“Notícia de um Sequestro” de Gabriel García Márquez (Dom Quixote)
A prosa objectiva de García Márquez cuja raiz ascende ao passado jornalístico deste Autor galardoado com o Prémio Nobel em 1982 é, desta vez, solicitada pela mediática jornalista colombiana Maruja Pachón, e seu marido, Alberto Villamizar, para adaptar o talento de Gabo como cronista ao relato da odisseia de dez pessoas que foram vítimas de sequestro. O plano foi meticulosamente construído pelo líder do cartel de Medellín: Pablo Escobar – um dos principais barões da droga daquele país.
O objectivo do poderoso traficante era impedir a extradição dos seus colaboradores para os Estados Unidos e, simultaneamente, colocar-se sob a protecção estatal , numa prisão de alta segurança, para se prevenir contra as possíveis represálias perpetradas por cartéis rivais.
Notícia de um Sequestro pretende ser a um relato fiel das horas de angústia dos sequestrados e dos esforços, nalguns casos desesperados e noutros mais conformistas, dos familiares, no sentido de libertar as vítimas.
Uma missão cuja eficácia só foi conseguida a oitenta por cento, em virtude do assassínio de Marina Montoya – à laia de retaliação pela morte de dois homens de confiança de Escobar – e de Diana Turbay, a Filha do ex-presidente Turbay, morta durante uma operação de resgate, destinada a prender o traficante, sendo a jovem atingida por uma bala perdida, durante o fogo cruzado.
Todos os sequestrados estavam directa ou indirectamente ligados aos meios de comunicação social, quer pela via profissional quer parental, ou com figuras da política de grande destaque.
Os reféns eram pessoas relativamente conhecidas dos media cujo sequestro foi detalhadamente planeado de forma a causar grande impacto na opinião pública.
Face a estas circunstâncias, os familiares das vítimas que trabalhavam em programas de televisão emitiam programas, sessões ou rubricas especiais no sentido de confortarem os prisioneiros fazendo-lhes chegar mensagens de apoio semi-codificadas.
O que sobressai no relato de García Márquez é que, a par da neutralidade que sai da pena do escritor e se mantém ao longo de toda a narrativa sem cair na tentação de emitir juízos de valor – onde Escobar aparece como uma personagem de Mario Puzzo –, é a pusilanimidade do Presidente César Gavíria, a ineficácia dos serviços secretos colombianos face à generalização do crime organizado. Os tentáculos das organizações criminosas ramificam-se abrangendo a maior parte da população de Medellín, onde grassa a escassez de emprego e se torna cada vez mais difícil de resistir à tentação de se colocar sob a protecção de uma rede de organização criminosa.
Em relação aos sequestrados, García Márquez consegue transmitir ao leitor – se bem que de forma um pouco atenuada por se tratar de um relato em segunda mão – a angústia resultante do nível de pressão psicológica a que são submetidos e que, mais do que a violência física, acaba por abalar a sua estabilidade emocional. Um terrorismo psicológico exercido com requinte e preciosismo a raiar o sadismo, manifesto em restrições impossíveis como, por exemplo a limitação do acesso à casa de banho, aos cuidados de higiene, privacidade e comunicação entre os reféns e mesmo a simples movimentação de braços e pernas.
Em relação à personalidade dos sequestradores, esta é variável, consoante o grupo de sequestrados que tinham a seu cargo.
O grupo que sofreu mais medidas de coacção foi precisamente, o de Maruja Pachón, onde também se encontrava Marina Montoya, sobretudo na primeira fase do sequestro e na altura do assassínio de Marina, altura em que mudaram os elementos que os vigiavam.
O medo e a tensão psicológica eram também uma constante entre os sequestradores, sempre em permanente estado de alerta com o receio paranóico e quase que esquizofrénico de serem descobertos. Nota-se uma relação de personalidade directa entre o terror pânico de a operação ser desmantelada e os maus tratos aos sequestrados.
Por outro lado a tensão atenua-se quando os primeiros sequestradores são substituídos, após o assassínio de Marina, chegando a estabelecer-se uma relação de quase amizade com as vítimas.
Entre estas, o pânico é ampliado sempre que é anunciada a libertação de um dos reféns, pelo facto de estes não terem forma de saber se se trata efectivamente de uma libertação ou da saída para o corredor da morte. Uma verdadeira roleta russa.
A dificuldade em resgatar as vítimas é ampliada pela constante mudança de residência das mesmas, distribuídas por vários locais, com o objectivo não só de confundir as autoridades, mas também de dificultar a detecção das vítimas e a organização de esforços concertados e simultâneos para a sua libertação.
Quanto aos familiares das vítimas, as atitudes variam praticamente de um extremo ao outro: desde a quase inércia do ex-presidente Turbay, que coloca o estado, o dever e a reputação do mecanismo legal que representa a Justiça, em primeiro lugar, relegando a segurança da filha para segundo plano; e Alberto Villamizar, marido de Maruja, que desenvolve todo um processo de negociação e mediação entre as autoridades estatais e os próprios traficantes, ou Doña Nydia, mãe de Diana, que chega a humilhar-se perante a família dos traficantes.
Um livro onde humanidade e desumanidade se misturam, onde o bem e o mal andam de mãos dadas para que o ideal de Justiça não seja mutilado, salvo algumas escoriações.
Uma vitória com gosto amargo pela perda de duas vidas inocentes.
De um realismo arrepiante.
Cláudia de Sousa Dias
O objectivo do poderoso traficante era impedir a extradição dos seus colaboradores para os Estados Unidos e, simultaneamente, colocar-se sob a protecção estatal , numa prisão de alta segurança, para se prevenir contra as possíveis represálias perpetradas por cartéis rivais.
Notícia de um Sequestro pretende ser a um relato fiel das horas de angústia dos sequestrados e dos esforços, nalguns casos desesperados e noutros mais conformistas, dos familiares, no sentido de libertar as vítimas.
Uma missão cuja eficácia só foi conseguida a oitenta por cento, em virtude do assassínio de Marina Montoya – à laia de retaliação pela morte de dois homens de confiança de Escobar – e de Diana Turbay, a Filha do ex-presidente Turbay, morta durante uma operação de resgate, destinada a prender o traficante, sendo a jovem atingida por uma bala perdida, durante o fogo cruzado.
Todos os sequestrados estavam directa ou indirectamente ligados aos meios de comunicação social, quer pela via profissional quer parental, ou com figuras da política de grande destaque.
Os reféns eram pessoas relativamente conhecidas dos media cujo sequestro foi detalhadamente planeado de forma a causar grande impacto na opinião pública.
Face a estas circunstâncias, os familiares das vítimas que trabalhavam em programas de televisão emitiam programas, sessões ou rubricas especiais no sentido de confortarem os prisioneiros fazendo-lhes chegar mensagens de apoio semi-codificadas.
O que sobressai no relato de García Márquez é que, a par da neutralidade que sai da pena do escritor e se mantém ao longo de toda a narrativa sem cair na tentação de emitir juízos de valor – onde Escobar aparece como uma personagem de Mario Puzzo –, é a pusilanimidade do Presidente César Gavíria, a ineficácia dos serviços secretos colombianos face à generalização do crime organizado. Os tentáculos das organizações criminosas ramificam-se abrangendo a maior parte da população de Medellín, onde grassa a escassez de emprego e se torna cada vez mais difícil de resistir à tentação de se colocar sob a protecção de uma rede de organização criminosa.
Em relação aos sequestrados, García Márquez consegue transmitir ao leitor – se bem que de forma um pouco atenuada por se tratar de um relato em segunda mão – a angústia resultante do nível de pressão psicológica a que são submetidos e que, mais do que a violência física, acaba por abalar a sua estabilidade emocional. Um terrorismo psicológico exercido com requinte e preciosismo a raiar o sadismo, manifesto em restrições impossíveis como, por exemplo a limitação do acesso à casa de banho, aos cuidados de higiene, privacidade e comunicação entre os reféns e mesmo a simples movimentação de braços e pernas.
Em relação à personalidade dos sequestradores, esta é variável, consoante o grupo de sequestrados que tinham a seu cargo.
O grupo que sofreu mais medidas de coacção foi precisamente, o de Maruja Pachón, onde também se encontrava Marina Montoya, sobretudo na primeira fase do sequestro e na altura do assassínio de Marina, altura em que mudaram os elementos que os vigiavam.
O medo e a tensão psicológica eram também uma constante entre os sequestradores, sempre em permanente estado de alerta com o receio paranóico e quase que esquizofrénico de serem descobertos. Nota-se uma relação de personalidade directa entre o terror pânico de a operação ser desmantelada e os maus tratos aos sequestrados.
Por outro lado a tensão atenua-se quando os primeiros sequestradores são substituídos, após o assassínio de Marina, chegando a estabelecer-se uma relação de quase amizade com as vítimas.
Entre estas, o pânico é ampliado sempre que é anunciada a libertação de um dos reféns, pelo facto de estes não terem forma de saber se se trata efectivamente de uma libertação ou da saída para o corredor da morte. Uma verdadeira roleta russa.
A dificuldade em resgatar as vítimas é ampliada pela constante mudança de residência das mesmas, distribuídas por vários locais, com o objectivo não só de confundir as autoridades, mas também de dificultar a detecção das vítimas e a organização de esforços concertados e simultâneos para a sua libertação.
Quanto aos familiares das vítimas, as atitudes variam praticamente de um extremo ao outro: desde a quase inércia do ex-presidente Turbay, que coloca o estado, o dever e a reputação do mecanismo legal que representa a Justiça, em primeiro lugar, relegando a segurança da filha para segundo plano; e Alberto Villamizar, marido de Maruja, que desenvolve todo um processo de negociação e mediação entre as autoridades estatais e os próprios traficantes, ou Doña Nydia, mãe de Diana, que chega a humilhar-se perante a família dos traficantes.
Um livro onde humanidade e desumanidade se misturam, onde o bem e o mal andam de mãos dadas para que o ideal de Justiça não seja mutilado, salvo algumas escoriações.
Uma vitória com gosto amargo pela perda de duas vidas inocentes.
De um realismo arrepiante.
Cláudia de Sousa Dias