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Friday, May 11, 2012

“O Siciliano” de Mario Puzo (Dom Quixote/Bertrand 11/10)


“O Siciliano” de Mario Puzo
Tradução de Maria Emília Ferros Moura
Baseado na vida Salvatore (Turi) Giuliano, salteador e extorsionário, famoso por liderar um movimento independentista, na Sicília dos anos 1950, este romance de Mario Puzo entrelaça-se com o best-seller do Autor, O Padrinho, já aqui comentado. A história insere-se no período final da estadia forçada de Michael Corleone na ilha, antes de regressar aos Estados Unidos. O conhecimento do activismo político desta figura da história siciliana do século XX  e a sua controvérsia ligação à Máfia chegou mesmo a terras do Tio Sam, transpondo fronteiras e tornando-se uma figura lendária. Mario Puzo construiu uma versão romântica da vida desta personagem, enquadrada na complexa situação social e política da época: uma Sicília incorporada na nação italiana, a qual tenta lentamente reerguer-se do colapso económico resultante da devastação causada pela Segunda Guerra Mundial.Durante as décadas de quarenta e cinquenta do século vinte, a Sicília esteve assolada pela fome e pela miséria, conjuntura astutamente aproveitada pelas famílias dominantes, que detém o poder das armas, à semelhança de um regime feudal.
Mario Puzo, após o êxito do seu primeiro romance sobre a Máfia, decidiu enquadrar a visão romanceada da vida de Salvatore Giuliano, após alterar ligeiramente a grafia do sobrenome para “Guiliano”, e  o novo enredo ficcional, mas baseado em factos verídicos, numa espécie de apêndice da série O Padrinho.

A acção de O Siciliano inicia-se no momento em que Michael Corleone decide regressar aos Estados Unidos, após o atentado que lhe vitimou a jovem esposa, Apollonia. Mas antes é incumbido de uma missão outorgada pelo pai Don Vito patriarca do clã:  embarcar o revolucionário e excêntrico fora-da-lei Guiliano, juntamente com a esposa, a bela Giustina, para que este deixe de ser uma pedra no sapato dos caciques da Máfia local, do Governo Central e da própria Igreja, que o vê como “um perigoso comunista”.

O Autor enriquece a trama com a moldura história e cultural da Sicília, para que o público norte-americano possa entender as diversas atitudes de algumas personagens do romance, nomeadamente a postura relativa à “omertà” ou a lei do silêncio. O Autor cai, no entanto, e muitas vezes, no exagero, tornando-se algo repetitivo e adquirindo por vezes o discurso uma tonalidade algo enciclopédica, neste campo.
Outro aspecto menos positivo do romance será, talvez, uma visão romântica e algo sublimada face às actividades do salteador Guiliano, o que tira à história algum realismo e aproxima um pouco o romance ao género folhetinesco. Quando comparamos a versão de Mario Puzo às notícias da época, a história perde ainda mais verosimilhança, sobretudo quando o Autor tenta comparar este carismático siciliano com uma lenda como Robin Hood ou uma figura histórica como Garibaldi. As fontes oficiais – que podem também ter a sua quota-parte de parcialidade – parecem desmentir a lenda popular de que o Verdadeiro Giuliano tenha alguma vez roubado aos ricos para distribuir o produto do roubo pelas classes mais desfavorecidas, como dá a entender o romance de Puzo.
O Autor no entanto, serve-se desta figura carismática para colocar em evidência os factores responsáveis pelo atraso no desenvolvimento da Sicília. Não poupa a influência da Igreja nem o governo de extrema-direita de então, expondo a relação simbiótica entre ambas as instituições e a Máfia Siciliana, a fim de manter o status quo resumido numa única frase de Lampedusa: «É preciso mudar para que tudo fique na mesma» (in O Leopardo). Mesmo que, para tal, se tenha de fazer um acordo com o próprio diabo, impedindo a implementação de políticas contrárias aos interesses dos caciques locais como sendo a reforma agrária, a implementação de água canalizada pública – o que impossibilitaria os donos das terras de explorar os seus poços, cobrando a água ao preço do ouro –, ou o policiamento, de forma reduzir a transacção de bens no mercado negro, a preços inflacionados. Mario Puzo preocupa-se em demonstrar, partindo deste quadro conjuntural, um povo que vive essencialmente da agricultura, estrangulado com impostos locais e dízimos ao clero local e que, ao mesmo tempo, é impiedosamente taxado em toda a sua produção agro-pecuária, minuciosamente fiscalizada pelos carabinieri. Ambos os poderes – a Máfia e o Estado – são, em muitos aspectos rivais, mas aliam-se com um fim comum: cobrar impostos aos pequenos produtores e proprietários. A Máfia só se torna inimiga do Estado para se colocar à margem das instituições e seguir as suas próprias regras, evitar cumprir com quaisquer obrigações. A nível local, a Máfia torna-se uma espécie de polícia privada dos grandes proprietários e ao mesmo tempo, adquire, ela própriam, a dimensão de um poderoso Lobby económico.

Enredo e personagens
As personagens principais da trama são Guiliano, o protagonista e herói romântico de Puzo, e Don Croce, chefe máximo da cúpula da Máfia, amado por uns, odiado por outros e temido por todos. Depois, vem toda uma galeria de personagens tipo, como o príncipe Ollorto, aristocrata local que vive na sua torre de marfim, um palácio rural, juntamente com a esposa, a duquesa, a quem Guiliano rouba o anel de casamento, passando a ostentá-lo como troféu. O verdadeiro Giuliano, fica-lhe com todas as jóias, deixando-lhe apenas aquele anel, levando-lhe o livro que a aristocrata estava a ler no momento do assalto, devolvendo-lho mais tarde.
O casal Ollorto surge no romance como aparentado com o Rei Victor Emanuelle, mas encomendando a protecção da sua casa a Don Croce, que deveria guardá-la do assédio dos salteadores, mediante o pagamento de uma espécie de imposto ou renda. O assalto, perpetrado por Guiliano, coloca Don Croce numa situação embaraçosa perante o seu cliente. Consequentemente, Guiliano passa a estar sob a mira da Mafia e, simultaneamente, das autoridades oficiais.

O professor Héctor Adonis, padrinho de Guiliano, homem de saber e inteligência, é outra personagem tipo: convive com a corrupção – frequenta a casa de Don Croce – sem no entanto partilhar dela. Assiste à ascensão social de uma classe medíocre, a qual consegue os seus objectivos não como fruto do mérito pessoal, mas através de chantagem velada e tráfico de influências.
Outra personagem interessante é Caspare Pisciotta, o braço direito de Guiliano, que incarna o arquétipo do traidor. Pisciotta é o Judas do romance. As atitudes que marcam a personalidade de Pisciotta permitem ao Autor criar um contraponto entre este e Guiliano, colocando-os como antagonistas.

As personagens femininas em “O Siciliano” representam não tanto um papel passivo, como seria de esperar numa sociedade onde as oportunidades para as mulheres não abundam, para além dos tradicionais papéis de esposa, mãe ou amante. Neste contexto, as mulheres em “O Siciliano” apresentam-se como aliadas incondicionais dos seus homens, independentemente de a conduta dos mesmos se encontrar conforme à lei ou não. Também elas são sujeitas à lei da omertà. As mulheres sicilianas de Mario Puzo prezam, sobretudo, a lealdade à família, numa perspectiva perfeitamente amoral. É o caso de La Venera, amante de Guiliano e amiga da mãe deste, e de Giustina, a namorada e, depois, esposa.  Da mesma forma, a mãe de Guiliano, cega de amor absoluto e incondicional pelo filho, independentemente dos crimes que este possa ter cometido.

Aliados/Oponentes

Héctor Adonis surgirá na trama não apenas como um aliado  de Guiliano, a quem admira a inteligência e a quem acreditava estar destinado um futuro diferente. Adonis é professor na Universidade de Palermo e é com desgosto que observa a qualidade do ensino superior decair vertiginosamente, devido à interferência dos chefes mafiosos na obtenção dos diplomas, mediante subornos e ameaças veladas. Hector é a personagem que dá corpo à consciência, e aos valores universais que ameaçam apodrecem lentamente com a evolução dos tempos, parasitados pelo triunfo da ganância sem limites.

A trama é desenvolvida através de uma teia dinâmica de intrigas, a qual atinge o clímax com a cilada armada no desfiladeiro de Portella della Ginestra, um episódio trágico no qual Guiliano se vê colocado no meio de um conflito de interesses e manietado quer por uma falsa aliança com Don Croce, e também pela acção do governo, em Roma, cujo titular é de origem Siciliana e com ligações à rede de Don Croce.
O desenlace processa-se com a traição de Pisciotta, cujo verdadeiro carácter é, desde cedo, detectado pelo Chafe da Máfia na Ilha, que aproveita as fraquezas do jovem e cava, assim, um abismo ainda maior entre este e Guiiliano.

Neste romance, Michael Corleone desempenha apenas o papel de observador, sem interferir directamente nos acontecimentos, limitando-se apenas a facilitar os meios de fuga a Guiliano e a Giustina.
A cena final é dramática, à maneira das antigas tragédias clássicas, tão ao gosto do professor Adonis, uma vez que toda a trajectória de vida deste salteador se presta a este género de narrativa, tendo dado inclusivamente origem a uma peça operática e a um adaptação ao cinema por Michael Cimino.

A solução do problema siciliano

Mario Puzo dá a entender no romance que a erradicação da Máfia siciliana só poderia ser feita mediante um regime político forte, com policiamento massivo e intervenção do exército, implementado por um governo “de esquerda” o mais próximo possível do regime soviético, de forma a eliminar a ligação entre os grandes proprietários e a Máfia.
Essa via- revelar-se-ia no entanto impossível, por razões culturais. A população siciliana, extremamente humilde e fortemente religiosa, jamais aceitaria mexer, mesmo de leve, na sua religiosidade, consolidada durante dois milénios, manifestando-se avessa à ideia um estado laico.
Mussolini, ao chefiar um governo de direita, uma ditadura militar, quase conseguiu a erradicação deste tipo de organizações criminosas. No entanto, prendia arbitrariamente qualquer pessoa contrária ao próprio regime, fosse ela ou não membro da Máfia – o autor ressalva a probabilidade de que um governo do tipo soviético fizesse exactamente o mesmo –, sem julgamento ou apuramento de provas. Com a vitória dos Aliados, supôs-se que todos os indivíduos mandados prender por Mussolini fossem presos políticos, baseado a ordem de libertação na presumível inocência de TODOS  os membros da oposição ao fascismo.

Com a vitória do PDC italiano (Partido democrata-cristão) a parceria Clero-Nobreza-Máfia é restabelecida. No final assistimos ao triunfo de don Croce como senhor da Ilha assumindo Héctor Adonis o papel de Historiador e cronista, fazendo a descrição caótica da Sicília:

«Com o desaparecimento de Guiliano, Don Croce Malo colocou a Sicília sob a sua pata e arrancava uma fortuna imensa, tanto aos ricos quanto aos pobres. Quando o Governo construiu barragens para fornecer água barata, Don Croce fez explodir o pesado equipamento para a sua construção. Na realidade, ele controlava todos os poços de água da Sicília, não lhe interessavam barragens (…)
Tomou sob a sua protecção pessoal todos os negócios da Sicília. Era impossível vender uma alcachofra nas lojas do mercado de Palermo sem pagar alguns centesimi a Don Croce. Os ricos não podiam comprar jóias sem fazerem um seguro a Don Croce. E ele desencorajava com pulso de ferro todas as falsas esperanças de aldeões que pretendiam reivindicar terras para cultivar da propriedade do Príncipe Ollorto, devido a “leis insensatas emitidas pelo Parlamento Italiano.” Entalados entre Don Croce, os Nobres e o Governo de Roma, o Povo Siciliano abandonou a esperança. Nos dois anos que se seguiram à morte de Guiliano, quinhentos mil sicilianos, na sua maioria jovens, emigraram.
Foram para a Inglaterra, onde se tornaram jardineiros, sorveteiros e empregados de restaurantes.  Demandaram à Alemanha, onde executaram pesados trabalhos manuais. Foram para a Suíça, afim de manterem o país limpo, e construíram relógios de cuco. Em França, tornaram-se ajudantes de cozinha e empregados de limpeza em casa de modas. Foram para o Brasil, abrir clareiras nas florestas. Alguns partiram rumo aos frios invernos da Escandinávia.
(…)

E assim, a Sicília tornou-se uma terra de velhos, crianças e mulheres que eram viúvas, mediante a vendetta económica.
As aldeias deixaram de fornecer trabalhadores para as propriedades dos ricos e os ricos também foram afectados. Apenas Don Croce Prosperou.»

Cláudia de Sousa Dias
Junho2011/13.02.2012