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Wednesday, January 28, 2015

Roger Fry – A Biography by Virginia Woolf (Vintage Lives)




Virginia Woolf nasceu em Londres, 1882, filha de Sir Lesley Stephen, editor do "Dictionary of National Biography”. Apesar de sempre ter mostrado vontade de escrever, em termos profissionais foi só a partir de 1915,  Woolf publicou o seu primeiro romance. A partir de então mantém um ritmo imparável de produção literária que envolve ficção, crítica literária, ensaio e biografia. Casara pouco tempo antes, em 1912, com Leonard Woolf e, em 1917, fundaram ambos a Hogarth Press.

Virginia Woolf sofreu, ao longo da vida, várias crises pessoais que afectaram o equilíbrio do seu sistema nervoso – pensa-se hoje que sofria da doença bipolar – cujas crises se traduziam em longos períodos de depressão aguda, por vezes com perturbação delirante, alternados com períodos mais breves de hiperactividade. Woolf viria a suicidar-se a 18 de Maio de 1941, com a Europa mergulhada em plena II Guerra Mundial.

Woolf acabara de escrever o livro de que aqui falamos hoje pouco menos de um ano antes da sua morte, seria o último que veria publicado. Segundo a carta de agradecimento da filha de Roger Fry – notável crítico de arte das primeiras décadas do século XX em Inglaterra, responsável pela introdução do movimento pós-impressionista nas artes plásticas em Inglaterra – dirigida a Virgínia e que aqui reproduzimos na íntegra, atesta o quanto este trabalho da escritora era aguardado pela família:



London, April 1940




Dear Virginia,



Years ago, after one of those discussions upon the methods of the arts, which illuminated his long and happy friendship with you, Roger suggested, half seriously, that you should put in practice your theories of the biographer's craft in a portrait of himself. When the time came for his life to be written, some of us who were very close to him, thinking it would have been his wish as well as ours, asked you to undertake it.

I have now begged to have this page to tell you of our gratitude to you for having accepted and for having bought a piece of work neither light nor easy.

As the book is to have no formal preface, may I here join with yours our thanks to all those who have allowed the use of letters and pictures in their possession.



Margery Fry




Roger Fry, além de crítico, foi professor de artes plásticas em Cambridge, ensaísta e também pintor. Virginia Woolf realça ao longo da obrai não apenas o artista e intelectual, mas mais do que tudo o ser humano, sensível, humanista e resiliente que, apesar de ver desmoronada a sua ideia de Europa progressista e paraíso do desenvolvimento tecnológico, protectora das artes com o eclodir da Primeira Guerra Mundial, nunca deixou de lutar por aquilo em que acreditava: mostrar um mundo melhor através da arte como forma de expressão do Eu. Cristopher Reed, editor da obra A Roger Fry Reader comentava: 

«Woolf wrote about a Quaker and a pacifist in the midst of a war, he argues, led her to think through how Fry’s socialist aesthetics and anti-war stance shaped his way of seeing the world.»



A Obra

A biografia de Roger Fry está dividida em onze partes: a infância, Childhood: School; o período universitário Cambridge; as viagens London: Italy: Paris; o regresso e o casamento, Chelsea: Marriage; o trabalho e a vocação, Work;o reconhecimento fora do seu País, America; novo regresso, audácia e inovação em The Post-Impressionists; o experimentalismo e espírito empreendedor, The Omega; o deflagrar da guerra e as suas consequências, The War Years; a escrita, Vision and Design; e, por último, Transformations onde a autora narra o declínio da saúde no auge da carreira do homem que então se consolidava, já não como crítico e ensaísta autor de dois livros (com o nome dos dois últimos capítulos da biografia que aqui falamos), professor ou marchand de arte mas desta vez na sua faceta de artista, pintor do pós-impressionismo.

Ao falar da infância de Fry na primeira parte (capítulo I) Childhood Woolf baseia-se em testemunhos de familiares e pessoas próximas, recorrendo também a provas documentais, incluindo jornais, fotografias e cartas, para reconstituir o passado quacker da família, constituída por austeros homens de negócios, que nutriam um ostensivo desprezo por aqueles que se ocupavam exclusivamente das artes. Woolf realça o extremo conservadorismo da família Fry, na qual mesmo uma actividade vital como a Medicina era olhada com alguma condescendência, uma vez que o seu exercício pressupunha uma certa imoralidade no facto de alguém se dispor a salvar vidas a troco de dinheiro.
Pela leitura deste capítulo percebe-se, mesmo sem se consultar outras fontes, que os Quacker são um braço conservador da Igreja Anglicana, que na obra, aparecem como um grupo essencialmente endogâmico. O conservadorismo em que Fry é educado explica em parte o lento desenvolvimento do seu próprio talento artístico, a sua verdadeira vocação, a qual tenta reprimir para abraçar uma carreira que os pais julgariam ser mais apropriada à sua condição social: primeiro a de professor e cientista /investigador e depois como crítico, marchand de arte, curador de museus.

A principal ideia que Woolf faz passar neste capítulo é a do quanto a austeridade e a dura disciplina lhe marcaram a infância e início da adolescência, sobretudo no colégio onde leccionava um professor sádico que adorava humilhar e espancar os alunos à palmatória.

A libertação do espírito e o incentivo à autonomia de pensamento chegam depois, na altura em que ingressa na Universidade em Cambridge, no ambiente informal das tertúlias com os colegas e nas sortidas após as aulas. Cambridge é o ponto de viragem na vida de Fry que é descrita no capítulo II, "Cambridge".

No capítulo III, esta autonomia de raciocínio de de expressão da vontade individual é desenvolvida nas viagens de Fry pela Europa e que Woolf descreve, olhando o mundo pelos olhos de  Fry, focando-se na descoberta do prazer em desenvolver o conhecimento pela Arte. Fry empreende a viagem, primeiro a Itália e depois a França, a pretexto de uma investigação sobre o período da Renascença nas artes plásticas que depois aplicaria ao ensino. Woolf descreve o arrebatamento apaixonado de Fry e o seu deslumbramento reverencial pela arte italiana e, logo depois, o choque inicial despoletado pelo impacto da pintura dos pós-impressionistas franceses como Gauguin e sobretudo Cézanne devido à capacidade de exprimir ideias e sobretudo emoções, bem a exuberância da vida na sua essência. Nesta fase, Fry é ainda apenas um admirador da obra alheia, sendo a crítica a única forma de ligação que se permite ainda fazer com a Arte, não se levando a sério como artista plástico.

O capítulo IV dá conta do regresso de Fry da Europa Continental à Grã-Bretanha, à casa em Chelsea, dando conta da forma como este assimila tudo o que aprendeu, e de que forma irá utilizar as influência artísticas que foi colhendo durante a viagem descrita no capítulo anterior. Nesta fase Virginia Woolf dá, também, atenção ao aspecto mais pessoal da vida do crítico de arte, destacando o relacionamento de Fry com aquela que seria a sua única esposa Helen, também pintora e mulher de grande talento e referindo-se de forma assaz discreta ao breve romance de Fry com a irmã de Virginia, Vanessa Bell, quando a doença de Helen havia já afectado gravemente a vida conjugal de Roger Fry. Helen é porém retratada como a única mulher que realmente o completava, estando à frente do seu tempo, dona de uma inteligência invulgar e cujo trabalho como pintora superava mesmo o do próprio marido. Helen casa com Roger, mas a felicidade só é possível enquanto a saúde dela o permite. Helen, durante os anos em que foi conservando parcialmente a sua saúde, era reconhecida como artista plástica de talento. Até ao ponto de a sua doença se tornar irreversível. Viria a falecer após um longo internamento numa casa de saúde (cerca de duas décadas) e uma não menos longa agonia, em consequência de um tumor situado entre o cérebro e a caixa craniana.


No capítulo V, Woolf explora outras das facetas profissionais de Fry, na qual ele se refugia para compensar o desgosto pela perda de saúde da esposa, à qual nunca nenhuma outra mulher viria a substituir completamente durante os anos de internamento de Helen. Virginia, sofrendo ela própria de uma doença crónica do foro psiquiátrico, realça a forma como o trabalho foi para o amigo o grande factor estabilizador do seu bem-estar psicológico para além de lhe assegurar a sobrevivência e as necessidades dos filhos pequenos que tivera com Helen:

«Work was necessary. If only to earn the money, that was more than ever needed; and happily work was forthcoming.»


Fry torna-se publicamente reconhecido como crítico de arte sobretudo após emigrar para os Estados Unidos, na altura em que Helen ainda conservava alguns restos da sua saúde. Fry ambicionava tornar-se o curador da National Gallery em Londres, convite que viria a ser-lhe feito já quase no final da carreira, mas nesta fase, com a vida pessoal a desmoronar-se, é convidado a dirigir o Metropolitan Museum em Nova Iorque, apesar de algumas fricções com o seu patrono, o milionário J.P. Morgan, face à sua rudeza, arrogante exibicionismo e boçalidade. Helen morreria somente em 1937, três anos depois do marido, e Roger, durante quase trinta anos, ao sofrimento da mãe dos seus filhos, vivendo em união de facto com outra companheira.

Mas em 1910, saturado da ostentatória e arrogante presunção de Morgan, Fry regressa entretanto, a Inglaterra, após uma discussão insanável com o seu patrono.

No capítulo VII Woolf realça o impacto negativo na opinião pública que motivou a primeira mostra de pintores pós-impressionistas, sobretudo franceses, organizada por Fry em Londres, que incluía pintores como Cézanne ou Gauguin, mas também de outras nacionalidades como era o caso de Van Gogh. As duas mostras deste tipo de pintura, que tanto enfureceu os londrinos pela subversão da forma e dos costumes, ocorreram ambas poucos anos antes da Primeira Guerra Mundial, sendo a primeira em 1010, pouco depois da sua chegada dos Estados Unidos e a segunda em 1912. Segundo Virginia Woolf, os detractores de Fry, que o invejavam, não tiveram descanso, aproveitando-se do clássico conservadorismo da mentalidade britânica de então, que consistia na dificuldade em aceitar a algo de novo que pusesse em causa a norma, as formas tradicionais de expressividade artística, algo a que Virginia Woolf estava já habituada a assistir no meio literário.

No capítulo VIII é enfatizada a forma como a reputação de Fry se foi gradualmente consolidando devido, sobretudo, à forma como foram conduzidas as workshop do grupo Omega, às quais Fry implementou algo tão simples como o conceito de merchandising, reproduzindo os motivos utilizados nas obras dos grandes mestres das artes plásticas – e sobretudo, o design de novos e promissores artistas – aplicados a artigos provenientes das grandes manufacturas (porcelanas, mobílias, tapeçarias, etc.), o que permitia aos artistas ainda na obscuridade sobreviver com os royalties e, consequentemente, libertá-los para se dedicarem à criação artística. Ou seja, Fry revela-se nesta altura – e em boa parte, graças ao seu passado no seio de uma família quacker – um hábil estratega de gestão de recursos humanos, ao mostrar que é possível alguém dedicar-se às artes mas conservando alguma solidez económica.


Para o capítulo IX, Virgínia Woolf aborda as dificuldades em sobreviver das artes no clima insano de uma guerra mundial, onde todas as estruturas económicas entram em entropia, facto que quase conduz Roger Fry à ruína, mas sempre salientando a sua preocupação com a sobrevivência dos seus artistas, mas que o obriga a acabar com o grupo Omega. 

No penúltimo capítulo, destaca a sua faceta de ensaísta relativamente às artes plásticas ao descrever o processo de escrita e compilação do seu livro Vision &Design composto por artigos seus, coligidos, e até então dispersos por publicações várias.


O último capítulo, “Transformations” ao qual vai buscar o título do último livro de ensaios de Fry, dá conta do sucesso consolidado nos anos do pós-guerra, apesar de atenuado pelos reveses da própria saúde no início da década de trinta, que começa a dar de si. As marcas típicas do discurso de Woolf são ainda mais visíveis neste último capítulo. Talvez pela existência de uma muito provável identificação da melancolia decorrente da perda da saúde em Fry com a aproximação do ciclo depressivo que se seguiria ao acabar deste livro e que terminaria com a vida da escritora. Virginia empenha-se ainda mais em dar a conhecer muito mais do que o amigo, para além de intelectual e artista, um ser humano cuja bondade se escondia por detrás da máscara da figura pública  com que se apresentava como Roger Fry, homem pródigo nos elogios daqueles a quem admirava, discreto nas criticas ou reparos que fazia, sempre evitando humilhar aqueles a quem estes últimos eram dirigidos.


A prosa de Woolf é densa, eloquente, utilizando com mestria os recursos pragmáticos e idiomáticos que caracterizam a língua inglesa no início do século XX, na transição da época vitoriana para o período modernista. O dinamismo da narrativa impõe-se pelo diálogo de vozes que intercala o narrador – a esconder, mediante o uso da forma impessoal contida no pronome “one”, com as vozes dos testemunhos citados, quer directamente, com excertos de cartas, recortes de jornais ou escritos pessoais de Fry ou das pessoas que com ele conviveram e que são incorporados no texto principal estando graficamente demarcados por aspas ou um tipo de letra diferente, quer com testemunhos citados implicitamente no discurso do narrador, recorrendo ao discurso indirecto ou ao discurso indirecto livre.

Esta relação dialógica que se estabelece entre as diferentes vozes que relatam a histórica de Roger Fry, modalizam a narrativa de carácter biográfico, conferindo-lhe musicalidade, permitindo a oscilação do ritmo, deixando transparecer os diversos pontos de vista relativos à figura biografada, para compor um retrato mais completo, mais preciso e, por isso mesmo, mais essencial do homem que ousara romper com o cânone artístico e com todo um estilo de vida imposto pela tradição familiar. Um retrato tão pós-impressionista quanto o próprio Roger Fry, de um artista, não apenas quando jovem, mas em todas as fases da vida.



11.12.2014 -19.01.2015 
Cláudia de Sousa Dias

Thursday, January 01, 2015

Egoísta 52 – Revolucionar


Esta é, ainda, a edição de Abril, que aqui posto por ainda não me ter chegado às mãos a edição deste Natal, a dos Anjos, a quel espero adquirir ainda antes de acabarem as férias.

A capa deste número lembra um grafitti – o conteúdo, no entanto está longe de se assemelhar ao do ensaio fotográfico da outra revista, de ciência sociais, que foi alvo de censura neste ano que agora finda, mas contém uma refrescante e saudável dose de rebeldia.

Através desta edição da Egoísta é-nos dada a conhecer a perspectiva, em cores bastante diversificadas, das várias vozes literárias relativamente à forma como vêm a revolução (a de '74) ou a uma revolução. Há textos sublimes, outros mais prosaicos, há entrevistas que são autênticos documentos históricos, fotografias que se tornam autênticos testemunhos de momentos-chave, imortalizados na fracção de segundos de leva o disparo de um flash, e outras que são a mais pura expressão do livre exercício do movimento, da emoção, do pensar, da palavra.

Comecemos então pela perspectiva que é vertida no editorial de Mário Assis Ferreira, uma reflexão sobre o que mudou ou deixou de mudar na mentalidade colectiva portuguesa nos últimos quarenta anos.

Para João Vilhena a revolução é aquilo que fazem todas as aves – sair da casca. É o que sugere a série de fotografias que apresenta na Revista, intitulada “Egg Series”. Na verdade, algumas voam mal rompem o invólucro onde decorre a sua gestação. Outras nunca chegam a fazê-lo, como a avestruz. No entanto, todas rompem a casca para enfrentarem o mundo “cá fora”.

Eduardo Lourenço é entrevistado por Ana Sousa Dias e fotografado por Alfredo Cunha advoga que “a liberdade é uma luta sem fim”. Uma luta pela qual se paga um preço, em regra muito elevado. Este filósofo, actualmente a residir em França, disserta em Diálogo com Ana Sousa Dias, a forma como é encarada a Liberdade ao longo das várias épocas da História.

Lídia Jorge apresenta um excerto do seu último romance “Os Memoráveis” onde,  a propósito de Liberdade, fala de euforia, memória, esquecimento e desilusão.

Segue-se o texto “Abril” de Ana Sousa Dias a servir de legenda a uma foto-reportagem de Alfredo Cunha. O texto é precedido de um dístico de Paul Nizam, retirado do Livro Aiden-Arabie, à laia de epígrafe, para estabelecer um paralelismo com as Primaveras Árabes, sublinhando a divergência entre ambos os contextos histórico-políticos e sociais. Trata-se de uma crónica de momentos-chave que iriam despoletar profundas transformações no país nas décadas seguintes e cujas consequências se verificaram a nível demográfico, económico e sobretudo social.

Certa noite em Vildands Vägen” é o título de Mário de Carvalho, para este número. Trata-se de uma crónica do dia da Revolução, contada a partir do exílio e dos ecos que vão chegando ao narrador pela rádio, naquele que parecia ser um dia igual a tantos outros, no quotidiano daquela cidade sueca.

O primeiro intervalo visual chega-nos com as imagens de Jorge Colombo e daquilo que lhe parecia ser a vista de uma grande metrópole – Tóquio ou Nova Iorque – a que chama de “Constelações – pintura digital.

A seguir é tempo de poesia com Manuel Alegre e o poema “1940 Dunquerque”, um episódio do tempo de Segunda Guerra Mundial em que se vê envolvido um grupo de jovens portugueses; é o poema da Libertação, de um apelar à renovação de um Abril de outros tempos.

Lídia Jorge volta à liça para presentear os leitores com um texto inédito em prosa que se pode ser como se de poesia se tratasse – é, na verdade, poesia – “Às vezes, pela tarde” para mostrar “como se rasgam os limites”.

A fotógrafa Annie Leibovitz traz um conjunto de fotografias que pressupõem novas formas, revolucionárias, portanto, de olhar o mundo, o espaço, o futuro, a vida, a Arte.

Sobre um fundo rosa-coral ou rosa-flamingo, a irromper em letras brancas, o poema “incipit” de José Manuel Mendes, remete para o discurso de insubordinação de Natália Correia “Não percas a rosa”.

Outro poema em prosa é-nos trazido pela pena de Nuno Júdice, que nos transporta ao período do Império Romano, época em que revoluções se tingiam de sangue, empapando a terra e manchando as casas de vermelho,  do sangue dos que caíam em batalha ou sucumbiam a intrigas palacianas.

O dia em que” é o título do texto de Maria Manuel Viana a falar de “uma mulher banal”, onde a voz da narradora traz o arquétipo oposto ao da “mulher fatal” ou ao da “mulher genial”, mas que sente um inquietante impulso de fazer algo de extraordinário, ou de transgredir, mas que lhe falta sempre a inspiração. Essa mulher sente, por isso, necessidade de criar personae que a superem e por isso estas, tal como acontece no inquietante conto de Andersen “A Sombra”, acabam por tomar conta da sua vida, sobrepondo-se-lhe.

A seguir, novamente um intervalo. Desta vez, de escuridão. “Blackness”, de Pedro Ferreira. Trevas profundas de onde emerge a luz de um olhar, pele ou cabelo, evadindo-se, revolucionariamente, insubordinadamente, a partir do mais negro abismo.


E assim se chega a um dos melhores textos deste número da Egoísta, um excerto de uma obra de Teolinda Gersão, “Paisagem com mulher e mar dentro”, no qual só é dado a perceber o quanto depende uma família extremamente rica dos seus serviçais e do labor da classe trabalhadora. E ao lê-lo, percebemos também o quanto essa consciência mudaria o seu quotidiano e provavelmente todo o sistema social, calibrando o peso de todos os estratos, ao pôr em causa o excesso de poder de qualquer um destes.

Luís Barros aceitou para este número da revista o desafio de escrever sobre um tema que o apaixona e, por isso, ligado à ideia de liberdade: aquela que se liga ao acto de amor que consiste em deixar alguém partir, abdicar da presença do ser amado. Um texto que fala da dor desencadeada por algo que despoleta uma revolução no quotidiano, consequência de uma outra, a de carácter político.

A “Rita” de Valério Romão é a revolução causada por uma vida que se esvai nas mãos de um profissional de saúde e lhe muda radicalmente a forma de olhar a profissão, o trabalho, a família, o amor, a vida. Nada é igual e o quotidiano da personagem, que é também o narrador, é constantemente assombrado pelo fantasma de Rita.

Segue-se mais um intervalo fotográfico, com a expressividade das irreverentes fotografias de Carlos Ramos.

Depois, João Tordo mostra o Eu de um narrador cuja percepção do mundo que o rodeia é alterada de tal forma que as coisas que antes pareciam levar ao caminho da felicidade passam agora a ter um valor relativo. O caminho para lá chegar já não é o mesmo e, se calhar, haverá que alterar a rota, ao tomar a consciência de que perseguir a liberdade pode sempre tornar-se uma prisão e que aquela, quanto mais se busca mais se lhe escapa.

Outro intervalo se segue, desta vez intitulado de “Waves”., da autoria de Nick Selway, um ensaio fotográfico de grande beleza cromática com o azul do mar a representar a Liberdade e a Insubmissão inscritas nas ondas, ora moldando a costa ora reclamando o seu território.

Raquel Serejo Martins conta, em estilo quase telegramático, a vida de um homem que nasceu em 1914, o ano em que estalou a Primeira Guerra Mundial e passa por um atribulado conjunto de peripécias, interligando acontecimentos históricos e pessoais até chegar a 2014. A.D. Mas já sem fôlego para novas revoluções.

Alex Harper apresenta mais um ensaio fotográfico intitulado "Private Act", este a preto e branco, onde se dá lugar à liberdade de expressão dos corpos no esplendor da sua nudez em poses que desafiam as convenções.

A “[R]evolução” de João Adelino Faria contém um trocadilho que opõe a palavra “Revolucionar”, tema da revista, à palavra “Reformar”, sendo que a primeira é consequência de uma evolução e a segunda o sinónimo de estagnação. O Autor caracteriza, através de um pertinente exercício de reflexão, várias gerações que pretenderam, de alguma forma mudar o mundo.

Jumping” é o novo ensaio fotográfico, o último deste número da Egoísta, a mostrar o corpo em movimento, desafiando a lei da gravidade numa atitude de revolucionária insubmissão, da autoria de Stéphane Giner.

O último texto é uma obra-prima de Miguel Mesquita que dá pelo título “A Casa dos Vazios” ou de como diante de uma crise de liderança há sempre aqueles que se valem da esperteza para levar a sua avante face aos que não têm coragem para revolucionar o quotidiano e virar a vida do avesso, escravizando-se pela eternidade.

E assim termina a Egoísta de Abril de 2014, desta vez subordinada a um verbo cada vez mais em desuso e de aplicação cada vez mais rara em países democráticos e habituados à paz.

E como estamos ainda em época festiva devido ao fim-de-ano desejo-vos uma excelente 2015.


Cláudia de Sousa Dias
07.12.2014