“Diário de um Killer Sentimental” de Luís Sepúlveda (ASA)
O humor negro é a nota dominante nas três pequenas novelas de cariz policial que fazem parte deste volume.
Diário de um Killer Sentimental é a primeira dessas três pequenas estórias e, simultaneamente, aquela que dá título ao livro. Recheada de fina ironia a emergir de uma aparente contradição que deixa de o ser à medida que prosseguimos a leitura deste conto policial, cujo principal atractivo é o discurso de um assassino policial contratado. Sempre que fazemos uma análise de conteúdo ao seu monólogo interno (leia-se pensamento) verificamos que este exibe sempre a mesma tonalidade, o que o transforma numa personagem tipo; os adjectivos utilizados, quando se refere a terceiros, são quase sempre pejorativos, depreciativos. Trata-se de um registo onde impera a frieza e o cinismo, destituído de qualquer tipo de emoção que não seja o puro interesse material. Mesmo quando se refere à namorada – a sua “gata francesa” – é sempre na óptica do desejo sexual. Como pessoa, a jovem continua a ser, para ele, “aquela gajinha”; as qualidades positivas são sempre referentes ao corpo dela, nunca às suas qualidades humanas ou intelectuais - “Como toda a intelectual é algo ingénua, por isso acredita em qualquer história que lhe conte”. No entanto, a relação que mantém com a bela tradutora é um excelente exercício de camuflagem de forma a esconder a verdadeira personalidade ao viver, aparentemente, a vida de um homem normal. Mas a vida dupla torna-se, também, o seu ponto fraco face aos “colegas de profissão” que se encontram em campos opostos.
Estranhamente, este killer, aparentemente pouco ortodoxo, começa, de uma forma inexplicável, a interessar-se pelo carácter de uma das suas vítimas, membro de uma ONG, e a sentir uma despropositada curiosidade acerca dos actos que levaram a que fosse colocado na mira de um assassino contratado.
Este aparente sentimentalismo é esclarecido no final, quando nos apercebemos de que, na realidade, o assassino e a vítima têm mais em comum do que aquilo que se poderia pensar…
Uma estória muito ao estilo de James Bond recheada de viagens a lugares exóticos, ambientes sumptuosos ou infectos, onde colidem os interesses de diferentes redes internacionais de crime organizado.
Onde, também, se denuncia a hipocrisia da lei em países que, supostamente, defendem os direitos humanos.
A segunda estória, Jacaré, passa-se entre a sofisticada Itália e a bela selva do Pantanal. O tema de eleição é o tráfico de matérias-primas provenientes de espécies protegidas, muito ao gosto do Autor, tal como o tema do massacre de tribos amazónicas, em nome do monopólio do contrabando de peles.
O protagonista é um detective que, ao tentar encontrar a uma pista que ajude a desvendar a morte de um industrial italiano do ramo do calçado, trava conhecimento com uma rica e excêntrica herdeira. Idealista e adepta dos movimentos de defesa da ecologia e do ambiente, das minorias étnicas e dos mais fracos, tudo em nome da luta quixotesca pelos Direitos do Homem e do Animal…
Curiosamente, a bela, sedutora e felina jovem exibe um aspecto físico muito semelhante ao de Ornella Mutti. Aliás o nome da personagem é, precisamente, o de Ornella Brunni! Trata-se de uma personagem que é, provavelmente, fruto de um momento de inspiração que reuniu a beleza universalmente conhecida da actriz italiana, com as origens sociais do ícone internacional das passerelles, nos anos 90, actualmente, cantora e compositora – Carla Bruni –, uma mulher cujo forte sentido de independência fez com que se destacasse da família e sobrevivesse à custa do próprio talento. A personagem fictícia possui, também, a mesma fome de independência e liberdade. Não é por acaso que o índio do Pantanal afirma que “aquela fêmea tinha a selva no olhar” referindo-se, não só, ao olhar verde de Ornella Mutti mas também à irreverência de Carla Brunni. A personagem Ornella Bruni, a heroína de Jacaré tem a personalidade de uma mulher-jaguar ou de uma fêmea de ocelote, numa família de aves rapaces.
O tom coloquial de Luís Sepúlveda, o discurso próximo da oralidade e, sobretudo, o uso do vernáculo, tornam a escrita bastante dinâmica, aligeirando a forma, mas não o conteúdo, que é enriquecido pela já mais do que conhecida veia humorística deste escritor chileno.
Um mini-conto policial onde o móbil da vingança surge de onde menos se espera.
Em Hot-Line temos, mais uma vez, um detective, agora um Charles Bronson ou John Wayne da Patagónia que, ao tentar deter um bando de ladrões de gado na pampa, acabar por desintegrar a parte posterior traseira da anatomia de um filho de um general dos tempos do Ditador. O filho era, por sinal, o chefe do bando.
Um facto que acaba por desencadear a transferência do “detective de gatilho leve” para a capital, onde é encurralado num gabinete, atrás de uma secretária, a fim de escapar à perseguição do militar.
O activo detective das pampas vê-se, encurralado num departamento onde, dificilmente, terá a oportunidade de efectuar qualquer tipo de intervenção: a área dos delitos sexuais, a cargo, sobretudo de mulheres.
Até que surge a grande oportunidade.
Uma série de sucessivas queixas por parte de pessoas que se sentem burladas na conta telefónica devido ao excesso de chamadas hot line. Pouco tempo depois, são os próprios proprietários da hot line que apresentam queixa do estranho comportamento de um cliente: ruídos, gritos, ameaças veladas, sons que lembram prisioneiros a serem torturados numa cela de prisão, numa clara alusão aos abusos de poder praticados durante o regime de Pinochet.
Ajudado pela companheira, uma táxi-driver de Santiago do Chile, o detective segue a pista da “linha quente” – Hot Line – encontrando uma ligação surpreendente entre dois factos, aparentemente isolados.
Um leitura divertida, ideal para rir e descontrair, após um stressante dia de trabalho…
Cláudia de Sousa Dias
Diário de um Killer Sentimental é a primeira dessas três pequenas estórias e, simultaneamente, aquela que dá título ao livro. Recheada de fina ironia a emergir de uma aparente contradição que deixa de o ser à medida que prosseguimos a leitura deste conto policial, cujo principal atractivo é o discurso de um assassino policial contratado. Sempre que fazemos uma análise de conteúdo ao seu monólogo interno (leia-se pensamento) verificamos que este exibe sempre a mesma tonalidade, o que o transforma numa personagem tipo; os adjectivos utilizados, quando se refere a terceiros, são quase sempre pejorativos, depreciativos. Trata-se de um registo onde impera a frieza e o cinismo, destituído de qualquer tipo de emoção que não seja o puro interesse material. Mesmo quando se refere à namorada – a sua “gata francesa” – é sempre na óptica do desejo sexual. Como pessoa, a jovem continua a ser, para ele, “aquela gajinha”; as qualidades positivas são sempre referentes ao corpo dela, nunca às suas qualidades humanas ou intelectuais - “Como toda a intelectual é algo ingénua, por isso acredita em qualquer história que lhe conte”. No entanto, a relação que mantém com a bela tradutora é um excelente exercício de camuflagem de forma a esconder a verdadeira personalidade ao viver, aparentemente, a vida de um homem normal. Mas a vida dupla torna-se, também, o seu ponto fraco face aos “colegas de profissão” que se encontram em campos opostos.
Estranhamente, este killer, aparentemente pouco ortodoxo, começa, de uma forma inexplicável, a interessar-se pelo carácter de uma das suas vítimas, membro de uma ONG, e a sentir uma despropositada curiosidade acerca dos actos que levaram a que fosse colocado na mira de um assassino contratado.
Este aparente sentimentalismo é esclarecido no final, quando nos apercebemos de que, na realidade, o assassino e a vítima têm mais em comum do que aquilo que se poderia pensar…
Uma estória muito ao estilo de James Bond recheada de viagens a lugares exóticos, ambientes sumptuosos ou infectos, onde colidem os interesses de diferentes redes internacionais de crime organizado.
Onde, também, se denuncia a hipocrisia da lei em países que, supostamente, defendem os direitos humanos.
A segunda estória, Jacaré, passa-se entre a sofisticada Itália e a bela selva do Pantanal. O tema de eleição é o tráfico de matérias-primas provenientes de espécies protegidas, muito ao gosto do Autor, tal como o tema do massacre de tribos amazónicas, em nome do monopólio do contrabando de peles.
O protagonista é um detective que, ao tentar encontrar a uma pista que ajude a desvendar a morte de um industrial italiano do ramo do calçado, trava conhecimento com uma rica e excêntrica herdeira. Idealista e adepta dos movimentos de defesa da ecologia e do ambiente, das minorias étnicas e dos mais fracos, tudo em nome da luta quixotesca pelos Direitos do Homem e do Animal…
Curiosamente, a bela, sedutora e felina jovem exibe um aspecto físico muito semelhante ao de Ornella Mutti. Aliás o nome da personagem é, precisamente, o de Ornella Brunni! Trata-se de uma personagem que é, provavelmente, fruto de um momento de inspiração que reuniu a beleza universalmente conhecida da actriz italiana, com as origens sociais do ícone internacional das passerelles, nos anos 90, actualmente, cantora e compositora – Carla Bruni –, uma mulher cujo forte sentido de independência fez com que se destacasse da família e sobrevivesse à custa do próprio talento. A personagem fictícia possui, também, a mesma fome de independência e liberdade. Não é por acaso que o índio do Pantanal afirma que “aquela fêmea tinha a selva no olhar” referindo-se, não só, ao olhar verde de Ornella Mutti mas também à irreverência de Carla Brunni. A personagem Ornella Bruni, a heroína de Jacaré tem a personalidade de uma mulher-jaguar ou de uma fêmea de ocelote, numa família de aves rapaces.
O tom coloquial de Luís Sepúlveda, o discurso próximo da oralidade e, sobretudo, o uso do vernáculo, tornam a escrita bastante dinâmica, aligeirando a forma, mas não o conteúdo, que é enriquecido pela já mais do que conhecida veia humorística deste escritor chileno.
Um mini-conto policial onde o móbil da vingança surge de onde menos se espera.
Em Hot-Line temos, mais uma vez, um detective, agora um Charles Bronson ou John Wayne da Patagónia que, ao tentar deter um bando de ladrões de gado na pampa, acabar por desintegrar a parte posterior traseira da anatomia de um filho de um general dos tempos do Ditador. O filho era, por sinal, o chefe do bando.
Um facto que acaba por desencadear a transferência do “detective de gatilho leve” para a capital, onde é encurralado num gabinete, atrás de uma secretária, a fim de escapar à perseguição do militar.
O activo detective das pampas vê-se, encurralado num departamento onde, dificilmente, terá a oportunidade de efectuar qualquer tipo de intervenção: a área dos delitos sexuais, a cargo, sobretudo de mulheres.
Até que surge a grande oportunidade.
Uma série de sucessivas queixas por parte de pessoas que se sentem burladas na conta telefónica devido ao excesso de chamadas hot line. Pouco tempo depois, são os próprios proprietários da hot line que apresentam queixa do estranho comportamento de um cliente: ruídos, gritos, ameaças veladas, sons que lembram prisioneiros a serem torturados numa cela de prisão, numa clara alusão aos abusos de poder praticados durante o regime de Pinochet.
Ajudado pela companheira, uma táxi-driver de Santiago do Chile, o detective segue a pista da “linha quente” – Hot Line – encontrando uma ligação surpreendente entre dois factos, aparentemente isolados.
Um leitura divertida, ideal para rir e descontrair, após um stressante dia de trabalho…
Cláudia de Sousa Dias