HÁ SEMPRE UM LIVRO...à nossa espera!

Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

My Photo
Name:
Location: Norte, Portugal

Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Monday, June 27, 2011

"Cem anos de Solidão" de Gabriel García Márquez (Dom Quixote)


Tradução de Margarida Santiago

As vicissitudes do amor ao longo de várias gerações da mesma família até ao cumprimento de uma profecia...

O tema do livro mais lido de Gabriel García Márquez é o isolamento a que são sujeitos os habitantes da cidade de Macondo, no início do séc. XIX, devido aos condicionamentos impostos pelo relevo. Um facto que dificulta em extremo o contacto com o mundo exterior, o que leva a que Macondo sofra um atraso de vários séculos, em termos de desenvolvimento, em relação ao resto do mundo nos domínios científico e tecnológico, conservando um primitivismo endémico, quase medieval.

Só com a visita da tribo de ciganos de Melquíades - um grupo, andarilho imbuído de uma grande dose de espírito de aventura - é que chegam à cidade alguns vislumbres (muito difusos) acerca daquilo que se passa do lado de lá da serra. A capacidade especial de encantar pela arte da palavra e cativar a atenção dos habitantes de Macondo com novidades extravagantes, faz com que Melquíades e os seus, rapidamente conquistem a simpatia de toda a gente, pela facilidade com que estimulam a vontade de sonhar e o imaginário dos macondenses.

A chegada dos americanos traz, por outro lado, a prosperidade e o desenvolvimento económico e tecnológico nos sectores agrícola e industrial. Afáveis mas dominadores, não se misturam muito com a população local, apesar de conviverem com alguns membros das famílias indígenas mais ilustres. Até ao dia em decidem partir, após os reveses do clima, que destroem as infraestruturas económicas da região - agricultura de plantação.

As personagens masculinas da família Buendía têm todas, já de si, uma acentuada tendência para o cultivo da solidão, da autocontemplação, do isolamento-ensimesmamento de cujo expoente máximo é o patriarca José Arcadio, alquimista e inventor de projectos mirabolantes e irrealizáveis. Da mesma forma os filhos, Aureliano - ourives por amor à arte e guerreiro por amor a um ideal - , e José Arcadio, um jovem extremamente arredio, que acaba por se afastar da família para casar com a irmã adoptiva Rebeca, bem como os restantes descendentes varões, todos, mostram ambos uma relativa dificuldade em exteriorizar os afectos, ao preservarem para si a parte fundamental da própria alma e imaginário.

Quanto às personagens femininas, encontramos dois tipos diferentes: em primeiro lugar temos aquelas que vêm de fora do clã e casam ou se enamoram dos varões Buendía como Ùrsula, a matriarca - esteio da família - e Fernanda del Carpio, casada com Aureliano Segundo- beata austera e preconceituosa, o oposto de Úrsula. E depois há aquelas que carregam o sangue ou são herdeiras dos Buendía, como Amaranta no primeiro caso e Rebeca (esta adoptada) ambas irmãs de Aureliano e Jose Arcadio -, Remédios, a Bela, - mulher angélica mas de uma beleza fatal, vive um amor proibido ao qual se opõe Fernanda, amor esse cujo fim trágico acentua ainda mais o lado solitário das jovem e a sua tendência para viver no "mundo da Lua", acabando por tornar-se um ser imaterial. Aliás a imagem relativa à transformação desta figura quase mitológica que é Remédios, a Bela, após o desaparecimento do amante, tem um significado ambíguo que se desdobra ou numa total alienação da mente ou numa forma assaz poética de deixar o mundo dos vivos. Temos ainda Amaranta Úrsula, a mais nova das herdeiras, a viver um amor incestuoso, com o último varão dos Buendía e da qual nascerá um ser aberrante, durante cuja vida se cumprirá a profecia do cigano Melquíades (após a qual serão decifrados os seus misteriosos manuscritos) e o destino do clã.

Nesta obra, o autor dota as personagens de características, de certa forma, sobrenaturais, como o apaixonado de Remedios, a Bela, sempre rodeado de uma nuvem de borboletas, ou José Arcadio Buendía cuja morte despoletou um chuva de pétalas amarelas. Na obra de García Márquez, a cor amarela, ao contrário do dourado, que significa maldade ou corrupção, está associada a algo de mágico ou maravilhoso.

A amoralidade no amor, sentimento que, para Márquez, está completamente alheio a esse género de condicionalismos, também está presente neste belíssimo romance, não só no que respeita à tendência de ignorar um tabu fortemente implantado na nossa sociedade como é o caso do incesto, mas também pela quantidade de relações extra-conjugais presentes no romance, com destaque para a impressionante força telúrica da paixão escaldante entre Aureliano Segundo e Petra Cotes.

O realismo em "Cem anos de Solidão" está patente quando observamos como se manifesta a evolução do alheamento progressivo das personagens (Jose Arcadio Buendía e Aureliano) à medida que se aproxima a velhice e a hora da morte, distanciando-se do mundo quotidiano e refugiando-se na nostalgia das histórias do passado. É com estas mesmas histórias que os anciãos conseguem deleitar a imaginação das crianças - como acontece com a avó Úrsula, que se torna uma autêntica boneca, com a qual os mais novos se divertem a brincar - em nítido contraste com a indiferença dos adultos, aborvidos com os problemas do dia-a-dia.


Uma obra de grande intensidade que mostra a qualidade suprema deste autor colombiano ao qual foi atribuído o Prémio Nobel da Literatura em 1982 e do qual há sempre algo de novo a dizer.




Cláudia de Sousa Dias

E estes são os comentários retirados do post anterior do mesmo arquivo morto:

4 Comments:

Blogger Cleopatra said...

Uma maravilha.

11:28 PM
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada Cleópatra,pela visita e exploração do meu Blog!

CSd

1:05 PM
Blogger Mr. Nonsense said...

Passei por aqui para retribuir a visita que fez ao nosso blog e confesso que fiquei positivamente surpreendido!
Adorei tudo o que vi até agora (e não foi muito que o tempo é pouco) mas prometo voltar mais vezes.

Quanto a este livro em particular há já uns anos que o li pela última vez (mas já o li uma duzia de vezes) mas continuo a considera-lo um dos melhores romances alguma vez escritos e de "leitura obrigatória" a qualquer amante de livros.

Mais uma vez parabens pelo excelente blog e boas festas

1:40 PM
Blogger Claudia Sousa Dias said...

ainda bem que cá conseguiu chegar antes de este texto deixar de ficar visível no arquivo...


:-)


csd

11:56 PM

Labels:

Monday, June 20, 2011

“Zadig, ou o Destino – História Oriental” de Voltaire (Ulmeiro)


Tradução de João Gaspar Simões

A intenção do Autor ao escrever este conto foi, mais uma vez, tal como em O Ingénuo, a de demonstrar a dificuldade em triunfar por mérito àqueles que são dotados de inteligência ou conhecimento, mesmo que bastante acima da média, quando não favorecidos pelo nascimento ou não dispondo de fortuna pessoal. Recorre, para tal, a uma figura de estilo: a parábola, uma história que comporta uma alegoria e cujo conteúdo pode ser extrapolado para outras situações semelhantes. O narrador é o sábio Sadi, que conta uma história sobre o nobre Zadig, da Antiga Babilónia. Sadi vive na idade média e decide honrar a sua musa, a sultana Sheria, a quem considera o expoente máximo da Perfeição, ao dedicar-lhe a tradução da lenda de Zadig.

A história de Zadig mostra os reveses do destino de que é alvo um homem abastado e origem nobre, mas invulgarmente íntegro. Esta personagem faz o percurso inverso do do protagonista de O Ingénuo, obra já comentada neste blogue. As duas personagens têm em comum a mesma incapacidade de prever o comportamento desviante ou simplesmente a maldade nos humanos. No entanto, Zadig destaca-se pela sua inteligência invulgar.

A inteligência e a posição social de Zadig começam por despertar a inveja nos seus pares ao invés da admiração como seria, talvez, de esperar. No entanto, os feitos de Zadig são, quase sempre alvo de sabotagem, frequentemente confundida com o azar ou desprezo da Fortuna.

Na introdução ao conto e, em jeito de prólogo, o narrador Sadi exalta a beleza e o carácter de Sherea, características que a soberana partilha com a protagonista feminina de O Zadig: a rainha Astarté da Babilónia. Ambas as rainhas, parecem partilhar as mesmas virtudes, reunindo os atributos da Mulher Ideal. As figuras feminina em Voltaire aparecem bastantes estilizadas, ora como o arquétipo de Mulher Ideal, somando todas as qualidades ou então, tal como sucede nas personagens femininas secundárias, surgem como a encarnação do Mal, envoltas em complicadas teias de intrigas, falsidades e mentiras.

A rainha Astarté e a Sultana Sheria, em épocas diferentes, parecem incarnar três arquétipos arcádicos, fundindo a beleza de Aphrodite, a virtude de Artémis, e a inteligência de Athena. Segundo o narrador Sadi, a figura de Sheria merece que lhe seja dedicada a tradução de uma antiga lenda, escrita em caduceu, idioma falado na antiga Mesopotâmia.

Ao contrário da figura da rainha, as restantes personagens femininas da estória são mulheres com muito poucas virtudes. Na realidade, é característico de Voltaire a oscilação entre o vulgar e o sublime no tocante à construção do carácter feminino, não admitindo configurações híbridas. Tirando a rainha, as restantes figuras femininas de O Zadig são, talvez, demasiado terrenas e preocupadas com o imediato, o que as faz adoptar atitudes venais. São essencialmente materialistas , ou então, essencialmente fúteis e superficiais. É por essa razão que escolhem, normalmente, os seus homens tendo em conta apenas a beleza física, pondo imediatamente de lado aqueles que possam a mínima imperfeição. Ou, simplesmente deixam-se seduzir pelos bens materiais ou posição social dos seus pretedentes.

No caso de O Zadig, Voltaire recorre à sátira para identificar alguns defeitos que considera atribuíveis quase que exclusivamente ao sexo feminino: algumas das personagens que figuram no conto têm o hábito de falar dos defeitos alheios, quando estes não passam de uma mera projecção das suas próprias falhas de carácter, como é o caso de Azora. Ou então, são donas de uma personalidade marcada pelo gosto assaz vincado pela intriga, mostrando-se traiçoeiras ou caprichosas, como Misuf. No seu conjunto, as mulheres de O Zadig, excluindo a rainha e a sultana, ilustram a opinião negativa de Voltaire sobre as mulheres em geral.

Quanto a Zadig, o seu principal obstáculo é a Inveja,o principal traço de personalidade dos seus inimigos ou detractores.

Zadig incarna, também, o modelo de governante ideal, segundo a concepção de Voltaire, um governante cuja conduta emana directamente do modelo instituído durante o Século das Luzes pelo Iluminismo, isto é, do primado da Razão como o valor predominante, a deusa suprema que é projectado numa história que remonta a uma das mais Antigas civilizações conhecidas. Zadig é por isso um homem racional, íntegro, que põe o bem-comum, assente nos ideais de Justiça e Equidade como os pilares sobre os quais assentam as suas tomadas de decisão.

Espaço e Tempo

Apesar de a situação se situar na antiguidade do Médio Oriente é possível detectarmos nas entrelinhas algumas alusões à época contemporânea de Voltaire, o século XVIII. A vanguarda intelectual do Iluminismo é caracterizada por uma forte oposição à superstição, ao domínio da Igreja na mentalidade colectiva e à ignorância, colocando em destaque o saber científico, a ética e a filosofia, assentes no primado da Razão e no Homem como o centro do mundo.

Voltaire atribui ao domínio da Igreja face ao governo dos vários Estados europeus a responsabilidade pela onde de obscurantismo em que mergulhou a Europa, após a queda do Império Romano e durante toda a Época Medieval, não hesitando em apontar o dedo à Inquisição como uma das principais instituições responsáveis pelos entraves colocados ao progresso das Artes e das Ciências como se pode observar no parágrafo que se segue:

Estava firmemente convencido de que o ano tinha trezentos e sessenta e cinco dias e um quarto, não obstante a nova filosofia do seu tempo, e que o sol estava no centro do Mundo. E quando os principais magos lhe diziam, com uma altivez insultuosa, que ele tinha maus sentimentos e que era inimigo do estado quem acreditasse que o sol girava sobre si mesmo; e que o ano tinha doze meses, calava-se, sem cólera e sem desdém.

Na história de O Zadig, o Autor empenha-se, a dada altura, em demonstrar o quão insano acaba por ser o primado da crença e da superstição em relação à Ciência no que toca, por exemplo, ao exercício da Medicina – e onde a psicologia, que no tempo de Voltaire ainda não se tinha demarcado da Filosofia, acaba por explicar o efeito placebo que provocam a crenças, manifestando-se em reacções físicas do corpo humano. Neste parágrafo, parece haver uma nítida alusão aos astrónomos Galileu, Copérnico e Giordano Bruno, este último condenado à fogueira por se recusar a desmentir as suas teorias sobre a estrutura e composição do Cosmos.

Uma das principais aspectos de O Zadig, consiste em mostrar como a demonstração de sapiência baseadas na comprovação da veracidade dos factos através de indícios concretos, apelando somente à capacidade de discernimento tem apenas, como efeito imediato, a humilhação dos menos capazes, como no episódio que fala do cavalo do Rei ou da cadela da Rainha. Isto porque entraves à instauração de uma meritocracia em qualquer sociedade esbarram, quase sempre, na muralha formada pelos sujeitos medíocres que se encontram na posse de algum poder, como é o caso do invejoso Azimaze. O Autor dedica um capítulo inteiro a descrever o comportamento do anti-herói, capítulo esse a que dá o título de “O Invejoso” onde realça que “os ódios implacáveis não têm, muitas vezes, o mais importante fundamento.”

A dada altura, depois de perder e recuperar riqueza e posição social que havia perdido por sabotagem, Zadig decide mostrar-se magnânimo, quando a verdade é reposta no seu lugar. Uma atitude que, no entanto, o coloca em posição vulnerável, uma vez que o inimigo não tem humildade suficiente para reconhecer os próprios erros ou limitações. Por outro lado, a superioridade de Zadig tem o inconveniente de realçar ainda mais a mediocridade de Azimaze.

Os acontecimentos acabarão por desenrolar-se de forma a que os invejosos tracem involuntariamente a punição para si próprios, espelhando a própria crença de Voltaire. O final dos vilões de O Zadig é exemplar e em jeito de sátira, à maneira dos contos de fadas:

O Invejoso escarrou sangue e o nariz inchou-lhe prodigiosamente.

O castigo dos vilões baseia-se na concepção de que um comportamento socialmente prejudicial provoca uma reacção igualmente negativa, funcionando segundo o mecanismo da Lei do Pêndulo. Isto é, segundo o princípio de que toda a acção produz uma reacção e, no caso de se optar por um comportamento gerador de algum tipo de dano à sociedade, esse mesmo dano, trará inevitavelmente para o sujeito que prevaricou, consequências nefastas.

A Rainha da Babilónia, a protagonista feminina da lenda trazudida por sadi, é descrita como uma espécie de Rainha Guinevere da Mesopotâmia e Zadig como o seu Lancelot. O Rei Moabdir desempenha o papel de um Rei Artur da Antiguidade. É, também, notório que a descrição dos torneios nas cerimónias oficiais da Corte lembram muito mais as justas medievais do que propriamente a Antiguidade.

A Rainha Astarté da Babilónia é introduzida na história para mostrar como a beleza, a inocência e a virtude conjugadas se tornam altamente vulneráveis. Sobretudo quando todas as atenções de uma corte intriguista estão nela centradas nestes género de personagens, devido à posição de destaque que ocupam. Para o Autor uma amizade entre dois sexos está ,também, muito mais exposta sendo, por essa mesma razão, muito mais vulnerável às intrigas do que uma relação adúltera clandestina:

…uma paixão nascente e combatida dá na vista; um amor saciado sabe esconder-se.

As mesmas intrigas levam os dois protagonistas a ficar em situação social bastante desfavorável. No entanto, a inteligência de Zadig acaba por inverter a situação, sobretudo no empolgante episódio intitulado de “O Basilisco” onde emprega todo ode engenho e audácia de que é capaz para libertar Astarté.

Em O Zadig há, ainda, uma personagem que se destaca pela sua importância no desenlace da história: o Eremita, que detém o Livro dos Destinos. Trata-se, nada mais nada menos do que a projecção da figura alegórica do Destino, personificada na tradição bíblica pelo anjo Azrael, o Anjo da Morte.

A teoria da predestinação, a crença na divina providência, na “mão Invisível”, que favorece o esforço individual, a inteligência e a Justiça face à adversidade por se impor naturalmente como ideologia dominante está fortemente presente na obra, aproximando-se do sistema ético e moral do Zoroastrismo.

O Zadig é, assim, uma conto de um Autor que foi o paradigma intelectual de uma época mas que, em muitos aspectos, continua estranhamente actual.

Ou, se calhar, não tão estranhamente assim…



Cláudia de Sousa Dias

Wednesday, June 15, 2011

"A Rainha do Sul" de Arturo Pérez-Reverte (ASA)


Tradução de Helena Pitta


A articulação do jogo de interesses, inserido na teia do mundo do crime à escala mundial, numa história de amor, traição e vingança.

A Rainha do Sul é um romance obtido a partir do resultado de um exaustivo trabalho de investigação, levado a cabo pelo autor, sobre a estruturação de uma economia paralela, à escala global.

Para poder levá-lo a cabo, o Autor teve de proceder à indagação sobre a vida de uma conhecida narcotraficante residente em Espanha e originária do México, a qual operava através de uma empresa que, por sua vez, mantinha a fachada de transportadora internacional de mercadorias.

Apesar de o nome e as circunstancias presentes no romance serem fictícios, o Auto partiu de factos reais e de vários testemunhos de personalidades estreitamente ligadas à conhecida rede de narcotráfico. É por esse motivo que um romance como este consegue traçar, em linhas gerais, um quadro tão verosímil, da forma como se articula o tráfico de haxixe e cocaína envolvendo as principais redes internacionais do crime organizado: a ligação de Espanha a Marrocos e à à Colômbia, funcionando o Sul do país de "nuestros hermanos" como um espécie de entreposto para o comércio de estupefacientes com toda a Europa, em conexão com as associações criminosas italianas (a Máfia da Sicília, a Camorra de Nápoles e a N'Dranghetta da Calábria) e com o narcotráfico com a Europa de Leste.

Juntamente ao tráfico de drogas, o autor deixa, também, entrever um pouco as ligações ao "tráfico de carne humana", concretamente nos bares de alterne da já referida zona turística espanhola.

Nesta obra, temos a oportunidade de observar, também, com minúcia, o desenrolar do processo de lavagem de dinheiro, as operações de transporte de droga, chantagem e esquemas de fuga à Lei a que se junta, muitas vezes, um trabalho de "parceria" de parte das autoridades oficiais (polícia, tribunais, autarquias, governo) com os narcotraficantes.

O ritmo da história é contado a duas velocidades: em primeiro lugar, temos o investigador-repórter que entrevista os principais intervenientes na história, em contacto com Teresa Mendoza a protagonista e anti-heoína (embora, na realidade a trafique, passo o trocadilho, a que não conseguimos resistir). Aqui, a narrativa adquire um ritmo mais lento para dar ao leitor a oportunidade de analisar e avaliar os acontecimentos e o carácter das personagens e, por vezes, manifestar os seus próprios pensamentos e pontos de vista.

Por outro lado, temos a parte do romance propriamente dito que implica o lado criativo do autor, na qual, o narrador, omnisciente e não participante, facilita a reconstituição dos episódios vividos pela protagonista e as demais personagens. A partir daqui, podemos identificar uma vilã que acaba por cativar os leitores pela inteligência argúcia e capacidade de sedução - apesar dos meios duvidosos que emprega para conseguir os seus objectivos - que encarna uma versão feminina da personagem Edmond Dantés no romance O Conde de Monte-Cristo de Alexandre Dumas, que é aqui substituído por uma tratar-se de uma mulher-fatal cuja finalidade é a de triunfar num mundo de homens, no qual irá assumir o papel de vingadora pela morte do namorado, morto em consequência de um ajuste de contas, ditado pela infracção das regras do jogo. Depois de passar algum tempo na prisão, Teresa irá, tal como a personagem de Dumas, encontrar os meios para consumar a sua vingança e procurar uma posição de liderança no mundo dos negócios de transporte de estupefacientes.

Uma "Condessa de Monte-Cristo" dos finais do sec. XX, mas retratada ao estilo frio e cáustico de Reverte, mas cujo final diverge, felizmente, em muito do do romancista francês do século XVIII.

Um texto brilhante, pródigo na utilização da gíria e calão dos narcotraficantes e do ambiente tenso de quem vive constantemente no fio da navalha.


Cláudia de Sousa Dias

Labels: