“Taís de Atenas” de Ivan a. Efremov (Slavia Edições)
Imagem de Bazar Vermelho
Tradução: Dina Paulista e Margarida Savko de Brito.
Dados biográficos:
Ivan Antonovich Efremov, de patronímico
Ivan Antipovich Yefremov, nasceu a 22 de Abril de 1908, vindo a
falecer a 5 de Outubro de 1972. De nacionalidade russa, foi um
célebre historiador e paleontólogo soviético, além de romancista,
contando com uma vasta lista de obras de ficção científica, ensaio
e romance histórico. Destacou-se, também, como pensador, filósofo
e cientista social. Foi pioneiro no estudo da taphonomia (combinação
de
foraminíferos que fornece informações sobre os constituintes físico-químicos do
biótopo e,
em
particular, sobre a salinidade, a temperatura,
substrato e confinamento
dos materiais) e dos padrões de fossilização. É originário da cidade de
Vyritsa, no distrito de Sampetersburgo. Os pais divorciaram-se ainda
durante o período efervescente da Revolução Russa. A mãe voltaria
a casar-se com um oficial do Exército Vermelho, deixando as crianças
em Kherson, ao cuidado de uma tia, que viria, pouco depois, a falecer de tifo. Efremov sobrevive sozinho, durante algum tempo. Ainda na
adolescência ingressa no Exército como “filho do regimento”. Em
1921, é dispensado do serviço militar, trasladando-se para
Sampetersburgo a fim de prosseguir os seus estudos. Em 1924,
influenciado pelo cientista P. Shuskin, começa a interessar-se por paleontologia,
entrando para a universidade de Leninegrado, onde executa vários
trabalhos de investigação, que o obrigam a deslocar-se aos lugares
mais remotos e, por vezes inóspitos, da URSS. Acabará por dirigir o
laboratório de pesquisa do Instituto de Paleontologia daquela Universidade. Obtém, em 1935, a Licenciatura em Ciências Biológicas
e em, 1941, o Doutoramento em Antropologia Forense e Paleontologia. Durante a década de 1940, desenvolve o
estudo de taphonomia, pelo qual recebe o Prémio Estaline, em 1952.
Aplicou o resultado das suas investigações em estudos
arqueológicos, realizados no deserto de Gobi e na Mongólia. Foi este
trabalho que lhe trouxe o reconhecimento internacional como cientista e
paleontólogo. Em 1944, estreou-se na escrita ficcional com The
Land f Foam cujo título muda para Great Arc em 1946, data da sua publicação. Segue-se a obra de ficção
científica Andromeda Nebula, em 1957, um verdadeiro panegírico, transposto para épocas futuras, versando sobre a “utopia comunista”
para a Humanidade. Seguem-se outros contos de ficção científica,
sendo ano da sua morte aquele em que deu à luz o romance histórico
Taís de Atenas.
Em Portugal, a publicação está a
cargo das Slávia Edições cm tradução de Dina Paulista e
Margarida Savko de Brito.
No romance Taís de Atenas Ivan
Efremov aborda o papel das mulheres na antiga Hélade, no século IV
Antes de Cristo, em plena expansão alexandrina. No texto, é possível
detectar alguns elementos do ideário político da sociedade em que
cresceu o Autor, nomeadamente no primado do cuidado das educação das crianças
a cargo de instituições, influenciado pela sua própria
história familiar, e na crença na liberdade total de escolha, dada às
mulheres, quanto à selecção dos seus parceiros sexuais.
Assim, Efremov distingue dois tipos
sociais principais de mulheres que habitavam a Grécia no Período
Helenístico: as esposas e as heteras. Estas duas castas de mulheres habitam
espaços bem delimitados, que jamais se misturam ou convivem entre
si. As primeiras, encontram a segurança e protecção dentro do
casamento, mas não participam de forma alguma na vida pública nem
podem votar. As mais afortunadas parecem ser aquelas que provém
da aristocracia ou mesmo plebeias mas de famílias de cidadãos
livres.
Os grupos são endogâmicos. O grau de protecção dado à
mulher no casamento vai, entretanto, diminuindo à medida que se desce
na pirâmide social, já que as mulheres das classes menos
favorecidas, como por exemplo as escravas, sofrem, não raro, podem sofrer abusos por
parte do senhor. A protecção nas camadas mais básicas da pirâmide
é, assim, relativa. As mulheres casadas na época de Alexandre têm,
em troca do estatuto social que lhes é concedido pelo casamento, de
restringir a sua actividade ao espaço doméstico e, mesmo assim, com
total liberdade, só nos aposentos destinados às mulheres: o
gineceu. A infidelidade é punida com rafanidose.
As heteras ou cortesãs, por seu turno,
gozam, segundo o Autor, de uma liberdade relativa. Não podem votar
ou realizar qualquer acto político, tal como asa esposas, mas participam mais activamente
na vida da polis (durante os banquetes em que estão presentes, por exemplo, aristocratas, estrategos e intelectuais). São instruídas e cultas,
especializando-se em várias artes, tal como as gheishas no Japão
feudal.
Algumas personagens históricas, como
Aristóteles, não saem muito favorecidas no retrato feito por
Efremov, sendo impiedosamente taxado pela espartana e bélica Hagesícora como um homem mesquinho e inacreditavelmente misógino.
Ivan Efremov interessa-se
particularmente pela vida e pelo lugar que as mulheres ocupam na
antiga sociedade helénica. Estas seriam, ao que tudo indica,
valorizadas em primeiro lugar pela beleza, mas nas verdade, só conseguem obter
uma posição de destaque através da cultura e da inteligência,
propriedades que as dotam de carisma.
A figura central do romance é Taís, a
Ateniense, que teria sido uma das amantes de Alexandre o Grande, tendo acompanhado a sua expedição ao longo da Grande viagem, desde o Egipto
até ao Indo, passando pela Babiblónia e Ecbatana. Para Taís, a
sobrevivência num mundo em que o mínimo passo em falso implica o
declínio ou mesmo a morte – como o caso de Hagesícora – obriga-a a depender da sagacidade e da astúcia. A vida das heteras depende
do equilíbrio frágil das alianças que efectuam com o poder. Ao
longo do romance, são várias as personagens são várias as
personagens femininas que sucumbem, como é caso de Hagesícora,
companheira de Taís. A jovem de Sparta, apesar de adorada por todos como uma
deusa é brutalmente assassinada por despeito, por um dos clientes
mais possessivos.
O papel da Arte na Hélade é, também,
uma forte presença no romance: o prestígio de artistas, sábios e
filósofos é exaltado em vários momentos da narrativa, assim como a
adoração pelo Belo, por parte das gentes da Hélade, faz das heteras
seres invejados e alvos preferenciais do Desejo e da Cobiça: são
artistas, músicas, intérpretes, bailarinas, pintoras, musas de
escritores e poetas. A personagem central do romance, Taís representa aquilo que era valorizado na classe dominante: a perfeição das feições e a proporcionalidade das formas corporais que dão vazão ao seu talento como dançarina.
No entanto, poucas são realmente
conhecidas como artistas, criadoras, apesar de excelentes
intérpretes. No romance, é vagamente mencionada a ilha de Lesbos e de uma poetisa, Sapho, que dirige uma escola, em claro desafio à sociedade patriarcal.
A obra de Efremov é, assim, construída como uma epopeia onde a protagonista feminina
acompanha a comitiva de Alexandre mas com objectivos diferentes:
enquanto o filho de Filipe da Macedónia pretende descobrir o mundo e
alargar os seus domínios, Taís persegue um ideal de liberdade e
autonomia. Uma sociedade utópica como a que defende o Autor do romance, onde a
igualdade absoluta lhe permita viver uma vida em paz, sem medo e sem
depender dos homens. Por esse mesmo motivo, Taís não deseja uma vida
de cortesã para a filha. Mas também não a quer como esposa
submissa sob ameaça de rafanidose. Taís persegue o mesmo sonho que
Hagesícora, Hesíone e Éris que a acompanharam em diversos momentos do seu percurso.
O sonho de um mundo unificado sob a
égide da cultura helénica, desfaz-se com a morte de Alexandre. Da
mesma forma que a utopia de Taís, que parece encontrar
temporariamente a paz numa ilha resguardada dedicada à deusa, Afrodite Anadiomene. Mas as ameaças surgem de todos os lados...
Iva A. Efremov escreve Taís de
Atenas como um romance que, por vezes, adquire laivos de ensaio
histórico, filosófico ou mesmo sociológico, onde a
mulher é vista como a súmula de todos os atributos, mas sem ocupar o topo da pirâmide social, limitando-se, quando muito, a
exercer um poder à margem do Poder. Apesar disto, o romance é um
verdadeiro hino a uma civilização que atribuía a primazia e o
lugar cimeiro às artes e ao saber, mostrando-a contudo, à beira do
abismo. O seu declínio começará com a morte de Alexandre. O final
deixa entrever um mudança estrutural, fruto do alargamento do
Império, a lidar com o problema do choque de culturas das diferentes províncias e onde a
disputa pelas mesmas ameaça a eclosão de uma guerra civil, podendo mesmo culminar no desaparecimento dos valores mais nobres da
civilização cujo expoente máximo é a Cultura. Por outro lado, a
Ocidente, uma outra civilização começa a despontar...
A nota do Autor não dúvidas no tocante ao respeito e admiração pela cultura milenar que foi berço da civilização
europeia:
Os leitores contemporâneos poderão
achar excessiva a abundância de tempos ou esculturas, bem como
sobrevalorizado o papel de artistas e poetas. Contudo, não podemos
esquecer que a vida espiritual daquela época girava em torno das
artes e da poesia e, em menor proporção, à volta da filosofia.
(…)
Algo parecido poderemos verificar no
Japão dos nossos dias: o contemplar dos jardins, ornados de flores,
o fundir-se com a matéria nu abandono de si próprio em casas de chá
à beira de um lago com nenúfares flutuando (…).
Ao longo dos vários séculos do
florescimento da civilização helena, foram acumulando enormes
riquezas em obras de arte, principalmente esculturas. Só uma
minúscula parte desta riquíssima herança chegou aos nossos dias,
em cópias romanas de mármore. Invasores ignorantes em tempos
bastante recentes (invasões napoleónicas) fundiam algumas dessas
esculturas de metal para a produção de balas de canhão. A título
de exemplo, nenhuma escultura original de um artista tão produtivo
como Lísipo é conhecida por nós, porque ele trabalhou
principalmente o bronze.
Efremov não se coíbe ainda a comentar ainda o contraste
notório, já evidente nos anos 1960 e 1970, face ao início do
século XX relativamente às alterações climáticas, as quais assumem proporções
alarmantes quando se efectuam comparações com as descrições de
exploradores que andaram pela região mediterrânico-asiática há
uns escassos duzentos anos.
O autor estava, também, profundamente convicto que
as relações comerciais entre Ocidente e Oriente eram, na
Antiguidade, bastante mais significativas do que aquilo que se crê.
Tal como o nível de conhecimentos, guardado normalmente a sete
chaves por sacerdotes em templos – egípcios e babilónicos – por
recearem que a sua disseminação se tornasse um mal para a
humanidade e cujo pensamento esclarecido implicaria a dissolução do
seu próprio poder face à democratização do Conhecimento.
Para Efremov é sobretudo de especial importância
o estudo e o desenvolvimento científico da Geografia Histórica do
Oriente e a Antropologia Forense ou Paleontológica para reconstruir o percurso da vida do Homem. No seu entender, caberá depois aos romancistas a missão de “preencher” as
lacunas, deixadas pelos vestígios, com a fantasia. Assim sendo,
“este romance aparece como uma narrativa de ficção, baseada
embora em documentos históricos”.
Uma obra de grande magnitude, vinda de
um escritor obscuro e, praticamente, desconhecido na Europa Ocidental.
Uma voz russa apaixonada pelo saber e pela Beleza. Um herdeiro do
espírito ateniense.
31.07.2011-21.11.2012
Cláudia de Sousa Dias