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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Tuesday, September 28, 2010

"Siddhartha" de Hermann Hesse (Casa das Letras)



A vida do fundador do Budismo num texto de uma beleza sublime, onde se evidenciam os valores mais universais.

Estamos perante uma das mais belas obras deste autor germânico nascido em Wuttenberg em 1877 e laureado com o Prémio Nobel em 1946. "Um poema indiano" que exprime uma rara capacidade de descrever a beleza e, simultaneamente, de extraí-la de cada átomo do Universo.

É desta forma que descreve a trajectória de vida de Siddhartha, filho de um brâmane ( sacerdote e intelectual Hindú) que opta por abandonar o conforto da vida palaciana e a segurança de uma existência privilegiada, garantida pelo nascimento e explorar o mundo que o rodeia, com o objectivo de saciar a sua infinita sede de Conhecimento.

Submete-se, numa primeira fase, às privações características de um estilo de vida ascético, depois jogará o jogo do Samsara (o mundo das sensações) ao apaixonar-se pela belíssima cortesã Kamala, tendo, para tal, de sumeter-se às regras de um mundo onde impera a opulência e a volúpia. Mas para ele, as sensações são um mero veículo de aquisição de conhecimento.


Mas a serenidade do Nirvana só é conseguida por Siddhartha quando este é tocado por aquele tipo de amor absoluto e incondicional como aquele que um pai sente por um filho e sofrer por esse amor, igualando-se aos restantes mortais - o chamado "povo das crianças". Menos frio e mais empático, o brâmane aproxima-se das pessoas, interessa-se por elas diferenciando-se delas apenas num pormenor: a consciência.

Em Siddhartha a procura do verdadeiro "Eu" da Alma, do perfeito equilíbrio - a ambição de alcançar o Nirvana - está presente ao longo de todo o romance.

Siddhartha é uma história sublime cuja finalidade é mostrar que através do amor pela humanidade que se encontra verdadeiro Caminho para atingir a perfeição de um Buda (o ser perfeito contemporâneo de Siddharta que, segundo a tradição budista, não precisa de reencarnar).

Para Siddhartha, amar o Mundo é mais importante que explicá-lo. Daí defender que a liberdade nunca pode provir de uma doutrina seja ela qual for. Estas, no entender do protagonista, são apenas "palavras, sem dureza, moleza, arestas, cheiro, gosto"...Por isso, não se podem amar as palavras...Mas pode amar-se as pessoas.

Deste ponto de vista, as diferenças entre civilizações, religiões, culturas ou ideologias esbatem-se e aproximam os homens e facilitando a coexistência no Globo.

Uma utopia talvez tão velha como a Humanidade. Mas que vale sempre a pena perseguir. Que o digam Cristo e Ghandi.



Cláudia de Sousa Dias

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Monday, September 13, 2010

“Longe de Vera Cruz” de Enrique Vila-Matas (Assírio & Alvim)



Enrique Vila-Matas é natural de Barcelona. Nascido em 1948, foi viver, vinte anos mais tarde, para Paris, auto-exilando-se do governo de Franco, à procura de maior liberdade criativa. O apartamento onde se instalou foi-lhe alugado por Marguerite Duras. Durante esse período, sobreviveu à custa da realização de pequenos trabalhos como jornalista para a revista "Fotogramas" e chegou a colaborar como figurante no Estoril para um filme de James Bond. Vila-Matas publicou o seu primeiro livro, La Asesina Ilustrada, em 1977 e, desde então, continuou uma profícua carreira de narrador. Segundo ele, escrever é corrigir a vida, é a única coisa que nos protege das feridas e dos golpes da vida. Com a publicação de História Abreviada da Literatura Portátil passou a ser reconhecido internacionalmente, sobretudo países latino-americanos, em França e em Portugal. As suas obras são uma mescla de ensaio, crónica jornalística e novela. A sua literatura marcadamente fragmentária onde predomina o recurso à ironia, tem a virtude de diluir os limites entre a ficção e a realidade. O Autor tem desenvolvido amplamente o carácter narrativo que é marca característica da sua obra desde1973 até à data, tendo sido traduzida para 29 idiomas. Actualmente, é um dos narradores espanhóis mais elogiados pela crítica, nacional e internacional.

Em “Longe de Vera Cruz” o foco a acção desenrola-se no México e em Maiorca onde Enrique Tenório se encontra a passar férias e, recorrendo várias vezes à técnica do flashback (analepse), o protagonista vai partilhando as aventuras (ou desventuras) dos irmãos Tenório com os vizinhos da casa ao lado, os quais acabará, também, por incluir no seu diário, para dar cor às páginas que se debruçam sobre a calmaria do tempo presente.

Uma pseudo-nostalgia da beleza selvagem da ilha de Vera Cruz dá origem a uma prosa onde se misturam vários géneros literários, é a marca característica da produção literária de Enrique Vila-Matas. Neste caso particular dá-se a fusão entre o romance, e narrativa e o ensaio literário, com referências abundantes a autores Lusitanos, também presentes noutras obras do mesmo Autor.

O narrador de “Longe de Vera Cruz”, Enrique Tenório, dedica-se a preencher o caderno diário, comprado durante a sua estadia naquela ilha de magia tropical, que ostenta três Tucanos na capa. Três pássaros barulhentos, cujo estridentismo canoro parece espelhar o estridentismo emocional dos três irmãos Tenório cujo comportamento excêntrico é, apesar de eivado de misantropia, é tudo menos discreto, tornando-se impossível passar despercebido tal como os gritos dos Tucanos, no meio da selva.

O três tucanos humanos – os Tenório – experimentam, todos eles, o perigo da vulcânica paixão pela vistosa mulata de Vera Cruz, Rosita Boom-Boom Romero, cantora de boleros e dona uma beleza fatal que incendeia as noites de Vera Cruz, quando solta os seus arquejos delicodoces nos cabarés da noite caribenha, acompanhados pelos requebros das suas voluptuosas ancas. Rosita, nascida Marilú, não hesita perante a tentativa meticulosamente arquitectada de extorquir a fortuna aos três irmãos Tenório e sustentar o amante, um proxeneta oriundo da Estremadura espanhola, que se passeia por terras do Caribe com a mesma atitude arrogante dos antigos colonizadores espanhóis. Na verdade o “chulo” de Rosita é quase tão odiado quando o conquistador espanhol Hernán Cortéz, seu conterrâneo.

Curiosamente, os três Tenórios apesar de se deixarem iludir pelo canto de sereia de Rosita reagem, todos eles, de forma diversa ao fim do idílio, com a raiha da noite de Vera Cruz. António, escritor medíocre, mas de sucesso retumbante na publicação e venda de livros de viagens que escreve sem sair do quarto, casa com Maita e constitui família. Mas acaba por se suicidar, após uma prologada crise de inspiração. Máximo, o irmão do meio,pintor genial e agorafóbico, chega mesmo a casar-se mesmo com Rosita /Marilu, irremediavelmente apaixonado. Mas esta, seduzida pela fortuna de que este parece gozar e na perspectiva de viver futuramente dos rendimentos provenientes da herança, consegue durante algum tempo arrancá-lo do estado depressivo crónico em que vive mergulhado, ao mesmo tempo que colabora, em segredo, com o amante no planeamento da morte do marido. Uma fórmula clássica de crime passional. Por último, Enrique um viajante compulsivo, coleccionador de dramas que adquirem um carácter de comédia face ao tom profundamente anedótico de humor negro com que são narradas – como o episódio da perseguição em África ou a perda do braço na Índia – torna-se (depois de terminada a sua estória com Rosita, nos braços de quem procura esquecer um grande amor perdido na selva, envolto num véu cor-de-rosa), num escritor com a dupla função de continuar a obra inacabada do irmão e esconjurar o desamor.

Enrique constrói uma espécie de relato/biografia no sentido de recordar os seus fantasmas amorosos, perdidos ambos em terras tropicais e narrar a história da família Tenório. Acaba por encontrar algum conforto na calma excessiva, carregada de tédio, na ilha de Maiorca onde escreve o seu diário. Convive com a família de um dentista à qual acaba por “mexicanizar”, um pouco devido ao forte impacto causado pelas divagações, fruto das suas memórias, antes de passá-las ao papel. A fronteira entre ficção e realidade parece, por vezes, diluir-se de tal forma a ponto de nos questionarmos se o protagonista não é apenas o Autor disfarçado, cuja personalidade de desdobra nas dos Três Tenórios, tal como a de Fernando Pessoa nos seus heterónimos.

Enrique prossegue o seu relato, alterna a escrita do diário com as conversas ocasiona com a família da casa ao lado quase sempre sobre banalidades. Por vezes procura junto do vizinho dentista ou da filha mais nova a catarse, despejando-lhes o passado nos ouvidos, sedentos de curiosidade.

O ombro amigo do vizinho, naquele local de veraneio isolado, adquire a função de porto de abrigo. É uma espécie de Ítaca, lugar de chegada onde se despeja a bagagem do passado. Para sobreviver e fazer face às despesas do dia-a-dia, Enrique executa um trabalho de part-time, o qual concilia com o ofício de escritor, que começa verdadeiramente a seduzi-lo, ainda durante as últimas semanas de vida do irmão mais velho, António. Este último coloca-o, pouco antes de morrer, em contacto com as lides literárias – críticos, conferências e colegas escritores – ao pedir-lhe que o substitua para receber um prémio atribuído por uma revista feminina.

Mas a obra a que Enrique se propõe elaborar é precisamente aquela que o irmão não consegue concluir: o relato da transformação da vida operada no quotidiano de um homem de índole sibarita, dono de uma inesgotável sede de aventuras e espírito tempestuoso, que se transforma gradualmente em escritor. Enrique, não se torna, no entanto, em escritor da noite para o dia.A paixão pelas letras é primeiramente despertada pelo contacto com a literatura: a descoberta do prazer de ler, enquanto fruição e aquisição de conhecimento pela partilha da experiência alheia. Depois, o futuro escritor debruça-se sobre os clássicos, torna-se um leitor compulsivo, faz da leitura a própria vida, uma espécie de sucedâneo da vida, um lugar de evasão da realidade. Só bastante mais tarde começa a escrever o livro inacabado do irmão que viajava à volta do mundo sem sair do próprio quarto.

A prosa de Vila-Matas parece ter brotar da mesma raiz da de Cervantes, ao criar uma sátira, não já na exposição da vacuidade dos romances de cavalaria as visando os escritores de best-sellers, os caçadores de prémios literários e os hiper-críticos, estes últimos tão conscientes das suas limitações que nunca conseguem escrever o que quer que seja. Nesta obra, o Autor Tenório que mais incarna este tipo de escritor é António, o irmão mais velho, já na fase final da vida. Vila-Matas explora, no entanto, muito mais exaustivamente esta temática em Bartleby & Companhia. Em Longe de Vera Cruz o tema principal é a relação entre a misantropia ou a necessidade de isolamento, o humor sombrio e a produção artística. E na forma como trabalho artístico e literário de um autor, forçado a uma sedentarização a que não estaria de todo habituado, resulta uma prosa de um auto-didacta céptico, desiludido e com as expectativas defraudadas, mas sem conseguir deixar de gostar de viver. Enrique Tenório vive, depois da morte dos irmãos e da separação de Rosita, uma existência estagnada e, por isso, veiculada para reencontrar o antigo turbilhão da vida…na escrita. Para alguém como Enrique, escrever é comunicar, partilhar o pensamento, mesmo quando projectado sob a forma de fantasias ou sonhos mirabolantes.

Enrique Tenório procura continuar a obra do irmão mas sem adoptar a sua personalidade ao escrever. Enrique escreve, a realidade transfigurada, ao buscar inspiração nas experiências do passado. A sua escrita torna-se catártica mas sem ser sentimental, lúcida, sem pedantismo.

O mais novo dos Tenório explora as próprias fraquezas, os traumas presentes quer na infância quer no início da adolescência na casa paterna. Explica assim diferenças de personalidade entre os três irmãos, partindo da forma particular de cada um deles na construção das relações com as pessoas mais próximas, ao encaixar o comportamento individual nos acontecimentos exteriores. É assim que elucida os leitores do desajustamento de Máximo em casa, motivado em grande parte pelas atitudes do pai, que ajudam ao seu enclausuramento. E o narcisismo eremita de António. Em comum, os três Tenório exibem uma notória falta de preparação para se protegerem das armadilhas do mundo, daí a necessidade de isolamento, sobretudo nos dois Tenórios mais jovens, face àquilo com que se deparam em Vera Cruz. O conhecimento a infância e juventude de António trazem, também, uma nova luz aos acontecimentos no sentido de facilitar a compreensão da vaidade e presunção com que tenta assumir as funções de patriarca da família. Parece que a semente do excesso de confiança é lançada logo nos primeiros anos de vida, algo que encontramos inicialmente em Enrique, mas a quem as sucessivas perdas vão esculpindo o olhar e a forma de apreender o real ao contrário do sucedido com o irmão mais velho. A escrita de Enrique Tenório adquire o tom de nostalgia, a que se junta, o chicote da ironia, apimentada por um cepticismo que se tinge do humor negro que caracteriza a prosa de Vila-Matas.

A parte final deste romance/diário está envolta num véu rosa, a lembrar o pôr-do-sol do Caribe e a cor favorita da primeira mulher de Enrique Tenório, Carmen. O tom rosa do céu que se prepara para receber a noite remete para o passado, um sol-poente que acende a memória e envolve a existência numa bruma de nostalgia. A derradeira luz que precede as sombras e, por último, as trevas.

A Assírio & Alvim, sempre minimalista no desenho gráfico das obras que publica, deu a Longe de Vera Cruz uma capa da cor de um intenso amarelo solar , tropical, com as páginas debruadas a rosa como a écharpe de Carmen, a sugerir que a vida não é literatura, mas que esta é a própria vida. Numa e noutra, o amor é, quando o deixam, o rei absoluto. Até na ausência.

Cláudia de Sousa Dias