mesmo acontecido com Violante de Cisneyros e outras ficções de autoria masculina atribuídas à pena feminina, tradição que recua até à época medieval com as cantigas de amigo. O que não significa que a obra não tenha exercído influência nas obras que são de facto de autoria feminina em Portugal, influência essa que se manifesta em várias autoras do século XX, como acontece com a poesia de Florbela Espanca. Anna Klobucka, ainda no capítulo introdutório, não deixa de chamar a atenção para o ponto de viragem na história da literatura feminina, em Portugal que foi a publicação de Novas Cartas Portuguesas, uma obra escrita a seis mãos por Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, sendo estas as três autoras do século XX que ficaram conhecidas internacionalmente como “As Três Marias”. Neste livro, envolto numa intensa nuvem de polémica na altura em que foi lançado, no início dos anos '70, as autoras fazem uma reinterpretação histórica do texto que fez História, construindo um hipertexto da obra atribuída a Mariana Alcoforado, esforço a partir do qual resulta uma obra de conteúdo marcadamente polifónico.

Em O Formato Mulher, Anna Klobucka opta por proceder à interpretação, pela via ginocêntrica, da História Cultural da Literatura Portuguesa na escrita poética feminina investigando, por um lado, a diferenciação, nas suas múltiplas facetas polifacetada e dimensão dialógica do discurso literário individual de cada uma delas e integrando-as na perspectiva da dimensão histórica do mesmo discurso, pelo outro.

Relativamente ao corpus das autoras seleccionadas Anna Klobucka decidiu incluir: Florbela Espanca, por ser pioneira, no sentido de ter surgido como uma das primeiras figuras femininas em Portugal cuja poesia foi reconhecida pelos seus pares (entendendo-se por tal os “poetas homens”); Sophia de Mello Breyner Andresen, cuja poesia de teor arcádico e inspiração helénica lhe deram estatuto de total paridade com os poetas seus contemporâneos do Modernismo na fase Neo-realista; Maria Teresa Horta, uma das “três Marias” supra-mencionadas, responsável pela ruptura com a escrita poética feminina feita até então, para abordar temáticas, até aí, consideradas tabu na escrita feminina (o caso da glorificação do corpo, do prazer e do sexo); parelalamente a Maria Teresa Horta a Autora deste livro analisa a poesia de Luiza Neto Jorge, que desconstrói o papel e o lugar da mulher dentro da sociedade, obrigando a uma nova forma de olhar a Mulher e à valorização desta no seio de uma sociedade patriarcal, tradicionalmente, a relega para segundo plano, não só no tocante ao poder e visibilidade no espaço público como à desvalorização do seu trabalho ainda dentro da esfera doméstica; depois, já noutra secção, Adília Lopes, a qual, também através da desconstrução do discurso feminino tradicional na poesia feminina chama a atenção para o cotexto presente no discurso poético feminino; e, por outro lado, Ana Luísa Amaral, a Poeta que dá voz às musas dos Poetas homens, colocá-las como protagonistas, dando voz ao canto das musas ao invés de estas se limitarem a servir de inspiração.

O principais pontos de partida para a investigação de Anna Klobucka consistiram em:

Saber se existe de facto uma escrita dita “feminina”, no seguimento do estudo de Isabel Magalhães e publicado com o título O Sexo dos Textos, quando se fala de proliferação, em certos meios, da emergência feminina na época medieval e posterior apagamento, desde o século XVI até ao século XIX.


Perspectivas sobre as obras das Autoras do corpus de investigação



Anna Klobucka dedica-se, em O Formato Mulher, à abordagem da semiose e modalizações figurativas acerca da identidade de género que surgem, ora em confronto ora em diálogo, com a figuração tradicional feminina feita por poetas homens.

Em segundo lugar, a Autora toma em linha de conta a polarização da escrita, na escrita das Poetas/Poetisas supra-mencionadas, dos géneros feminino e masculino, bem como a relação que se estabelece na comunicação entre ambos, identificando o posicionamento do sujeito poético, o locutor (L) face às outras vozes, que aparecem citadas no poema e constituem o eu empírico ou locutor lambda (λ), bem como a análise da correspondência semântica do género gramatical na escrita destas seis poetas/poetisas. Anna Klobucka analisa, também, a forma como se estrutura o EU feminino enquanto sujeito de criação poética e referencial do correspondente imaginário de cada uma das seis Autoras, levantando o véu para avaliar indícios que assinalem a manifestação de uma escrita marcadamente feminina, no tocante ao imaginário poético de cada uma delas. Neste caso, Klobucka observa, por exemplo, Florbela Espanca como fazendo parte ainda de uma fase de “guetização” da poesia no feminino, à qual críticos como Eugénio Melo e Castro opunha uma estética masculina, criando o contraste com a figura de Irene Lisboa, a qual apesar de não fazer parte do corpus deste estudo, é já considerada desencadeadora de um ponto de viragem, neste processo de emancipação da poesia feminina. Klobucka cria, utilizando a técnica constrastiva, as condições para estabelecer a transição, recorrendo às palavras dos críticos da época, para falar da poesia de Sophia de Mello Breyner, acerca de quem salienta o mérito de “marcar, de maneira particularmente enfática, essa mesma 'desguetização”, na viragem para a segunda metade do século XX.

Nas décadas que se seguem aos anos '60, a cena literária portuguesa passa a ser progressivamente ocupada por figuras femininas como Maria Teresa Horta e Luíza Neto Jorge, duas autoras que integram um das secções da obra e cuja estética Klobucka, põe em confronto numa óptica comparativa, dado que ambas estas Autoras imprimem uma nova forma de estar na poesia, introduzindo novas perspectivas e temáticas ligadas à condição feminina, à liberdade de expressão e ao lugar da mulher na sociedade, sob perspectivas assaz diversificadas.

E, finalmente, visando as últimas décadas do século vinte, Anna Klobucka dedica a última secção deste estudo a o surgimento de novas formas de conceber poesia mediante a poesia de Adília Lopes e Ana Luísa Amaral.

O critério de selecção de Anna Klobucka para este trabalho de investigação prendeu-se com a necessidade de salientar a diversidade e complexidade da experiência poética no feminino, inserida nos respectivos contextos culturais e sócio-históricos.

As Poetas/Poetisas e a sua escrita

Em Anna Klobucka os termos “poeta” e “poetisa” aparecem, ora em franca oposição, ora em diálogo sendo a sua distinção algo complexa, tendo de se recorrer ao contexto da história da Literatura e crítica Literária relativamente à expressão do Eu feminino na Poesia.

A demarcação destas duas declinações daquele que seria, à partida, o mesmo conceito- a mulher que escreve – deve-se ao facto de existir uma diferença mais ou menos marcante na forma de expressão poética de cada uma deles. Essa diferença encontra-se particularmente patente em Florbela Espanca e Sophia de Mello Breyner que a Autora desta obra de que aqui tratamos optou por tratá-las separadamente em dois capítulos diversos.

Ana Luisa Amaral explica no texto de apresentação do livro em Portugal que apesar de em Inglês a distinção entre “poet” e “poetess” ter caído em desuso, em Português, sendo esta uma língua onde o género aparece muito mais vezes declinado em termos gramaticais é mais difícil fazer desaparecer esta distinção, por um lado e, por outro não há tanto a tendência para identificar a palavra “poetisa” como uma forma menor de expressão do génio poético numa escritora que se dedique a este género literário.
Assim para Anna Klobucka, conforme escreveu Raquel Ribeiro no Ípsilon de 27 de Janeiro de 2010:

«Florbela é uma pioneira, a primeira mulher a escrever que se assumia enquanto tal. Ela era, disse João Gaspar Simões, "antes de mais nada mulher", falando, como explica Klobucka, "a partir da voz que se afirma enquanto feminina". Sophia, pelo contrário, tem uma voz universal, neutra". Florbela seria, então, uma poetisa: escreve como mulher antes de ser poeta, e Sophia é a "primeira mulher que não escreve como tal, mas como poeta". »

Relativamente a Florbela Espanca, Anna Klobucka destaca o facto de a principal preocupação desta Autora ter sido antes de mais, a de conseguir ser aceite pelos poetas masculinos seus contemporâneos, mas demarcando-se deles, como uma voz marginal. Na voz poética que dá corpo à sua poesia, Florbela Espanca autodefine-se como “irmã de Soror Saudade”, construindo um ethos1 ou apresentação ou self image, seguidora do modelo de vida e forma de vivenciar a paixão de Mariana Alcoforado. Sendo ambas estas figuras femininas originárias do Alentejo, esta última torna-se uma das principais influências literárias de Florbela Espanca, cuja luta pelo reconhecimento ao direito em exprimir os próprios sentimentos através da poesia a encaixa no Romantismo. Assim, nesta fase da História da Literatura Portuguesa a figura desta poetisa é colocada num pólo oposto à do poeta, facto observado por Klobucka, que chama na atenção para a assimetria entre o poder do poeta masculino institucionalizado – a voz de autoridade –, e a da poetisa como a voz do não-poder, marginal.

Em relação a Sophia de Mello Breyner Andresen – cuja obra começa a causar impacto algumas décadas depois de Florbela Espanca, isto é, na passagem para a segunda metade do século XX, na fase final do Modernismo enquanto movimento literário em Portugal e dentro da corrente Neo-realista –, esta adquire o estatuto de Poeta de excepção, aceite como igual entre os seus pares masculinos. Mas, segundo AK, há como já foi referido, contrapartidas para que isto suceda: o apagamento da expressão de todo e qualquer traço de sentimentalismo relativamente à expressão do eu poético. Ou pelo menos, o seu reconhecimento enquanto tal. Sophia de Mello Breyner constrói um ethos para o sujeito locutor (L) que incarna a voz poética com base no que Anna Klobucka, ao citar a ginocrítica dos anos '70 em Portugal apelida de “falso neutro”, isto é a construção de uma imagem de si que consiste para os críticos, numa voz andrógina, permitindo-lhe, assim, aceder ao estatuto de “paridade”, com os poetas masculinos do seu tempo. Apostando numa estética arcádica, de inspiração helenística, a poesia de Sophia de Mello Breyner impregna-se da beleza depurada dos clássicos gregos da qual Klobucka salienta a oposição semântica entre “sexo” e “género” na poesia sophiniana, um dos aspectos linguísticos mais fascinantes na obra desta Autora.

O capítulo seguinte consiste no diálogo entre duas formas de exprimir a voz poética no feminino por duas Autoras já do período Pós-Modernista em Portugal Maria Teresa Horta e Luíza Neto Jorge.
Na poesia de Maria Teresa Horta é destacada a vertente da “poesia do corpo”, tema que é caro à Autora, mas que causou choque com as mentalidades mais conservadoras em Portugal nos anos sessenta, por considerarem as temáticas do prazer e do sexo como território eminentemente masculino. Maria Teresa Horta tornou-se, em grande parte por este motivo, no paradigma da ideia do Direito à Liberdade de Expressão nas temáticas relacionadas com o sexo e a sexualidade feminina e no tocante ao erotismo como fonte de inspiração na poesia em Portugal. Para Anna Klobucka, a escrita poética de Maria Teresa Horta marca de facto uma ruptura com o estilo de toda a poesia feminina anteriormente produzida à década de 1960, abrindo espaço ao experimentalismo, concretizando-se numa mudança revolucionária na produção poética feminina, preconizando o que Klobucka chama de “feminismo plural”, baseado na coexistência de dois modelos diferentes: os das Poetas mulheres (ou a androginia poética no feminino) e a das Poetisas (a expressão livre do sentir feminino).

De Luísa Neto Jorge é realçado em O Formato Mulher uma poética que relaciona o eu feminino com a topografia, isto é, com os espaços físicos, doméstico e exterior, ocupados pela presença feminina. A subversão do posicionamento feminino ou mesmo da qualificação destes espaços é usada por esta Autora, que tende a ser também vista como Poeta, como forma de contestação do papel da mulher na sociedade patriarcal tendo em conta, por um lado, a valorização do feminino – os corpos, vestidos ou desnudados – e das topografias onde elas se movimentam, com base na dicotomia existente entre as casas ou seja o espaço interior, fechado onde elas se movimentam, e o espaço exterior .

O último Capítulo incide sobre duas autoras do final do século XX que começaram a fazer-se notar na década de '90: Adília Lopes e Ana Luísa Amaral, conhecidas por dotarema sua poesia de um toque de subversão apresentada como uma forma de “revisionismo histórico-literário ” ( a expressão é de Raquel Ribeiro no texto “o Sexo que elas têm” no suplemento Ípsilon do jornal Público) quer para estabelecer uma construção dialógica com autores e obras canónicas como Camões ou Pessoa, quer para inverter, no tocante às figuras da mitologia clássica à condição da mulher na literatura universal.
Adília Lopes assume, em diversos momentos da sua obra, a defesa de uma “tese revisionista colocando em diálogo nos seus poemas o cânone e a postura feminista no caso de, por exemplo, Fernando Pessoa e Sylvia Plath, o isto é o "mestre” modernista e a "mestra ” feminista. Para Adília Lopes, Anna Klobucka identifica o paradigma da desconstrução radical do cânone da poética feminina, com uma visão heterodoxa da feminilidade na poesia, através desta combinação doo arquétipo Modernista do “Mestre” com o arquétipo feminino e feminista da “Mestra” que se lhe opõe como seu duplo, ou inverso, simétrico tal como o reflexo num espelho.


Por último, a sexta Autora que fez parte do corpus deste estudo, Ana Luísa Amaral, pode-se considerar como a rainha do hipertexto e da inversão dos papéis, no tocante à centralidade e protagonismo das figuras femininas e masculinas das personagens de obras clássicas, dado que a figura feminina, até então colocada no pedestal para servir de musa inspiradora mas sempre silenciosa, passa a incarnar a voz poética do sujeito do discurso poético. O pendor feminista de Ana Luísa Amaral, colocado em paralelo com o Adília Lopes neste capítulo exprime-se através de por exemplo, uma "poetização da domesticidade”, que reveste a sua escrita de uma forma deliberada de prática “pós-feminista" .


Sendo este um trabalho inédito do campo dos Estudos de Género em Literatura Portuguesa e tendo ainda sido feito muito pouco em Portugal sobre esta matéria, este estudo de Anna Klobucka resulta num livro denso, dirigido àqueles que desejam aprofundar o conhecimento da poesia destas seis Autoras portuguesas e perceber os mecanismos de figuração poética, riqueza semântica e potencial imagético que estão subjacentes ao imaginário de cada uma delas.


22.08.2013-16.02-2014
Cláudia de Sousa Dias


Bibliografia:

1. Klobucka Anna, O Formato Mulher: A Emergência da Autoria Feminina na Poesia Portuguesa, Coimbra, 2009, Angelus Novus.

2. Ammossy Ruth, La Présentation de Soi: Ethos et Identité Variable, Paris, 2010, PUF (Presses Universitaires de France).

Webgrafia:

1. http://angnovus.wordpress.com/2010/01/23/%C2%ABo-formato-mulher%C2%BB-por-ana-luisa-amaral/

2. http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=249580

3. http://angnovus.wordpress.com/2009/12/30/anna-klobucka-em-entrevista-sobre-%C2%ABo-formato-mulher%C2%BB/



1 Aqui uso o termo como sinónimo de construção de Eu, herdado simultaneamente da tradição da retórica aristotélica, das ciências sociais relacionada com a apresentação ou re-presentação do self visando sempre um ouvinte seguindo a linha de Erwin Goffman, com a dimensão polifónica que lhe é atribuída por Ducrot e aplicada à análise do texto literário de acordo com a perspectiva do linguista francês Dominic Maingueneau, conforme a publicação da investigadora de Telavive Ruth Amossy La Presentation de Soi.