HÁ SEMPRE UM LIVRO...à nossa espera!

Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Monday, July 25, 2005

“A Taberna da Índia” de Antonio Sarabia (ASA)


Um livro chocante pela pena de um dos mais prestigiados autores de língua castelhana da actualidade.

Estamos em Sevilha, em pleno século XV, num cenário que exibe as cores de um tecido social que chega até nós pelos olhos de um índio vindo das Caraíbas. O seu nome é Cristobalillo, nome que lhe foi atribuído em honra de Cristóvão Colombo.

Cristobalillo é um índio que observa a cultura do Velho Mundo, com os olhos de um forasteiro. Um observador participante que, quer pelo conhecimento da língua quer por intenção do próprio Autor, abstrai-se de emitir qualquer tipo de juízo de valor.

O tema do romance tem essencialmente a ver com os primeiros resultados das descobertas, financiadas pelos Reis Católicos, que não corresponderam completamente às expectativas: as caravelas “Pinta”, Niña” e “Santa Maria”, comandadas pela Almirante Colombo não chegaram, afinal, ao Catai, à Índia e muito menos ao Cipango. A rota da seda e das especiarias está obstruída por um obstáculo de vulto: um enorme continente ao qual atribuirão mais tarde o nome de América em honra de Américo Vespucci, parceiro financeiro de Colombo.

Face a esta conjuntura, o Almirante cai em desgraça, alvo da difamação e inveja daqueles que cobiçam a sua posição, quer na administração das colónias, quer relativamente ao seu grau de influência na corte de Isabel de Castela e Fernando de Aragão.

N’ A Taberna da Índia são descritos e explicados os mitos que marcam a cultura da época formando uma galeria de seres fantásticos que povoam o imaginário das gentes que começam a transitar da Época Medieval para o Renascimento: sereias, ciclopes, quimeras e muitos outros…

O leque de personagens é bastante variado, incluindo figuras históricas (algumas delas heróicas como Cristóvão Colombo ou Americo Vespucci). Mas aqueles que despertam mais interesse são as personagens que encarnam as pessoas mais comuns, aqueles cujo nome não fica para a posteridade:

- Alonso, tipógrafo culto e inteligente, idealista, busca o best-seller que projectará a sua tipografia no mercado, eliminando o monopólio formado pelos herdeiros de Gutemberg. O Diário do Almirante, quem sabe…
Alonso é muito semelhante à personagem D.Quixote de Cervantes. A sua sensibilidade é orientada para a defesa dos mais fracos, dos que não possuem o poder do dinheiro para os livrar de apuros.

- Diego, irmão de Alonso, é uma personagem que tem muito em comum com Sancho Pança: glutão, boçal, venal e rude, é proprietário da Taberna da Índia e de Catalina, a escrava oriunda das Caraíbas e de uma tribo canibal que inspirou o nome do referido estabelecimento.

- Bartolomé, o melhor amigo de Alonso, um fidalgo de Sevilha, proprietário de Cristobalillo – o jovem índio através de cujo olhar podemos avaliar as limitações e contradições da nossa própria cultura.
Cristobalillo, apesar da sua condição de escravo, desenvolve uma grande amizade por Alonso. Este ensina-lhe a língua castelhana, mostra-lhe a cultura do seu País e tenta transmitir-lhe o seu amor aos livros.

- Por último Catalina, uma heroína trágica, escrava de Diego. Trabalha na Taberna da Índia, executa funções domésticas e de teor sexual, quer para os clientes quer para o próprio patrão. O seu comportamento e dados biográficos constituem vários indícios ou pistas que irão desencadear o seu destino final, sugerindo uma vontade independente manifesta em hábitos culturais próprios de uma civilização que entram em linha de choque com a cultura Europeia.

O tema central do livro, que transparece no pensamento, discurso e acções de todas as personagens principais, é a liberdade individual. Sempre em conflito com os interesses económicos do Poder tendo apenas Força e a Beleza no outro prato da balança.

Sarabia é, neste aspecto, tão contundente quanto Saramago utilizando, para o efeito, quer o recurso frequente à ironia e ao sarcasmo – contidos no discurso de Alonso, quer nos paradoxos apresentados pelo discretíssimo Cristobalillo. Sobretudo aquando da visita deste ao bairro das tributárias (leia-se: prostitutas), propriedade da Igreja.

O mesmo se passa relativamente à descrição de um facto muito pouco conhecido na altura: a Instauração do Tribunal do Santo Ofício em Aragão e o assassínio de todos os clérigos dessa instituição, sendo o seu responsável máximo instituído como mártir, ficando com este rótulo para a posteridade.

Sarabia chama particular atenção para a forma como se processavam as denúncias, sempre anónimas, feitas ao Santo Ofício, e que muito pouco tinham a ver com o sentido de justiça do denunciante, mas antes com motivações de ordem económica de quem queria obter bens alheios susceptíveis de despertar cobiça “ou de apressar a partida de uma parente rico que tarda em morrer”.

O Autor sugere que foi o mesmo móbil que moveu os Reis Católicos a instituir semelhante organismo.

O final é inesperado, fugindo aos padrões de comportamento habituais que estamos habituados a ver numa personagem que capta a simpatia do leitor, logo de início…

A nostalgia e a esperança povoam as últimas páginas. A Amizade sobrevive como valor absoluto que transcende a noção de raça, cultura ou civilização.

Um livro de grande qualidade e realismo, recheado da mais fina ironia com uma pitada de candura e muito idealismo.

A revolta face à indiferença da prepotência, da inveja, da injustiça.

O grito da águia face à astúcia e cobardia dos lobos humanos.

Chocante e belo.

Contundente como o impacto de um míssil.


Cláudia de Sousa Dias

Wednesday, July 13, 2005

“Anjos e Demónios” de Dan Brown (Bertrand)



Um conflito entre Ciência e Religião. A Ética como elemento unificador.

Dan Brown escreveu Anjos e Demónios no ano 2000, em plena viragem do milénio, altura em que abundaram as teorias apocalípticas da conspiração, quatro anos antes da publicação do livro mais vendido nos últimos dez anos: O Código DaVinci.


Em Portugal, o lançamento de Anjos e Demónios coincidiu com a morte eminente de João Paulo II, traduzindo-se num golpe publicitário mais do que evidente, uma vez que a trama do livro circula à volta de uma conspiração cujo alvo é, aparentemente, a Igreja Católica e tem como pano de fundo a eleição de um novo Papa.

Anjos e Demónios é um enredo policial que implica uma ameaça à segurança do planeta, desencadeada pela descoberta de uma nova tecnologia cujo manuseamento, em mãos erradas, pode tornar-se fatal, não só para a Terra mas para o Universo inteiro.

O mais recente bestseller de Dan Brown (em Portugal, claro) pretende ser um livro que obrigue o leitor a reflectir acerca da clivagem entre os caminhos da Ciência (a razão pura e a lógica fria, que não faz juízos de valor entre o bem e o Mal) e os da Religião (durante milénios o fundamento da ética e das normas morais da nossa civilização). È também uma chamada de atenção para o desenvolvimento a duas velocidades entre o conhecimento científico e o desenvolvimento das relações humanas – que permitem a utilização da ciência de forma construtiva ou destrutiva.

Existe um paralelismo mais do que evidente entre Anjos e Demónios e O Código DaVinci, tanto na construção das personagens como no próprio desenvolvimento da narrativa.

- O protagonista é, em ambas as obras, Robert Langdon, um professor de Harvard, especialista em decifrar enigmas históricos;

- Em ambos os romances, está presente a urgência e o secretismo, com que Langdon é chamado a resolver o caso – isto é, literalmente arrancado aos braços de Morfeu em ambas as ocasiões;

- O assassino contratado a soldo move-se, tal como o diabólico membro da Opus Dei em O Código DaVinci, à semelhança da Peste no sec.XIV, isto é uma praga inexorável que ninguém consegue travar, criando no leitor o suspense que o mantém fixo ao livro, hipnotizado, viciado, até ao desencadear final do drama. Desta vez, trata-se de um psicopata de origem árabe que nutre um ódio ancestral face à Igreja Católica;

A sua ligação ao mentor do crime é, contudo, mantida hermeticamente secreta, velada, até aos últimos capítulos – altura em que a verdade emerge, finalmente, para o leitor;

- Prosseguindo a analogia, o principal suspeito de Anjos e Demónios tem muitas características semelhantes ao verdadeiro criminoso de O Código DaVinci e, apesar de, no final, terem destinos semelhantes, os desempenhos e papéis são completamente diferentes;


- Por último, Langdon conta com a presença de uma assistente com a qual mantém uma relação que transcende os limites da cooperação profissional possuindo esta uma estreita relação de parentesco com a vítima – Vittoria é, ao contrário da cerebral Sophie de O Código DaVinci, uma mulher de temperamento tipicamente italiano: ardente e impulsiva;

- O desenvolvimento da narrativa de Anjos e Demónios obedece à mesma estrutura do outro romance do autor, já citado. Trata-se de uma trama cronologicamente desenvolvida ao longo de 24 horas, na qual os aliados de Langdon perseguem o assassino pela cidade do Vaticano. A construção da narrativa é, em tudo, semelhante ao esquema de desenvolvimento de acção utilizada em teatro, na qual o primeiro acto decorre na Suíça, mais propriamente no Centro de Pesquisa de Energia Nuclear e o segundo acto na Cidade do Vaticano, podendo este último ser dividido em várias cenas consoante a actuação do assassino.

O livro em si aponta para a necessidade de conciliação entre o ponto de vista da ciência e o da axiologia, isto é, dos valores que fundamentam a Ética nas relações humanas.

A obra apresenta, no entanto, uma contradição: uma vez que um dos principais fundamentos da Ética é a Verdade, a transparência, esta é, apesar de tudo, ocultada à opinião pública, ficando as razões do comportamento de algumas personagens imersas no segredo dos deuses.

Mais uma vez os seres humanos são tratados como crianças às quais é preciso proteger impedindo-lhes o acesso ao mundo real, proporcionando-lhe a visão parcial da realidade, a preto e branco, o Bem e o Mal sem tonalidades intermédias. O pressuposto é o de que o homem comum não está capacitado para julgar por si próprio e os detentores da informação encontram, desta forma o pretexto para não darem a conhecer as suas próprias falhas, facilitando a dependência.

O interesse de Anjos e Demónios reside em ser um acréscimo de conhecimento erudição e na magistral arquitectura da trama a que Dan Brown já nos habituou, mas no que respeita às vantagens do “iluminar” da consciência colectiva, a obra fica-se pela concepção arcaica, tradicional, o eu significa tratar os humanos como ovelhas que necessitam de ser conduzidas e não como seres inteligentes ou autónomos…

…porque autonomia pode implicar diferença de opinião. Aquele que pensa de maneira diferente é considerado dissidente, rebelde.

Tal como um Anjo de Luz pode ser apelidado de…

…Luciferino.

Há, por isso em Anjos e Demónios uma perigosa analogia de cariz tipicamente medieval, que tenta confundir iluminismo com satanismo e que, na história, pouco ou nada foi feito para desmentir esta concepção.

Um livro que pretende ser conciliador, mas que dá “uma no cravo e outra na ferradura”, por querer agradar a gregos e a troianos.

O triunfo da Mentira…

Pura ficção ou imitação do real?



Cláudia de Sousa Dias

Friday, July 08, 2005

Trilogia “Primeiras Pedras” da Saga “Catarina Mallye” de Margarida Góis (Verbo)






Margarida Góis é licenciada em Direito e Línguas e Literaturas Modernas tendo realizado estudos de pós-graduação na Universidade Católica de Lovaina.

Vive em Bruxelas desde 1986 onde trabalhou numa ONG para a promoção do desenvolvimento em África e na América Latina, através de projectos a serem implementados nas áreas cultural, educacional e tecnológica.

A presente trilogia tem um intuito essencialmente formativo, implícito no título Primeiras Pedras, que são as pedras basilares nas quais assenta a construção de todo um sistema de valores e, simultaneamente, da identidade cultural e social da protagonista. Uma aquisição nem sempre voluntária.

A obra destina-se, sobretudo ao público nos últimos anos da adolescência.

A heroína é uma princesa oriunda de uma região fronteiriça entre a Europa e a Ásia, para a qual converge uma grande diversidade de etnias. Trata-se de uma região de grande beleza, algo inóspita, governada por um rei tornado déspota devido à oxidação dos seus ideais de juventude.

No reino de Oriety, toda e qualquer forma de expressão que sugira uma crítica velada ao regime é imediatamente censurada, suprimida, abafada.

O rei Otão deseja o poder absoluto, o controle total do seu território e de todos os que nele habitam. Porém, o General Axaris, o seu braço direito, Chefe da polícia Política, é quem detém o poder efectivo. A verdadeira ameaça ao Rei está mais próxima do que imagina…

A ambição de Axaris é controlar a consciência do Rei em benefício próprio e colocar a família real e a estabilidade política do País em situação de alerta vermelho. A repressão, levada a cabo pelo general, com a anuência do Rei, é uma bomba de nitrogénio que ameaça fazer explodir o ódio a qualquer momento…

A princesa Catarina, criada com a mãe numa Ilha, situada algures entre a Inglaterra e a Irlanda e, por isso, habituada à realidade que dá origem aos conflitos religiosos, é uma lufada de ar fresco quer pela sua extrema juventude quer pela abertura ao diálogo com os dissidentes do regime…

…o que a coloca numa posição frágil, remetida para a mira da desconfiança do tio – que teme, sobretudo, a usurpação do protagonismo da sobrinha, apesar dos seus verdíssimos 14 anos – e do ódio do general Axaris que a encara como um alvo a abater.

Catarina encarna o tema do livro, que é um hino à liberdade de expressão, à abertura do diálogo entre diferentes facções étnicas e religiosas e à luta contra todas as formas de repressão, tortura ou invasão de privacidade. Em suma, um grito de revolta que se traduz num não rotundo contra qualquer violação dos direitos humanos.

A qualidade relativa ao conteúdo da obra faz-se, desde logo, notar na selecção das epígrafes que marcam o início de cada capítulo. Nas entrelinhas das referidas epígrafes está implícita a temática debatida em cada um dos capítulos, cujo objectivo é o de sensibilizar o público adolescente para a aplicação no quotidiano do pensamento de alguns dos maiores génios do mundo das, Artes, das Letras ou das Ciências.

O Final da Trilogia é aberto, a saga continua com a série Jovens Unidos com a personalidade de Catarina já mais amadurecida.

Provavelmente para concluir uma questão que foi deixada em suspenso no último volume de Primeiras Pedras: será que “dar a outra face” é suficiente?

É o que vamos averiguar nos próximos volumes…


Claudia de Sousa Dias

Friday, July 01, 2005

"O Harém" de Barbara Nadel (Bertrand)


Barbara Nadel é uma autora anglo-turca e, por isso, produto de duas culturas, em muitos aspectos antagónicas. O que lhe dá a possibilidade de elaborar um romance como O Harém, sem cair no relativismo cultural, colocando em evidência os aspectos negativos de ambas as culturas, assumindo uma postura de análise crítica, sem cair na tentação de tecer juízos de valor.

O Harém
é um romance policial, extremamente apelativo, que tem como protagonista um detective, pai de família, profundamente apaixonado pelo seu trabalho – a busca da verdade – e, por isso mesmo, incorruptível. Um traço de personalidade que será fundamental para tentar entender o que, de facto, aconteceu a Hatice, a melhor amiga da sua filha mais velha, uma jovem adolescente encontrada morta com sinais de ter sido sujeita a um ataque de violência sexual extrema.

Ao perseguir o rasto dos algozes de Hatice, Çetin Ikmen descobre uma tenebrosa e tentacular rede internacional de prostituição de luxo, cujo objectivo é o de recriar um mundo já desaparecido, alimentando requintadas fantasias sexuais para todos os gostos, destinadas a homens ultra ricos, entediados, ou pertencentes às mais altas esferas do Poder a nível mundial.

A Autora empenha-se em mostrar que a corrupção e a sedução pelo crime não conhece fronteiras culturais ou religiosas, mas que é, isso sim, transcontinental e multiétnica.

Estes são os ingredientes que, reunidos e devidamente compilados, resultam numa espectacular teoria da conspiração. Na obra supracitada são referenciados múltiplos aspectos sociológicos e psicológicos particularmente relevantes: o perigo as ruas de Istambul, devido sobretudo à disseminação das Máfias de Leste; o atraso relativo à mentalidade de cerca de meio século em relação aos outros países da EU, no que toca à forma de encarar a sexualidade feminina fora do casamento. Este último aspecto patente no preconceito das autoridades, legalmente fundamentado, que pode servir para bloquear uma investigação que fira a moral vigente ou, já agora, que oculte algo que não interesse que seja do conhecimento da opinião pública….

A Autora enriqueceu grandemente o seu trabalho ao dotar uma das suas personagens com um quadro clínico de depressão pós-parto ou, por exemplo, um caso extremo de frustração e mágoa que leva à difusão do boato.

Também é explorado o desejo, aparentemente fútil, de obtenção de reconhecimento, a necessidade de ser-se admirado, amado, idolatrado, podendo levar a que se percam de vista, por vezes, os princípios éticos fundamentais…

Barbara Nadel trabalhou como consultora num hospital psiquiátrico com crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais e psíquicos, foi actriz e, actualmente, trabalha como relações públicas National Schizophrenia Fellowship Good Companions Project.

Talvez, por isso, muitos dos episódios descritos em O Harém tenham um impacto tão forte e nos pareçam tão verídicos.

É por todas estas razões que O Harém se torna um romance intensamente apelativo onde se congregam as diferentes facetas do mundo do crime: assassínio, alta traição, espionagem, extorsão e chantagem, num dos melhores livros policiais de sempre.

O rosto do Mal escondido atrás do véu da ignorância.

Melhor impossível.


Cláudia de Sousa Dias