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Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Wednesday, January 21, 2009

“Ódio Sustenido” de Nelson Oliveira (Língua Geral)


O Homem surge-nos, nesta mini colectânea de contos da Autoria de um dos mais proeminentes autores de vanguarda da literatura brasileira, na sua dimensão mais obscura, a dividir-se em múltiplas formas de manifestação. O resultado é um livro de pequenas estórias que são fotografias ou quadros sociais a ilustrar o universo emocional daqueles que vivem no inferno da exclusão, do desamor ou da desesperança.

Saliente-se a beleza da capa, verde e negra – as cores do ódio e da morte – a representar um pássaro de asas verdes com o peito dilacerado, que exibe poderosas garras, ao mesmo tempo que emerge das trevas.

O livro é, todo ele, uma crítica social, a vomitar ódio sustenido, fortíssimo, permanente, fruto do inconformismo face às desigualdades sociais e de oportunidades que grassam por todo o globo.

Estórias como Sai da chuva José mostram a forma como um homem simples como o hombre sencillode Neruda ganha as eleições – uma vitória fruto do carisma e da proximidade com as massas que facilmente se identificam com ele, se torna um fantoche de lobbies e políticos rapaces que comandam toda a engrenagem. José continua a ser apenas um pescador que se preocupa somente com as coisas do dia a dia, sem usufruir de qualquer tipo de poder de decisão. José a tainha que pode facilmente ser devorada, a qualquer momento, pelo cardume das piranhas.

A estrutura dos diálogos e o tom coloquial faz com que este mini-conto possa facilmente ser adaptado ao teatro.

Quando eu morrer não me enterrem nem me incinerem é um conto cujo objectivo é o de expor a obscenidade do repugnante fedor a decomposição, utilizado como uma metafórica bofetada à sociedade materialista que relega o idoso ou, simplesmente, a pessoa dependente, para a categoria de estorvo ou fardo. Há, neste episódio, um certo paralelismo com alguns poemas de Charles Baudelaire de AS Flores do Mal como O Esqueletoou O Cadáver ou mesmo com alguns dos contos da colectânea Olhos de Cão Azul de Gabriel García Márquez, apesar de na prosa do Nobel de origem colombiana encontremos apenas as emoções relacionadas com a melancolia e a dor da perda e não o veneno amargo de um ÓDIO tão presente na escrita destes contos de Nelson Oliveira.

Bola na Trave” é um conto pungente, onde o Autor dá voz a um fantasma, o qual associa, estranhamente, o futebol à ideia de morte, talvez porque libertador de emoções negativas , e despoletador de uma agressividade e um ódio sustenido ao adversário, a originar um desejo de vencer de tal forma obsessivo que acaba por destruir a alma ou fazer o coração rebentar como uma bomba…

Morango é a comovente narrativa, sob a forma de um monólogo, povoado de frases recorrentes, de um homem apaixonado.
O ardente narrador deste texto é um sacerdote, fiel aos votos, mas que não consegue evitar amar as mulheres, objectos intocáveis, porque proibidos e, por isso mesmo, tentadores que lhe surgem diante dos olhos no acto de confissão “...com esses olhos, esse nariz….”. Uma contundente crítica à Igreja e ao voto de celibato, ao mostrá-lo como a contradição maior, a negação do amor como mais alto valor do cristianismo. Onde o homem se vê impedido de amar as mulheres por imperativos institucionais, sendo este obrigado a votar-lhes uma espécie de ódio sustenido, permanente e quase que em surdina.

Da mesma forma, Páscoa vermelha visa, também, criticar a mercantilização das festas religiosas. Trata-se de uma bela alegoria onde as personagens são os principais feriados ou dias santos celebrados no calendário cristão. O ataque é dirigido sobretudo ao consumismo desenfreado que transforma as convicções religiosas num apelo às compras, favorecendo o oportunismo e a ganância particularmente evidentes no Natal, época onde valores como a solidariedade deveriam falar mais alto. Termina sob a forma de sátira onde o Natal se traveste de Páscoa Vermelha – comunista –, a negação do capitalismo e aproximação com os valores mais básicos do fundador da principal religião no Ocidente.

Na fila do Correio é um conto que se poderá considerar como digno de um Nobel. As personagens que estão na fila do correio estão proibidas de falar sobre política . No entanto, as pessoas que integram a fila são possuidoras de uma cultura muito acima da média e, mediante uma espera interminável para serem atendidas, começam a conversar entre si, a dissertar sobre a história da ciência, do pensamento e da filosofia. Cada qual afirma a sua verdade, atirando, cada um, a sua acha para a fogueira da discussão, que acaba por entrar, inevitavelmente no campo da política. E, consequentemente, por despoletar a violência que atinge o seu paroxismo numa rixa monumental. Sobretudo quando as convicções chocam frontalmente com os interesses das pessoas comuns, que se preocupam apenas com as questões do quotidiano. É, então, que estala a violência num fortíssimo ódio em sustenido.

Em Babel, Babilónia o autor mostra-nos as três subespécies humanas que são obrigadas a coexistirem no labirinto da Grande Metrópole. São elas: os dramaturgos ou os intelectuais que vêem o entardecer luminoso todos os dias, uma vez que habitam os arranha-céus, elevando-se acima do resto da humanidade; os nutricionistas das ruas, que vêm um entardecer fuliginoso pois encontram-se ao nível do subsolo, apanhando os gases dos canos de escape dos carros e vivem à sombra dos arranha-céus. Por último, na base, estão os cartógrafos dos túneis, que vivem no subsolo e vêem o pôr-do-sol na obscuridade.

Nesta Babel Babilónia, todos os dias são 11 de Setembro. O dia a dia é marcado pela tragédia e por um violento ódio sustenido numa única nota que se faz ouvir permanentemente.
Quem manda, na realidade são os cartógrafos, que não olham a meios para atingirem os seus fins e que expulsam a alcateia de dramaturgos lá para o alto onde vivem isolados, alheados no seu mundo perfeito, ideal.

Na Babel Babilónia de Nelson Oliveira há várias cidades dentro da mesma cidade ou vários homens dentro do mesmo homem, numa estória com várias intertextualidades como num conto de Jorge Luis Borges.

Também no conto Meu tio, mameluco-malaco é possível sentir o ódio sustenido nas ruas de uma sociedade doente. Trata-se de um conto escrito numa linguagem que faz lembrar algumas personagens dos romances de Jorge Amado, embora sem o calor solar do bonacheirão romancista baiano. O vocabulário presente no conto faz lembrar o ambiente de S. Jorge dos IIhéus, no entanto, encontramos, nas entrelinhas, o ódio visceral patente entre as gentes do povo, das ruas, daqueles que nada têm, face ao resto da humanidade, que ali é apenas uma minoria muito pequena.

A Fortuna de um intelectual, acumulada ao longo de muitas décadas, reside numa vasta biblioteca, que pode, no entanto, considera-se minúscula, diante da gigantesca Biblioteca Municipal. Trata-se, no entanto, de um tipo d riqueza que os outros não valorizam que não tornam ninguém imortal e que é, também, apesar de tudo, perecível, uma vez que também os livros se deterioram. Na perspectiva do narrador, a morte e a degradação são os únicos factores niveladores na humanidade e em tudo o que existe no universo o que leva a que este, que vê a vida escapar-se-lhe por entre os dedos, a e desfazer-se como papel velho, a dedicar à Morte um ódio em sustenido como manifestação do inconformismo face à finitude da vida humana.

Treze razões para não ir para a avenida é como que um diálogo de surdos onde expõem os motivos para esquecer os problemas e ir dançar para o sambódromo, celebrar a vida, durante o Carnaval.

Na perspectiva do narrador, os brasileiros não deveriam ter motivos para festejar tão ruidosamente a alegria de viver, uma vez que a maior parte das pessoas que desfilam na Avenida, vivem muito abaixo do limiar da pobreza. Para a pessoa consciente das desigualdades sociais , o Carnaval deveria ser antes uma forma de protesto, de manifestação de um ódio sustenido ao capitalismo desenfreado, dançando até à exaustão.

Marché aux Puces é uma sátira/alegoria que exprime a oposição de dois arqui-inimigos de forma a enfatizar a clivagem entre o pensamento crítico e criativo e o pensamento cartesiano.

O Fantasma da Máquina aparenta ser uma espécie de vírus num computador que desformata um texto ao trocar as letras das palavras. Só depois de alguns parágrafos é que se torna possível perceber tratar-se de um recurso de estilo ao darmo-nos conta do paralelismo existente entre a desagregação das letras e a destruição da mente humana, após um avc. A própria humanidade parece, na óptica de Nelson Oliveira, ela própria, ter sofrido um avc – ou vários – como organismo vivo que é.
A ideia de sedução da Morte e do esquecimento manifesta-se numa súbita e irresistível atracção pelo abismo, que se apresenta sob a forma de uma mulher, sedutora, encarregue de levar o ser humano para o mundo onde os sentimentos como o ódio são apenas palavras.

Por último, o texto Ódio Sustenido, o mais contundente dos contos deste livro, onde cada frase transpira fel, visa retratar a mente sádica e o extremo egoísmo de um psicopata, fruto de uma sociedade podre, onde está patente a total anestesia emocional, relativamente aos sentimentos do outro.
Ódio sustenido é, por tudo isto, uma fascinante colectânea de contos que nos levam a reflectir sobre as principais tendências de comportamento individual e colectivo da sociedade actual.
Um livro profundo, visceral, contundente.

O retrato da Besta, que insiste em colar-se ao género humano.


Cláudia de Sousa Dias

Saturday, January 17, 2009

Blog de Ouro


A Carla atribuiu-me este galardão que eu aproveito e atribuo também à Rosário do http://www.divasecontrabaixos.blogspot.com/, à elipse, do http://www.osentidodaspalavras.blogspot.com/, à Isabel Mendes Ferreira do "Piano" http://www.mendesferreira.blogspot.com/, à Isabel Victor de http://www.isabelvictor150.blogspot.com/, à Teresa Sá Couto do http://www.orgialiteraria.com/ e do http://www.com-livrosteresa.blogspot.com/ e à a Dalila de O Farolno vento norte http://www.farolnoventonorte.com/



Seis mulheres excepcionais!



Cláudia de Sousa Dias

Wednesday, January 07, 2009

“Rapariga com Brinco de Pérola” de Tracy Chevalier (Quetzal)


O primeiro romance de Tracy Chevalier, publicado em Portugal, é inspirado no mistério que rodeia o quadro do célebre pintor holandês, Jan Vermeer ou Johannes Vermeer. A riqueza da escrita desta jovem Autora britânica, é dotada de um poder de sedução que a torna irresistível pela profusão de detalhes visuais, cujo sortilégio surpreende o leitor que é apanhado num vórtice de sensações auditivo-visuais, visuais-cinestésicas e visuais-tácteis, tornando impossível abandonar a leitura antes do fim da última página.

Apesar de a intriga ser de uma simplicidade chocante - o patrão que se apaixona pela jovem criada – as circunstâncias especiais que envolvem um clássico triângulo amoroso, onde a serviçal se torna uma trabalhadora especializada e altamente qualificada – ajudante do pintor – e que por ele se apaixona. A Autora vai construindo um vínculo entre ambos o que acaba por colocá-la numa posição superior à da esposa. O facto, aparentemente banal, transforma-se num acontecimento com grandes repercussões sociais.

O Mistério em volta da figura de um dos mais emblemáticos pintores da escola flamenga


Johannes Vermeer nasceu em Delft, a 31 de Outubro de 1632 e faleceu, também em Delft, a 15 de Dezembro de 1675).É também conhecido como Vermeer de Delft ou Johannes van der Meer.

Vermeer viveu toda a sua vida na sua terra natal, onde está sepultado na Igreja Velha (Oude Kerk), Delft.

É o segundo pintor holandês mais famoso do século XVII (um período que é conhecido por Idade de Ouro Holandesa, devido às espantosas conquistas culturais e artísticas do país nessa época), depois de Rembrandt. Os seus quadros são admirados pelas suas cores transparentes, composições inteligentes e brilhante utilização da luz.

Pouco se sabe da sua vida. Era filho de Reynier Jansz e Dingenum Baltens. Casou-se em 1653 com Catharina Bolenes e teve 15 filhos, dos quais morreram 4 em tenra idade. No mesmo ano juntou-se à guilda de pintores de Saint Lucas (São Lucas). Mais tarde, em 1662 e 1669, foi escolhido para presidir à guilda. Sabe-se que vivia com magros rendimentos como comerciante de arte e não pela venda dos seus quadros. Por vezes até foi mesmo obrigado a pagar com quadros as dívidas contraídas nas lojas de comida locais. Morreu muito pobre em 1675. A viúva teve de vender todos os quadros que ainda estavam na sua posse ao Conselho Municipal em troca de uma pequena pensão (uma fonte diz que foi só um quadro: a última obra de Vermeer, intitulada Clio).
Depois da sua morte, Vermeer foi esquecido. Por vezes, os seus quadros foram vendidos com a assinatura de outro pintor para lhe aumentar o valor. Só muito recentemente a grandeza deste pintor de excepção foi reconhecida: em 1866, o historiador de arte Théophile Thoré (pseudónimo de W. Bürger) fez uma declaração nesse sentido, atribuindo 76 pinturas a Vermeer, número que foi em breve reduzido por outros estudiosos. No princípio do século XX havia muitos rumores de que ainda existiriam quadros de Vermeer por descobrir.
Conhecem-se hoje muito poucos quadros de Vermeer. Só sobrevivem 35 a 40 trabalhos atribuídos ao pintor holandês, havendo, inclusive, algumas opiniões contraditórias quanto à autenticidade de alguns quadros (Fonte: wikipédia).

A Obra Literária

A genial originalidade de Tracy Chevalier consiste em partir de uma obra de arte de um dos grandes mestres da pintura flamenga para traçar um quadro social da época, onde os matizes da mentalidade da época surgem sobrepostos e justapostos com o mesmo perfeccionismo aplicado por Vermeer na pintura a óleo.

No que se refere aos detalhes estéticos, o livro é uma autêntica aula de pintura, não só pela descrição das cenas como se de quadros se tratassem – ou fotografias, onde a Autora aposta nos jogos de luz e sombra de forma a obter o degradé exacto que lhe faculte uma descrição onde são enfatizados os contrastes entre claro e escuro, entre cores vivas e cores sombrias partindo da inspiração dada pelas telas do pintor.

Tracy Chevalier ocupa-se, também, da descrição do ofício de pintor, desde selecção das matérias- primas aos retoques finais, passando pela mistura de pigmentos e pela definição do esboço inicial.

A jovem protagonista, Griet, é uma criada, quase analfabeta, vinda de uma família de artífices – o pai é pintor de azulejos, incapacitado para o trabalho em virtude de um acidente profissional que lhe rouba a vista; pertence à mesma guilda de Vermeer, embora este ocupe uma posição muito superior. No entanto, a súbita incapacidade para o trabalho obriga-o a colocar os filhos mais velhos no activo: Franz como aprendiz, na fábrica de azulejos onde trabalhou até à altura do acidente, e Griet como criada, em casa de Vermeer, a qual acaba por assumir, para além da tarefas comuns, normalmente atribuídas a uma criada, o cargo de limpar a oficina do pintor.
Griet é uma jovem sobredotada, apesar de quase não saber escrever o nome. Possui um dom pouco vulgar que a distingue das demais raparigas – e rapazes – da sua idade: uma grande capacidade de distinguir cores e tonalidades a par de um elevado sentido estético de procura de harmonia e equilíbrio. Tal como se nota logo na primeira cena do romance, na cozinha, em casa dos pais, onde está a cortar os legumes para a sopa e a dispô-los sobre a mesa, cortados às fatias, separados e agrupados por cores, criando contrastes e degradés, como se compusesse uma natureza-morta, pronta a ser pintada. E é assim que trava conhecimento com a família à qual irá servir. E é com base nesta característica que muitos tomam como excentricidade ou bizarria, que se irá construir a complicada teia de relações no seio da família, residente no Bairro Católico envolvendo a jovem.

O pintor apercebe-se, de imediato, que está diante de alguém com uma sensibilidade pictórica fora do comum: Griet é a pessoa ideal para limpar a oficina, colocando os objectos nos sítios exactos. Primeiro, pela facilidade em visualizar os objectos no espaço, pela habilidade em conservar a disposição destes nos lugares exactos, através de um engenhoso método de medições atrevendo-se mesmo a fazer sugestões na disposição dos cenários para quadros como “A Filha do Padeiro” e mesmo “Rapariga com Brinco de Pérola”.

A curiosidade que Griet desperta no pintor, ainda em casa dos pais desta, no momento em que o casal está a negociar os termos de contratação desperta, desde logo, um ciúme virulento na esposa do pintor: a bela, prepotente e caprichosa Catharina. Tudo porque, apesar da evidente paixão que este lhe dedica, Griet consegue entrar no mundo “dele”
.
Em relação aos filhos do casal, Griet estabelece com Maertge, a mais velha, uma relação de cumplicidade que se mantém mesmo após a jovem ser despedida. Já em relação a Cornelia, a segunda filha, a relação de oposição é estabelecida logo de início, a partir do primeiro olhar. Griet não admite a prepotência, vinda do sorriso escarninho de uma criança que se percebe ser mimada, sedenta de protagonismo e que não hesita em rebaixá-la. Griet não é muito bem sucedida em relações interpessoais – não tem grande paciência para cativar a amizade de personalidades difíceis – além de que é uma pessoa que sobressai, que e destaca da multidão. Que não é medíocre. Cornelia apercebe-se disso e tenta boicotar-lhe o trabalho. As duas lutam entre campos opostos. Griet não sabe lidar com a maldade, mas tem a capacidade de aplacar conflitos antes de eclodirem. Consegue, por isso, durante muito tempo, deitar água fria no caldeirão onde fervilham os ciúmes de Catharina. Mas só até Cornelia atiçar o fogo…

Em relação à cozinheira Tanneke, os sentimentos desta para com Griet vão-se modificando ao longo da trama. Inicialmente, a criada mais antiga da casa mostra-se desconfiada, depois solidária e, por último, invejosa, ao constatar que a jovem atinge um estatuto dentro da casa que a torna indispensável se não mesmo insubstituível: Griet tornou-se a assistente do pintor. É quase uma aprendiz.

Entre Griet e a sogra de Vermeer há uma relação baseada na união de interesses: Maria Thins vê na jovem um “objecto” útil para que o genro execute melhor e mais depressa os seus trabalhos. Já Griet, encontra na matriarca, pelo menos durante algum tempo, uma aliada, que a protege das ciladas e a ajuda a escapar das tarefas mais odiosas de forma a cumprir o objectivo principal: ajudar o patrão.

Mas entre Griet e o pintor começa a surgir uma atracção mútua, uma paixão que é sublimada pela Arte, pelo ideal a que ambos se devotam: a Pintura.
No entanto a situação de Griet torna-se insustentável devido à tensão surgida pelo ciúme de Catharina, às ciladas de Cornelia, a que se junta o assédio sexual pelo patrono de Vermeer, que a persegue pela casa.

A relação de Griet com a família de orientação sofre, também, alterações à medida que se desenrola a história. Ela torna-se, inicialmente, criada para suprir as necessidades da família, a qual sente vergonha por colocar uma filha a servir em casa alheia, sinal evidente de decadência económica. Trata-se de uma família puritana, protestante, que olha com desconfiança os habitantes do bairro católico, onde vive a família Vermeer.

A mãe considera herética a pintura do patrão da filha por achar as figuras que a protagonizam revestidas de uma aura de divindade, a avaliar pelas descrições feitas pela filha. Não está muito longe da verdade, uma vez que tanto o pintor como a auxiliar, encaram o trabalho com uma devoção quase que religiosa. A mãe de Griet considera ofensivo todo e qualquer sinal exterior de riqueza ou distinção, assim como tudo o que denuncie o menor sinal de vaidade que possa corromper a filha. O pai, em contrapartida, mostra um fascínio irresistível pelos quadros, pedindo amiúde que a filha lhos descreva.

A paixão de Griet por Vermeer coloca-a numa posição semelhante à de Emma Bovary de Flaubert. Tal como na França rural do século XIX, na Holanda do séc XVII, o desejo de ascensão social, sobretudo na Mulher, é socialmente condenável.

Uma criada talentosa, mesmo descendente de um artífice importante, nunca poderia tornar-se “patroa” nem usar os mesmos atavios das “senhoras” sem ficar socialmente mal vista. Quando Vermeer mostra desejos de pintá-la no quadro “Rapariga com Brinco de Pérola” vê-se a braços com uma séria dificuldade: não quer retratá-la como criada, mas também não pode pintá-la como senhora. O pintor opta, então, por encontrar uma solução de compromisso entre o impulso de a retratar tal como a vê – um ser especial – e a necessidade de obedecer às convenções sociais, envolvendo-lhe a cabeça numa espécie de turbante que lhe dá o aspecto de uma jovem da corte otomana.

Relativamente a Griet, quer a paixão proibida, quer as convenções sociais, quer, ainda, a ambição profissional de se tornar, não uma criada, mas uma ajudante do pintor, uma artífice ou, nos sonhos mais remotos, uma artista, é inconcebível, na época, para uma mulher. Isto leva a que a jovem se veja obrigada a abdicar dos próprios sonhos e resignar-se a casar com alguém do próprio meio, aceitando a proposta de um belo mas bronco açougueiro…Mais: o jovem não hesita em fazer-se valer da sua condição sócio económica como a única alternativa de um futuro respeitável. Apesar de “bem intencionado”, faz por enfatizar as vantagens de que passaria a usufruir a família num casamento consigo próprio. Na realidade, ofende-a ao mostrar-lhe que não tem alternativa. Além de não parecer existir qualquer tipo de afinidade entre os dois, facto que faz com que sinta estar a ser comprada. As últimas frases da narradora – a própria Griet – são contundentes porque imersas numa profunda e amarga ironia, onde deixa claro sentir ter-se vendido em troca de alimentação para a família e da garantia de um estatuto respeitável.

Um livro de ilustra cruamente a realidade da condição feminina e o reduzido leque de oportunidades num dos países de vanguarda na Europa do século XVII.



Cláudia de Sousa Dias