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Sunday, June 17, 2012

"A Rameira do Diabo" de Catherine Clément (ASA)


Tradução de Maria do Rosário Mendes

Filosofia, crítica e provocação, em formato de romance, com os principais pensadores do séc. XX como protagonistas



A Rameira do Diabo é o romance da deusa Razão que, por vezes, ao invés de estar ao serviço dos mais nobres ideais da Humanidade, assume o papel de prostituta ao serviço do Mal, servindo, unicamente, os interesses das classes ou potências dominantes.

Nesta obra, Catherine Clément não poupa ninguém ao analisar de forma crítica e com um acutilante cepticismo as ideias dos pensadores mais emblemáticos do séc. XX.

O cenário deste romance muito pouco convencional são os bastidores de um canal cultural francês para o qual a autora, que é também a protagonista do romance, tem de elaborar um documentário sobre o pensamento no sec. XX e sob as ordens de um produtor obcecado com o factor audiência.

Este, por vezes, tem uma enorme dificuldade em acompanhar o raciocínio de Catherine, professora catedrática de Filosofia, obrigando-a a uma série infinita de interrupções e cortes dos quais resulta o prolongamento infindável das filmagens, arriscando-se a extravasar largamente o orçamento.

O ponto de partida para este polémico documentário é o porquê da ocorrência do nazismo na Europa um continente que viu nascer Kant, Rousseau e outros humanistas e como antecipar os seus indícios de forma a evitar semelhante catástrofe no futuro.

A dada altura, a filósofa sugere, através de uma brilhante analogia, ao interpretar a obra La Peste de Albert Camus, que a doença de que fala o autor não é a bubónica mas o nazismo.

A propagação do fenómeno é incontrolável quando os objectivos da Razão se subvertem e esta se prostitui, como acontece com a adopção das Teorias Raciais da História.

Este romance pode ser um despertar do desejo de entender acontecimentos fundamentais, ocorridos no século passado e que, normalmente, não são muito debatidos ou analisados nas nossas aulas de História, tais como: a Conferência de Yalta, o Maio de 68 ou o golpe de estado na Pérsia (actual Irão) que derrubou a monarquia e ao qual sucedeu o regime teocrático dos Ayatollahs, que perdura até aos nossos dias e o consequente alcance das respectivas transformações a nível psicológico e social.

Mas Catherine Clément não se fica por aqui. A sua crítica demolidora estende-se a Freud e à psicanálise, à generalização abusiva da explicação do comportamento sexual tendo por base o complexo de Édipo e à perspectiva redutora que encara toda e qualquer neurose como sendo de origem sexual.

A sua forma de expressão é corrosiva e implacável. O brilhantismo da autora está patente na forma como esta encontra as falhas dos diferentes paradigmas (análise dos estudos antropológicos de Lévi-Strauss) estabelecendo as conexões mais impensáveis, sem contudo se prender à necessidade de demonstrar a validade e a veracidade das hipóteses por ela propostas, segundo as regras do método científico, deixando-nos a nós a tarefa de tentarmos encontrar um novo paradigma que cubra essas mesmas lacunas.O seu papel de "advogada do Diabo" contrasta fortemente com o conformismo do outro participante do documentário que é piedosa e significativamente apelidado pela própria ex-esposa de "chibinho", isto é, de cabritinho!

O toque "picante" deste pouco ortodoxo romance reside no foco dimensão humana dos filósofos do século precedente, que nós tendemos a considerar como deuses quando, na realidade, são apenas homens. É desta forma que Lévi-Srauss, Camus, Freud, Foucault, Lacan, Althusser, Sartre e muitos outros são "dissecados" perante o grande público, expondo os seus pensamentos e motivações mais viscerais, com o objectivo de despoletar a curiosidade e desenvolver, de uma forma extremamente divertida e lúdica, a capacidade crítica dos leitores.

Um livro que mostrar que a Razão, por vezes, também é corruptível. Imprescindível para aqueles que prezam a flexibilidade, a liberdade e a criatividade do pensamento.



Cláudia de Sousa Dias

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