“A Montanha da Água Lilás” de Pepetela (Dom Quixote)
Uma fábula para todas as idades.
A presente obra é uma belíssima alegoria alusiva aos Povos de África ou a qualquer parte do globo cujos recursos naturais se tornem imprescindíveis para a espécie humana.
Utilizando uma linguagem simples e, simultaneamente, poética, o Autor consegue fazer entender a um público tão vasto quanto possível, o processo social que leva à diferenciação de classes e, simultaneamente, a estruturação de uma economia assim como a instituição de um sistema político dentro de um dado território que comporte uma ou mais etnias.
A estória é contada no português dos PALOP utilizando o léxico e a semântica tipicamente angolanos. O Autor introduz, também, algum vocabulário da sua própria autoria – neologismos. Apesar disto, o leitor, após um período inicial de desorientação, passa facilmente a deduzir o significado deste léxico, para nós exótico, integrando-o facilmente no contexto.
Dedicado a Lueji, a filha do Autor, A Montanha da Água Lilás é um conto narrado por um ancião à luz da fogueira, em plena noite africana, cuja magia tem como objectivo deslumbrar um público sem idade.
Trata-se de um conto que nos poderia ter sido trazido de qualquer parte de África, ou até do Oriente, onde, segundo a lenda, também existe água lilás. Esta água perfumada é um produto extraordinário, vital para a humanidade, cujas propriedades têm a faculdade de eliminar todo o tipo de parasitas que infestem a pele dos lupis (habitantes da Montanha da Água Lilás) e também o humor dos seres vivos em geral.
Utilizando a água lilás como riqueza natural, que se torna necessária a todos os seres vivos, o Autor faz-nos entender o processo de estratificação social entre os lupis, a formação das profissões e a constituição dos diferentes tipos sociais que permitem que uma sociedade funcione como um todo, isto é, como um sistema social.
Da mesma forma, o Autor consegue, ao utilizar um discurso de uma candura que torna imediata a apreensão do significado de coisas extremamente complexas, mostrar-nos de que forma a água lilás consegue transformar uma economia fechada, numa economia de mercado e despoletar o aparecimento de uma sociedade de consumo.
A água lilás acaba também por ser o catalizador que leva a uma desigual distribuição da riqueza e a uma total inversão de toda uma escala de valores, possibilitada pelo desenvolvimento da economia e do contacto com outras culturas. É através desta preciosa matéria-prima que – inicialmente benéfica, mas que depois de transformada pelo (mau) uso da ciência e da tecnologia, sem ter em vista o bem comum, se torna nociva – nos é dado a conhecer o processo social que leva à elaboração de armas químicas e biológicas, com o objectivo de destruir os grupos rivais, desenvolvendo a corrida ao armamento. A água lilás torna-se assim, a longo prazo, a semente do ódio, da cobiça, da inveja e da ambição desmedida.
No meio de tudo isto, assiste-se, como é habitual na sociedade de consumo, à marginalização dos visionários – na pele de figuras tipo como o Pensador e o Poeta – que são os representantes do Idealismo. Ou seja, dos seres incómodos, que rapidamente identificam as complicações advindas de uma exploração comercial desenfreada e da má utilização da água lilás. Por outro lado, dá-se a ascensão fulgurante dos parasitas como os jacalupis, ou o triunfo dos medíocres. E assiste-se, paralelamente, ao sucesso do ávido comerciante, do sôfrego armazenista e de espécimens escorregadios e oportunistas como o diplomata e o advogado. Todos eles o retrato fiel daquilo que é a estrutura normal da sociedade.
Pepetela oferece-nos uma deliciosa metáfora social ao dotar o texto de uma sonoridade e de um ritmo tropical que lhe conferem um estilo com um encanto singular.
Mais ainda, o livro está povoado de lindíssimas ilustrações que contém em si o essencial de cada capítulo ajudando o leitor a decifrar a estória e a visualizar os lupis, lupões e jacalupis.
Uma obra deliciosa e um conto irresistível pela pureza com que é narrado. A mestria do Autor é evidenciada na transparência cristalina com que é tratado um tema tão complexo.
Por que o perfume da água lilás devolve-nos a capacidade de entender a realidade da mesma forma que as crianças: simplificando-a.
Um texto que mostra a beleza das coisas simples e a forma como a superficialidade da maior parte dos desejos onde, frequentemente, se confunde opulência com bem-estar.
A realidade sem máscaras.
Colocando o dedo na ferida.
Cláudia de Sousa Dias
A presente obra é uma belíssima alegoria alusiva aos Povos de África ou a qualquer parte do globo cujos recursos naturais se tornem imprescindíveis para a espécie humana.
Utilizando uma linguagem simples e, simultaneamente, poética, o Autor consegue fazer entender a um público tão vasto quanto possível, o processo social que leva à diferenciação de classes e, simultaneamente, a estruturação de uma economia assim como a instituição de um sistema político dentro de um dado território que comporte uma ou mais etnias.
A estória é contada no português dos PALOP utilizando o léxico e a semântica tipicamente angolanos. O Autor introduz, também, algum vocabulário da sua própria autoria – neologismos. Apesar disto, o leitor, após um período inicial de desorientação, passa facilmente a deduzir o significado deste léxico, para nós exótico, integrando-o facilmente no contexto.
Dedicado a Lueji, a filha do Autor, A Montanha da Água Lilás é um conto narrado por um ancião à luz da fogueira, em plena noite africana, cuja magia tem como objectivo deslumbrar um público sem idade.
Trata-se de um conto que nos poderia ter sido trazido de qualquer parte de África, ou até do Oriente, onde, segundo a lenda, também existe água lilás. Esta água perfumada é um produto extraordinário, vital para a humanidade, cujas propriedades têm a faculdade de eliminar todo o tipo de parasitas que infestem a pele dos lupis (habitantes da Montanha da Água Lilás) e também o humor dos seres vivos em geral.
Utilizando a água lilás como riqueza natural, que se torna necessária a todos os seres vivos, o Autor faz-nos entender o processo de estratificação social entre os lupis, a formação das profissões e a constituição dos diferentes tipos sociais que permitem que uma sociedade funcione como um todo, isto é, como um sistema social.
Da mesma forma, o Autor consegue, ao utilizar um discurso de uma candura que torna imediata a apreensão do significado de coisas extremamente complexas, mostrar-nos de que forma a água lilás consegue transformar uma economia fechada, numa economia de mercado e despoletar o aparecimento de uma sociedade de consumo.
A água lilás acaba também por ser o catalizador que leva a uma desigual distribuição da riqueza e a uma total inversão de toda uma escala de valores, possibilitada pelo desenvolvimento da economia e do contacto com outras culturas. É através desta preciosa matéria-prima que – inicialmente benéfica, mas que depois de transformada pelo (mau) uso da ciência e da tecnologia, sem ter em vista o bem comum, se torna nociva – nos é dado a conhecer o processo social que leva à elaboração de armas químicas e biológicas, com o objectivo de destruir os grupos rivais, desenvolvendo a corrida ao armamento. A água lilás torna-se assim, a longo prazo, a semente do ódio, da cobiça, da inveja e da ambição desmedida.
No meio de tudo isto, assiste-se, como é habitual na sociedade de consumo, à marginalização dos visionários – na pele de figuras tipo como o Pensador e o Poeta – que são os representantes do Idealismo. Ou seja, dos seres incómodos, que rapidamente identificam as complicações advindas de uma exploração comercial desenfreada e da má utilização da água lilás. Por outro lado, dá-se a ascensão fulgurante dos parasitas como os jacalupis, ou o triunfo dos medíocres. E assiste-se, paralelamente, ao sucesso do ávido comerciante, do sôfrego armazenista e de espécimens escorregadios e oportunistas como o diplomata e o advogado. Todos eles o retrato fiel daquilo que é a estrutura normal da sociedade.
Pepetela oferece-nos uma deliciosa metáfora social ao dotar o texto de uma sonoridade e de um ritmo tropical que lhe conferem um estilo com um encanto singular.
Mais ainda, o livro está povoado de lindíssimas ilustrações que contém em si o essencial de cada capítulo ajudando o leitor a decifrar a estória e a visualizar os lupis, lupões e jacalupis.
Uma obra deliciosa e um conto irresistível pela pureza com que é narrado. A mestria do Autor é evidenciada na transparência cristalina com que é tratado um tema tão complexo.
Por que o perfume da água lilás devolve-nos a capacidade de entender a realidade da mesma forma que as crianças: simplificando-a.
Um texto que mostra a beleza das coisas simples e a forma como a superficialidade da maior parte dos desejos onde, frequentemente, se confunde opulência com bem-estar.
A realidade sem máscaras.
Colocando o dedo na ferida.
Cláudia de Sousa Dias