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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Friday, December 29, 2006

“O Pêndulo de Foucault” de Umberto Eco (Difel)


Um livro de teor cabalístico, cuja trama é desenvolvida de acordo com a estrutura da Árvore das Sephirots – segundo a tradição judaica, as diferentes formas de manifestação do divino ou os diferentes atributos de YHWH – que se divide em dez partes ou sephirots. A teoria da conspiração, construída a partir da simbologia do Pêndulo, suspenso pelo único ponto imóvel, acima do universo móvel, mutável, é o tema principal da obra.

Keter

A primeira das sephirots é Keter ou Coroa, a forma primordial de manifestação do divino. Ou, se quisermos, aquilo que deu origem ao Big Bang. A Origem. O ponto de referência. Nesta parte do romance assistimos à reflexão sobre a Imobilidade onde se procura a identificação do ponto que sustém o Pêndulo, que personifica o Universo móvel.

As reflexões de Casaubon fazem lembrar Galileu e a teoria sobre a mobilidade/imobilidade da Terra e a respectiva posição no sistema solar. A explicação de Casaubon e as suas interrogações lembram um tratado de Arquimedes. O que quase obriga à comparação da erudição deste autor piemontês com o génio de Leonardo daVinci. Umberto Eco é, no início dos anos oitenta e até aos dias de hoje, o Leonardo da Literatura.

O Pêndulo de Foucault é, praticamente um tratado de filosofia, teologia, ética, história e cosmogonia, dai a complexidade da sua análise.

Logo nos primeiros capítulos, Casaubon aguarda a chagada de um misterioso grupo ligado à Maçonaria e aos, aparentemente, extintos Templários, escondido numa das velhas máquinas do Consérvatoire des Arts et Métiers em Paris, onde terá lugar a Reunião.

Casaubon segue a pista do seu colega e amigo, o editor Jacopo Belbo, perdido na sua própria ficção.

Ambas as personagens são nitidamente facetas do próprio Autor. Poder-se-ia mesmo levantar a hipótese de Casaubon ter algo de Umberto Eco na sua juventude e Belbo O mesmo Umberto Eco, mas na meia-idade, quer pela sua origem piemontesa, quer pela erudição e paixão com que debate o dilema de dar à luz uma obra literária e de ser, ao mesmo tempo, o mago ou mentor da obra alheia.

Hokmah

Hokmah, a segunda sephirot personifica a “sapiência, a sophya, a sabedoria que se expande”. Pode ser a primeira explosão do Big Bang.

Nesta fase, a história é contada em analepse – regressão no tempo – narrando o percurso académico de Casaubon partindo da época dos Maio de 68, no bar Pilade – onde, o então jovem estudante, que deseja elaborar uma tese sobre os Templários, conhece o editor Jacopo Belbo.
E aqui que começa toda a aventura epistemológica que os empurrará para uma pista que desemboca no tema que apaixona muita gente do meio académico: os Templários, a Maçonaria e as Sociedades secretas.
O Pilade é o ponto de encontro onde convergem os intelectuais de várias facções, sobretudo de esquerda.
Belbo é uma personagem muito interessante. Um editor que incarna quase que o papel de um Lúcifer atirado para o abismo, por querer igualar-se à divindade. É alguém que tem acesso à verdade, mas que também baralha intencionalmente os dados de forma a ludibriar os ingénuos e, sobretudo, os presunçosos. É aquele que é atirado para o abismo da solidão face à sua extrema rebeldia e irreverência. Belbo é a personagem que mais se identifica com o Autor na idade madura. É o co-protagonista que tem acesso ao Conhecimento, à sophya, que está em contacto com as sephirots superiores, mas a utilização desse conhecimento é feita em benefício próprio, isto é, confunde os dados para concretizar um plano de Vingança e humilhar os falsos génios.

“Foi só para vós, filhos da doutrina e da sapiência, que escrevemos esta obra. Examinai o livro, embrenhai-vos na intenção que dispersámos e colocámos em vários lugares: o que ocultámos num lugar, manifestámo-lo no outro, para que possa ser compreendido pela vossa inteligência”. Agrippa, Heinrich Cornelius, De occulta philosophia.

Mais uma vez, à semelhança do que fez com O Nome da Rosa, Umberto Eco coloca diante dos nossos olhares um puzzle de erudição, ao mesmo tempo que delega ao leitor a missão de decifrá-lo, sabendo de antemão que este não o poderá fazer sem a sua ajuda
Esta é a uma das partes fundamentais do romance, o seu alicerce. Se o Princípio, a Ideia, está em Keter, o único ponto estável do universo ou a origem, o acesso ao tema propriamente dito está em Hokmah, a ramificação dos vários caminhos ou hipóteses.

Binah

Binah, a sephirot que se segue é a da Divulgação, onde são dadas as coordenadas do desenvolvimento das hipóteses ou caminhos presentes em Hokmah.

É Casaubon que, por contactar de perto com Belbo, acaba por conhecer suficientemente bem as suas motivações e processos mentais de forma a poder decifrar o acesso a Abulafia – o primitivo computador do início dos anos oitenta do século XX – que só consegue por obra do acaso pura e simples!

Casaubon é uma personagem que poderia ser o próprio Autor na juventude, um discípulo de Belbo. Ou o seu cérebro complementar, pois o editor, ao fazer arrogantemente a distinção entre cretinos, imbecis, estúpidos, e doidos (dos quais só as duas últimas categorias é que aparecem nas editoras a quererem publicar livros de qualidade execrável), só ele próprio e Casaubon é que não se encaixam nesses rótulos.

“O estúpido pode dizer uma coisa certa, mas pelas razões erradas. O estúpido é insidiosíssimo, o imbecil reconhece-se logo. O estúpido raciocina quase como nós, salvo uma diferença infinitésima. É um mestre dos paralogismos (falsa lógica ou lógica distorcida). Publicam-se muitos livros de estúpidos porque nos convencem logo à primeira. O redactor editorial não é obrigado a reconhecer o estúpido. Não o faz a Academia das Ciências, porque haviam de fazê-lo as editoras?” (…) “E Deus diverte-se como louco.”.

A frase que se segue define Belbo na perfeição: “ O génio é o que faz jogar uma componente de modo vertiginoso, alimentando-a com as outras”.

Casaubon e outro colega na editora, Diotalevi, intuem, no entanto, a natureza melancólica de Belbo debaixo do sarcasmo tipicamente piemontês.
Belbo não se limita a editar livros. Ajuda com pequenos retoques a melhorar, a aprimorar as obras dos autores com maior potencial “…dou pequenos retoques no barro, onde já alguém esculpiu a estátua”

Mas a grande obra de Belbo irá consistir num aglomerado de factos históricos recolhidos e religados por conexões espúrias. É aqui que germina o grande romance da História, dos Templários, Alquimistas e Sociedades Secretas e… a procura da Pedra Filosofal. De facto, o Autor antecipou-se em 25 anos a Dan Brown e à temática presente em Anjos e Demónios e O Código daVinci. Se bem que Umberto Eco, ao construir ficção, tem o cuidado de separar aquilo que é facto histórico e aquilo que é especulação.

Para a personagem Belbo, tudo pode ligar com tudo, e tudo é conectável porque existe um ponto fixo no Universo: o ponto que sustém o Pêndulo. E, em termos culturais existem figuram arquetípicas que unificam as principais motivações e cognições humanas possibilitando o sincretismo, religioso e cultural entre as, aparentemente, mais distantes culturas do planeta. Mas a tentativa de encontrar a origem de cada um dos elementos culturais e religiosos leva-o a um beco sem saída porque quanto mais tenta separar o elementos culturais mais estes parecem ligar-se entre si, fazendo-o quase esquecer-se que está a criar ficção e a alterar deliberadamente a disposição os dados.

Hesed

Em Hesed – “A sephirot da graça e do amor, o fogo branco, o vento Sul”, Eco começa por fazer referência à analogia de contrários onde a Alegoria como mãe de todos os dogmas, é a substituição da realidade pelas sombras; “a mentira da verdade ou a verdade da mentira” numa citação de Eliphas Levi em Dogme de la Haute Magie.

Nesta fase do desenvolvimento do romance, Casaubon faz um interlúdio na sua vida profissional e pessoal, em terras de Vera Cruz fugindo do pesadelo da Europa, a envolver templários, nazis, um assassínio juntamente com o misterioso desaparecimento do corpo, para dar aulas na Universidade, viver a embriaguez de um amor exótico e contactar com a cultura afro-brasileira, com todo o seu sincretismo, magia e irresistível envolvência.
O período vivido no Brasil é vivido como um sonho, onde os rituais de umbanda, a posse pelo espírito de pomba-gira ao som dos agôgôs baianos dão um toque de surrealismo a um romance onde o real e irreal facilmente se misturam.

É no Brasil que Casaubon conhece Aglié, uma personagem sinistra que se julga a reencarnação de Cagliostro e que o faz regressar aos obscuros mistérios da Velha Europa...

Mas Hesed é também o momento de expansão da substância divina que se difunde para a infinita periferia...”
Eco justifica esta definição com uma frase de Aglié que está na base da dinâmica que permite o desenvolvimento do romance: “A raça, ou a cultura, (...) constituem uma parte do nosso inconsciente. E a outra parte está habitada por figuras arquetípicas, iguais para todos os homens e por todos os séculos”.

Esta é a razão pela qual os criadores do Plano, que será a grande obra de Belbo, conseguem encontrar analogias em quase tudo, mas onde as conexões não têm qualquer base real.

Geburah

Passamos então para Geburah a sephirot do Terror, o juízo implacável onde o mal se mostra, revela e exibe. Trata-se da sephirot do mal e do medo. Geburah é a luz do Juízo Severo, a face implacável de Yhwh.

De regresso a Itália, Casaubon não reconhece o mesmo país, dez anos depois. As referências culturais e políticas mudaram, porque mudaram, também, os sinais exteriores que revelavam uma determinada forma de pensar.

Casaubon torna-se um detective cultural, isto é um pesquisador exímio de informações de carácter erudito. Um área onde se movimenta como um peixe na água: a investigação histórica /epistemológica que o faz tornar-se uma espécie de bufo (mocho) do saber.

A raiz do mal, em Geburah, nasce no escritório de Casaubon, em conversa com Belbo: “não há informações melhores que outras, o poder está em registá-las todas e depois procurar conexões. E as conexões existem sempre, basta querer encontrá-las”.

Em Geburah, penetramos no mundo tortuoso das meias verdades, de segredos insinuados, da Maçonaria e das Sociedades Secretas, cuja ubiquidade lança os protagonistas no vórtice da mais intrincada teoria da conspiração de sempre.

É, também, nesta fase do romance que o autor manifesta, através das reflexões de Belbo, ciosamente guardadas nos files de Abulafia, o seu profundo desprezo pelas editoras que sobrevivem à custa dos APC – Autores à Própria Custa – e, principalmente, pelos autores que a elas recorrem. Autores cuja presunção, no seu entender, os impede de reconhecerem a sua própria mediocridade.
Não deixa, contudo de fazer notar que as editoras que vivem do dinheiro dos leitores cometem, também, os seus pecadilhos, por exemplo, a cedência a uma certa pressão do Ministério da Cultura para que determinada obra seja publicada ou as concessões que se fazem tendo em conta as exigências do mercado.

Belbo, o grande génio incompreendido, coloca-se a si mesmo no papel de um deus que castiga “os velhos génios, justamente incompreendidos” – que encaminha para a Manuzio, editora que sobrevive de APC .O Plano surge como a vingança do deus ciumento, face àqueles que considera como os maníacos da teoria da conspiração envolvendo não só os Templários, mas também sociedades secretas, seitas gnósticas, satânicas e afins. Temas que fascinam o misterioso Aglié, que se diverte a roubar a atenção da amada de Belbo, Lorenza Pellegrini. É claro que a cólera do ciumento Deus da Cultura só poderia ser despoletada pela sua incapacidade de dividir o amor ou o sorriso de uma mulher que se comporta como uma hetaira e que facilmente pode iniciar uma guerra, à semelhança de Helena de Tróia…e é, simultaneamente, uma Eva que não consegue evitar deixar-se seduzir pelo encanto de uma serpente. Mas Belbo é a própria face do deus vingativo, que não permite a adoração de outro ídolo…então nasce o Plano. Kaballah, Temurah, Talmud são os ingredientes que fomentam o instrumento da vingança, usado para atrair os maníacos da perseguição e os fanáticos por tudo o que tiver um vago odor a secretismo. O Plano é concebido para esotéricos, satanistas, alquimistas, místicos, maçons, criando uma complicadíssima trama apanhar na mesma rede todos os cultos semi-secretos existentes e até os não existentes!

“Eu digo que existe uma sociedade secreta com ramificações em todo o mundo, que conspira para defender o boato de que existe uma conspiração universal”. E com este dito de Casaubon, em conversa com Belbo, Umberto Eco atira Dan Brown para o abismo, vinte e cinco anos antes de o escritor anglo-saxónico escrever Anjos e Demónios e O Código daVinci.

Em relação às personagens femininas que intervêm no romance, temos três figuras principais: Amparo e Lia, ambas com quem Casaubon tem um relacionamento afectivo, em diferentes fases da vida. Trata-se de mulheres elevado nível cultural e erudição. São elas que, em diferentes momentos da trama, colocam Casaubon em contacto com a realidade.

E Casaubon é o único dos autores do Plano que não sucumbe ao próprio feitiço, conservando a lucidez, apesar de destituído da paz interior.

Lia é a consciência de Casaubon, o fio de Ariadne que o orienta no meio do emaranhado labirinto ideológico no qual está envolvido.

Já Lorenza Pellegrini é o oposto da Lia e Amparo. É a personificação da beleza, da sedução e da atracção erótica. A sua única habilidade é a de encantar com o sorriso e de enlouquecer com o corpo, ou melhor dizendo, com a sua exuberante expressão corporal.

Lorenza consegue tentar Casaubon, que se deixa fascinar sem, no entanto, sucumbir ao seu encanto. Já Belbo enlouquece por completo, sob o seu domínio.
Como o desejo de Belbo não permanece dentro dos seus limites, passando à mais pura obsessão, este manifesta-se sob a forma de Geburah, a severidade, de aparência obscura, vendo-se rodeado por um universo de demónios reais e imaginários.

Casaubon consegue manter o auto domínio quando ainda com Amparo, se mantém fora do misticismo do umbanda, também com a ajuda do agôgô e, depois, com Lia que o ajuda a não envolver-se no Plano e a conservar a sanidade mental.

Tifferet

Em Tifferet, “a sephirot da Beleza e da Harmonia, a especulação iluminante, a árvore da vida, o prazer, as luzes e a purpurina. O acordo da regra com a liberdade”. O ano Tifferet foi aquele em que os autores do Plano se entregam ao prazer da “subversão jocosa do grande texto do Universo”. O ano em que inventam e desenvolvem o Plano e a época em que a prosperidade nos negócios e a felicidade pessoal para Casaubon mais se faz sentir.
Nesta fase, Casaubon está cego pelo esplendor do seu próprio saber, movendo-se entre os grupos mais sinistros com a desenvoltura do psiquiatra que se afeiçoa aos seus pacientes.

Belbo, por sua vez, decide para além do motivo que já foi referido, conceber o Plano porque, na sua mente, a incapacidade de captar o momento certo para fazer uma opção ideológica, dentro do estreito limite daquilo que é considerado o Bem e o Mal, mantém-no no limbo, acima dos dois aspectos opostos que caracterizam esta dualidade, de acordo com o papel de divindade que atribui a si próprio.

Belbo serve-se assim, da Temurah no que toca à recombinação de factos históricos, dá-lhes uma disposição diferente, unindo-os com ligações fictícias com o objectivo de mudar a face à História.

Mas Eco é, ao contrário do que faz Dan Brown, vinte anos depois, extremamente cuidadoso no que respeita a separar o que é facto histórico daquilo que é especulação citando Baighent e Leigh autores de The Holy Blood and the holy Grail que está na base do argumento de O Código daVinci, procedimento que Dan Brown se esquece de efectuar valendo-lhe um processo em tribunal por parte dos dois autores.

É também nesta parte do desenvolvimento do romance que Eco faz a referência aos Templários em Portugal eao Cstelo de Tomar na restante que em determinada altura do romance também está envolvido no Plano…

Para Belbo, o Plano tem de envolver tudo “Ou é global ou não explica nada”. Por isso, ao deambular pelas diferentes ramificações da Maçonaria e dos Rosa-Cruzes encontram um denominador comum: o objectivo de todos é o domínio absoluto dos fenómenos naturais usando, quer as ciências naturais, quer a alquimia, quer as ciências ocultas, na luta pelo Poder Supremo, igual ao dos magos das histórias de bruxas e fadas. Daqui nascem as crenças mais bizarras. E daqui pode até entender-se o perigo de uma obra simbólica como A Flauta Mágica de Mozart, cheia de referências codificadas à Maçonaria, que faz com que ou os seus membros ou os jesuítas de Loyola queiram desembaraçar-se dele.

Desta tentativa de unir todo o tipo de crenças e teorias sob uma base comum, nasce a identificação por parte dos autores do Plano da Doutrina dos rosa-cruzes com a dos judeus cabalistas, dos antigos gnósticos e dos maniqueus.

Conseguem inclusive estabelecer a ligação do Templários com os Assassinos da Fortaleza de Alamut, com os quais estão umas vezes em conflito e outras em surpreendente aliança.

Os Hashhashin de Alamut (a que Dan Bron também faz referência em Anjos e Demónios) dão origem à shi’a, a ala herética do Islão ou xiitas que vêem a continuidade da Revelação não no profeta Maomé mas no próprio Imã (senhor, chefe, realidade teofânica, Rei do Mundo). Esta mesma ala herética do islamismo foi infiltrada, na Europa e na bacia Mediterrânica por doutrinas esotéricas como a dos maniqueus, gnósticos, neoplatónicos e dos místicos irânicos. Eco fornece-nos a explicação histórica para a situação actual no médio oriente – na época, em que escreveu a obra, estava ainda muito recente o golpe de estado que derrubou o Shah da Pérsia, Reza Pahlevi, após o qual, o Governo de Teerão passou a estar a cargo do líder xiita Ayatollah Khomeini.

Eco explica que um dos ramos do xiismo,mais propriamente os ismaelitas que originaram os Fatimitas do Cairo e que depois se afirmam como o ismaelitas reformados da Pérsia por ordem de Hasan Sabbah em Alamut – o ninho do Falcão, onde o Imã se rodeia dos seus acólitos, fiéis até à morte, que usa para efectuar os seus assassínios políticos.

Ficaram conhecidos como os Assassinos, raça de monges guerreiros, prontos a morrerem pela fé, formando uma espécie de cavalaria espiritual que contactam com os Templários. Contacto esse de que Filipe o Belo s serve para condenar os Cavaleiros como heréticos, adoradores de Baphomet, adulteração fonética de Maomé).

Os ismaelitas, ao longo dos últimos seis séculos, sobrevivem em todo o Oriente, mesmo depois de Alamut ter cedido sob pressão mongol. Fundiram-se com o sufismo não xiita que originou a terrível seita dos drusos. Belbo e Casaubon chegam a explicar o Holocausto como um engano de Hitler ao confundir Israel com Ismael, tal como os Ocidentais católicos que, em plena época dos Descobrimentos e ao longo do Renascimento, ao perseguirem os judeus cabalistas que iniciam a tradição da Kaballah para enganarem aqueles que se julgam senhores do Mundo!

No entanto, neste momento de Tifferet, a vaidade suprema dos autores do Plano sobre os ignorantes, os crédulos e maníacos da perseguição, leva-os à soberba e, no caso de Belbo, hybris: “ não te possuí (à fatalmente bela Lorenza Pellegrini), mas posso fazer explodir a História”.

O que determinará o final do romance…

Nizah

“Na sephirot da Resistência e da Paciência dos que são submetidos a uma prova”, dá-se o verdadeiro volte-face do romance, isto é, o inverter da roda da Fortuna no entender dos antigos Romanos.

A ambiguidade desta sephirot, que também pode ser a sephirot da Vitória, do vencer dos obstáculos, coincide também com os caprichos da deusa Fortuna, a mais poderosa divindade Romana, apesar de caprichosa, na sua dualidade. A vitória, aqui, também dependerá da perspectiva, do prisma de valores éticos por onde se observa a (i)realidade…

Através dos ficheiros de Abulafia, que são como um diário onde Belbo guarda as suas reflexões mais íntimas, Casaubon fica a saber dos últimos movimentos do seu colega antes do seu desaparecimento.

É ao seguir a sua pista que o “detective da cultura” chega ao Conservatoire des Arts et des Métiers em Paris onde, enquanto aguarda escondido numa das gigantescas peças do museu, recorda as peripécias que constituem a acção, enquanto aguarda a chegada dos membros das sociedades secretas que aí se reunirão depois do fecho do museu e, entre os quais, espera encontrar o irreverente editor.

Casaubon apercebe-se que os autores do Plano, excluindo Diotalevi, por se encontrar extremamente debilitado pela doença, passarão a ser perseguidos e pressionados para revelarem o segredo inexistente sobre os Templários…

Os Autores do Plano constroem o Golem (monstro antropomórfico semelhante ao Leviathan ou ao Frankenstein), que depois não conseguem controlar…

Hod

A seguir vem Hod, a sephirot do esplendor, da majestade e da Glória que governa a magia, o cerimonial e ritual, o momento em que se descerra a eternidade.

Hod manifesta-se no impressionante cerimonial dos participantes na referida reunião, uma mistura de um ritual céltico ou druídico que faz, simultaneamente lembrar os mistérios de Elêusis. Lorenza e Belbo são obrigados a participar na cerimónia, durante a qual o editor é pressionado a revelar o pseudo-segredo. Para Casaubon, que assiste à cerimónia sem visto pelos participantes, tudo se passa como num sonho sem distinguir propriamente o que é de facto real e o que é imaginação, excitada pelos poderosos alucinogéneos inalados.

Se Hod é a sephirot da Glória, Belbo obtém-na no derradeiro momento da cerimónia. Ele, como criador do Plano, situa-se então acima dos comuns mortais, ao fazer finalmente a opção ideológica e afirmar as suas convicções.

Após a cerimónia dá-se também uma alteração se na personalidade de Casaubon. Torna-se paranóico. Começa a ver perseguidores em cada esquina. É tomado por um medo incomensurável que o descubram para obrigá-lo a confessar o segredo que não existe pelo que “A única maneira de embaraçar o Diabo é fazer-lhe crer que não acreditas nele”.

Jesod

A nona sephirot é a do Fundamento, “o sinal da aliança, o arco que se estica para atirar a seta a Malkut. Jesod é a gota que jorrada seta para produzira árvore do fruto. É a força vital procriadora”.

O veneno da lucidez contamina Casaubon. Este é o único que está consciente de que o Plano não passa de um equívoco, de que foi a interpretação errónea de um texto ambíguo, onde faltam elementos essenciais assim como as ligação entre as frases, é que despoletou a situação em que se encontram os autores do Plano. E o Plano é construído com base em analogias não fundamentadas, com uma interpretação que é dada como correcta porque aparentemente todas as peças se encaixam. Lia, a esposa de Casaubon, é a âncora que o liga à Terra.

Ou seja, os autores do Plano não criam nada de novo, a não ser esta disposição dos elementos. Pura teoria da Gestalt. As formas são percepcionadas antes dos elementos mesmo que não estejamos na posse de todos os elementos que compõem a Forma. Se alteramos a disposição das peças e as de ligações a forma muda também. É assim que surgem as constelações. É assim que surge um novo paradigma que serve de base à sustentação de uma nova ideia – quando um novo elemento, antes imperceptível, não se encaixa na forma primitiva da constelação, é percepcionada uma nova forma, obrigando à uma hipótese mais abrangente, até que seja comprovada para formar a nova teoria Wertheimer, Platão, Karl Popper, Thomas Künh...Nenhum deles é mencionado na obra mas a sua estrutura conceptual está na base dos processos mentais de Belbo.

Lia, a Ariadne de Casaubon fá-lo chegar a uma conclusão, ao permitir-lhe a tomada de consciência do verdadeiro Fundamento – Jesod – do Plano. E ele, tal como um Teseu do século XX ,terá de abandoná-la para protegê-la dos maníacos do Segredo. Dos lobos famintos de Poder.
Casaubon é quem doravante terá de viver na sombra. Como Lúcifer. Porque sabe demais. E porque não soube utilizar o seu saber de forma positiva. Pelo contrário, ajudou Belbo a utilizar a Sabedoria para enganar.

A maior ironia presente no romance reside na palavra “não”. Não, como sinónimo de negação para afirmar categoricamente as nossas convicções. Não, como admissão da nossa própria ignorância, a humildade socrática, da limitação de que, de facto, não sabemos tudo.

Esta é a principal intenção de O Pêndulo de Foucault – o símbolo do Pêndulo implica imprevisibilidade, pelo facto de ser praticamente impossível prever a sua rota de oscilação.

A função de Casaubon em Jesod é a de recolocar as coisas nos seus devidos lugares e reparar o erro do demiurgo Jacopo Belbo, o tocador de clarim que provoca terramotos, à semelhança de Josué junto às muralhas de Jericó.

Malkut

A última da sephirots, é o Reino da Terra. Ou “a verdade onde a Sabedoria aparece despojada, mostrando que o seu mistério reside no não ser, senão por um momento, o último”.

No seu exílio solitário Casaubon, é agora detentor da consciência absoluta do segredo supremo da Sabedoria, cuja posse não lhe traz nenhum consolo. É incapaz de poder partilhar o que sabe.

Por que saber não basta. O Saber é inútil se não for partilhado. E a partilha torna-se impossível se, tal como acontecia com Cassandra de Tróia, aquele que a possui não tem credibilidade.

O Pêndulo de Foucault é o livro mais hermético de sempre. Fascinante para os amantes do saber, O Pêndulo de Foucault possui tantas chaves, encerra tantos palácios dentro de si, que mil páginas não chegam para o analisar exaustivamente. Cada capítulo pode ser o prólogo para uma tese. E, por isso, este texto, está muito aquém daquilo que pode ser explorado, numa obra que nada tem de fácil ou digestivo. Porque quem lê O Pêndulo de Foucault como quem come uma refeição “de plástico”, na praia ou no meio do ruído infernal do autocarro, dificilmente conseguirá reter seja o que for da mensagem que o Autor pretende transmitir. Aconselha-se a leitura de lápis em punho e bloco-notas para fazer uma ficha de leitura de cada capítulo.

Só assim, uma obra como esta, se revela com o esplendor azul das suas dez safiras.

Cláudia de Sousa Dias

Saturday, December 02, 2006

“Goa ou o Guardião da Aurora” de Richard Zimler (Gótica)


O quarto romance deste escritor americano de raízes judaicas o terceiro publicado em língua portuguesa - que adoptou a terra de Camões como país de eleição para viver no início dos anos noventa versa, mais uma vez, sobre a família Zarco, já conhecida de O Último Cabalista de Lisboa. Em Goa ou o Guardião da Aurora, é explorada a história de outro ramo da mesma família, algumas décadas mais tarde.

Estamos nos finais do século XVI, na Índia, onde o pai de Tiago Zarco guarda o manuscrito, legado pelo falecido patriarca Abraham Zarco, detentor dos segredos da Kaballah.

O romance começa com uma regressão no tempo contada a partir das memórias de Tiago, já adulto, enquanto aguarda julgamento no cárcere. O jovem começa por recordar a infância – uma técnica que já é familiar em Richard Zimler: o recorrer à memória recuada das primeiras lembranças, isto é, aquelas que deixam marcas mais profundas. Principalmente as que estão ligadas aos livros, como no texto introdutório de Meia-Noite ou o Princípio do Mundo, outro romance do Autor no qual o jovem protagonista se deixa seduzir por uma velha carta de amor escondida dentro de um livro.

A infância de Tiago e Sofia Zarco passa-se em Bijapur, cidade próxima de Goa. Os dois irmãos são crianças sobredotadas que, já desde tenra idade, se dedicam à arte da iluminura trabalhando em manuscritos, juntamente com o pai.

Tiago executa desenhos que deslumbram, quer pela forma quer pelas cores de uma beleza impossível de descrever. Por outro lado, o apreço de Sofia pelo detalhe, pela minúcia e pelo segredo, característica que marcará a personagem ao longo de todo o romance, fazem-na optar pela arte do microdesenho ou da micrografia, possibilitando-lhe escrever mensagens secretas nos livros.

Esta primeira parte das suas vidas decorre calmamente, numa cidade onde ainda não chegou o braço da Inquisição. A única sombra na vida dos dois jovens reside na morte da mãe, que se reflecte em atitudes incoerentes por parte do pai, ao deixar entrever um desespero interior que mascara com um talento inato para o mimo e a comédia.

A coesão entre os três membros desta família é, nesta fase, praticamente indissolúvel.

Existe, por outro lado, uma relação de desconfiança, uma espécie de amor-ódio, sobretudo por parte de Tiago em relação ao primo Wadi, de ascendência árabe, adoptado pela tia – uma adepta fervorosíssima da fé católica –, que olha com um certo desprezo o lado judaico da família.

As coisas complicam-se com a entrada dos jovens na adolescência e o aparecimento de novas personagens. Wadi e a jovem indiana Tejal – a frequentar um colégio de freiras e a única criança na aldeia a receber instrução –, começam a fazer parte do círculo fechado que é a família nuclear Zarco, factor que gera alguns conflitos .

A personalidade de Wadi, vulcânica, conflituosa e ciumenta, assim como a doçura de Tejal causam uma forte perturbação nas relações entre os membros da família. O pai teme sobretudo a influência da cunhada, Maria, esposa do irmão e mãe adoptiva de Wadi; Tiago receia a capacidade de dissimulação do primo e a violência implícita nas suas atitudes; Sofia sofre com o medo imaginário de não ser apreciada, sendo susceptível a uma melhor aceitação de Tejal por parte do pai do que em relação a Wadi. Sofia é detentora de uma personalidade extremamente frágil, de uma imaginação febril que a leva, muitas vezes, a tecer raciocínios deturpados e a construir um mundo próprio no qual se refugia e a que mais ninguém tem acesso.

A mudança de cena para Goa, com o casamento dos dois primos - Sofia e Wadi - contribui para o desenvolvimento da intriga a qual atrairá a fatalidade e o infortúnio para a família Zarco. Em Goa, torna-se mais difícil escapar às garras da Inquisição, que se serve da delação sem fundamento como prova...

Numa terceira fase, após consumada parte da tragédia, Tiago Zarco passa a relatar, num discurso de grande realismo, a experiência vivida no cárcere – o desterro a caminho de Lisboa, onde o esperam anos de trabalhos forçados. Motivo: dissidência religiosa.

Apesar das vicissitudes, Tiago faz alguns amigos e estabelece excelentes contactos, conquistando aliados.

Mas é precisamente neste período que a personalidade do protagonista começa a sofrer alterações. Um pormenor que dota este romance de uma convincente nota de realismo. Tiago passa a ocultar dentro de si algo de obscuro. Secreto. Desenvolve a capacidade de dissimular. Todas as suas atitudes começam a ter subjacentes uma intenção oculta. Descobre o poder de jogar com as vidas alheias, como se estas se tratassem de peças de xadrez. É neste ponto do romance que Zimler dá o verdadeiro golpe de génio, ao inverter radicalmente o desenvolvimento da trama.

Com o regresso à Índia, começam a ser reveladas, pouco a pouco, as linhas do plano de Tiago Zarco. Em Goa, Tiago depara-se com a possibilidade de escolher ou de alterar o seu próprio destino. A opção que faz determina o destino de todas as restantes personagens.

O Autor, para construir o discurso de um prisioneiro da Inquisição em Goa ou o Guardião da Aurora baseou-se em documentos antigos onde constam apontamentos de pessoas que, na época referida, passaram à forma escrita as suas experiências.

Já a trama em si, é nitidamente inspirada em Othello de Shakespeare onde as personagens de Ana/Sofia fazem de Desdémona, onde há um Mouro de carácter sanguíneo que comete um crime passional e, contrariamente a tudo aquilo que se poderia esperar, o grande vilão é mesmo o Judeu.

A revelação final torna-se a punição que o Autor atribui ao arquitecto da Vingança, ao qual lhe é negada a felicidade, em cujo lugar se instala, finalmente, a Culpa.

Os indícios da presença de um "gene Maléfico", ainda por desenvolver, ou de uma propensão para executar uma vingança sem limites está patente na atribuição da alcunha de "Trevas Azuis" ao grande vilão do romance. Uma alcunha que é inspirada no olhar da personagem, em cuja cor celeste espreita algo de misterioso e obscuro. Luciferino. O temperamento explosivo, calculista e felino desta criatura está implícito na alcunha atribuída pelo rival – Tigre.

Tudo isto, porque o jovem não se conforma com o papel, conferido pelo pai, de Guardião da Aurora – inspirado numa lenda indiana que fala de um guardião que, nas trevas na noite, zela para que a Aurora continue a chegar ao horizonte, impedindo a humanidade de perecer nas trevas. O objectivo deste guardião é impedir o extermínio de todos os judeus do território português e o perecer do conhecimento, saber e cultura judaicos nos autos-de-fé em praça pública. A Aurora personifica a luz que expulsa as trevas, numa manifestação da força de YHWH. É a génese do iluminismo.

Contudo, nem sempre os fins justificam os meios...

Um livro que surpreende pela pertinência da crítica face à intolerância em todas as manifestações de fé e às posições ideológicas extremistas, escondida nas entrelinhas e patente no impressionante final com que nos presenteia Richard Zimler.

Zimler é particularmente brilhante, na forma como constrói a estrutura mental de todas as personagens e estratifica as respectivas motivações ao descrever todas as nuances emocionais, uma característica que torna a sua escrita particularmente rica.


Um excelente presente para este Natal.


Cláudia de Sousa Dias.