“O Nome da Rosa” de Umberto Eco (Difel)
Tudo começa com a chegada de William Baskerville a uma Abadia, situada numa zona fronteiriça entre Itália, França e o Sacro Império Romano. Onde entram em conflito os interesses económicos e políticos de duas forças opostas: o Papa João XXII – que não vê com bons olhos o peso crescente da ordem dos Franciscanos – e o imperador Ludwig da Baviera que os apoia.
A Abadia em questão é o local onde irá decorrer a cimeira que reunirá os representantes de ambas as facções.
Contudo, os resultados desta cimeira vêem-se seriamente comprometidos por uma série de misteriosos crimes perpetrados na Abadia…
…pela mão de um assassino invisível, aparentemente comandado por misteriosas forças maléficas, que circula a horas mortas pelos corredores secretos do Edifício….
A história é narrada por Adso, o assistente de William Baskerville. Adso – o Dr.Watson deste Sir Arthur Conan Doyle italiano – só no final da vida é que passa à forma escrita as memórias dos sete dias que constituíram a sua estada na Abadia com o seu Mestre, local onde ocorreram os acontecimentos mais marcantes da sua vida.
William de Baskerville é um homem de grande erudição, um detective medieval e analista político, pertencente à Ordem de S. Francisco de Assis, oriundo da região anglo-saxónica. Exibe uma capacidade superior de raciocínio dedutivo, expressa através de um esquema mental inspirado no modelo conceptual de Roger Bacon, em pleno sec.XIV, altura em que começa a desenhar-se a transição da Idade Média para o Renascimento. E, consequentemente, encontra-se no ponto de transição de um modelo explicativo, teocêntrico ou teosófico, de cariz sobrenatural, para o modelo científico, que é baseado nas relações de causa e efeito. Começa então a dar-se, cada vez mais, importância ao conhecimento experimental, complementando o método dedutivo com o indutivo.
Esta forma de raciocínio adoptada por William de Baskerville entra, inevitavelmente, em rota de colisão com a explicação baseada no paradigma dominante da época: a atribuição de uma explicação sobrenatural para fenómenos naturais para os quais os simples não conhecem explicação.
Adso, o ingénuo aprendiz de William, ou Guilherme, é encarregue de relatar os acontecimentos sucedidos na Abadia e de auxiliar o seu mestre franciscano.
Salvador aparece como uma personagem burlesca, em tudo semelhante à personagem “O Parvo” do Auto-da-Barca-do-Inferno de Gil Vicente. Exprime-se numa língua babélica, uma miscelânea de idiomas e dialectos que contém a marca dos sítios por onde passou. O que, aliado à sua extrema ingenuidade e à escravidão face aos seus apetites mais básicos, colocá-lo-á na posição ideal para servir de bode expiatório, não só para o que acontece na Abadia, mas também para servir os interesses da Inquisição, na sua caça desesperada aos heréticos de todas as facções possíveis e imaginárias.
O mesmo se passa, embora por razões diferentes, com a jovem de quem não se sabe o nome que, ao rondar a Abadia em busca de comida, acaba por se apaixonar por Adso, mostrando-lhe a vertigem do amor carnal…
A Mulher é vista, entre os religiosos da Abadia, como fonte do Mal ou a porta por onde o Maligno se insinua aos solitários e sexualmente reprimidos homens da Abadia…
Em O Nome da Rosa, o saber aparece como algo que deve permanecer oculto das mentes mais simples. O acesso à biblioteca é interdito, a totalidade das obras nela contida não é do conhecimento da esmagadora maioria dos membros da Abadia, salvo o Abade, o bibliotecário e uma misteriosa personagem que se esconde na sombra, que vive nas trevas. Aquele que, na verdade, controla o Edifício e conhece o segredo de todos os livros.
O principal receio das mentes mais fundamentalistas da Abadia é o de que a divulgação do saber implique uma distorção desse mesmo saber, através de uma interpretação errónea tal como, na época, sucedia com as escrituras, originando as mais variadas seitas. Por este motivo, torna-se necessário proteger os livros das mentes menos subtis, escondendo-os.
Esta é a polémica acerca da qual trata o romance. A democratização do saber. Ou a sua preservação. A pluralidade de opiniões. A procura da Verdade.
O estilo de Umberto Eco é erudito recorre inúmeras vezes à alegoria e à metáfora. O discurso é dialéctico, argumentativo. O que se torna uma grande ajuda para o leitor que se sente tentado a decifrar o enigma. De facto, as pistas estão visíveis desde o início do romance, apesar de dissimuladas com falsos silogismos.
Um livro que, apesar de já contar com mais de uma vintena de anos, continua actual pela pertinência dos temas tal como acontece nas grandes obras literárias que normalmente sobrevivem séculos ao seu autor.
É o que acontecerá certamente a O Nome da Rosa – um título enigmático pois, já na Antiga Roma, a simbologia da rosa remetia sempre para algo de secreto…
Porque, independentemente do nome a rosa, esta terá sempre o mesmo perfume (como afirmava Shakespeare em Romeu e Julieta).
Uma obra-prima da literatura do séc.XX pelo estímulo ao pensamento crítico.
Destinada aos amantes do Conhecimento.
Cláudia de Sousa Dias