“O Fantasma dos Canterville e outros contos” foi escrito durante a juventude de Oscar Wilde e coincidiu com a infância dos seus filhos.A finalidade destas pequenas estórias é a de transmitir-lhes valores morais, éticos e códigos de conduta a fim de ajudá-los a construir a sua personalidade.
Nos seus contos, Wilde promove o Amor e a Solidariedade como as principais linhas de conduta pelas quais se devem orientar os seres humanos. A moral de Wilde é, sobretudo, uma moral Kantiana orientada pelo princípio - “Age segundo uma máxima que possa ser considerada como lei universal – e, simultaneamente, hegeliana baseada no pressuposto de que há uma entidade suprema , espiritual, que governa o mundo e à qual os homens se submetem – o Weltgeist – que, para o Autor, simboliza o Amor ou o Altruísmo.
Enfatiza, também, o culto da Beleza ou do Belo como valor absoluto e o respeito pela Arte.
O seu helenismo está patente na forma como descreve as figuras masculinas cuja ênfase descodifica, sem sombra de dúvida, a orientação sexual do autor.
As personagens femininas são, regra geral, fúteis, frívolas, superficiais, ou então, dotadas de uma frieza gélida que as torna incapazes de sentir e demonstrar um afecto verdadeiro e total, salvo duas excepções: a Menina Virgínia, a menina-anjo de “O Fantasma dos Canterville” (que ainda não é totalmente mulher) e a sereia de “O Pescador e a sua Alma” (que, tal como no conto de Andersen, pode ser conotada com uma personagem pertencente a um terceiro sexo).
“O Fantasma dos Canterville” é um conto em que Wilde recorre à mais fina ironia e critica, de forma demolidora, a alta sociedade britânica e norte-americana ao destacar a fleuma e “snobery” enraizados no orgulho pedante pela genealogia expressa nos pergaminhos, postura típica da aristocracia britânica, que contrasta com a arrogância dos novos-ricos vindos do novo mundo convencidos que o dinheiro tudo pode comprar.
E é, exactamente, uma família com todas estas características que adquire o castelo assombrado dos Canterville e que passa a infernizar a vida ao pobre fantasma que aí habita.
O seu pragmatismo, rebeldia e incapacidade de se impressionarem com uma “curiosidade excêntrica”, como um fantasma, é para eles, sinal de “chic absolut”, uma marca de distinção e nobreza que pretendem adquirir seja a que preço for. De facto, não há fantasma que aguente. Com uma mentalidade destas, como é que é possível daí em diante assustar alguém? E que pode fazer um fantasma que foi destituído das suas funções? É então que surge em cena a menina Virgínia, personificação da inocência e do Amor no seu estado puro…
Em “O Príncipe Feliz” temos duas personagens principais que vivem um amor impossível: o Príncipe e a Andorinha; impossível quer pela personalidade – o príncipe está agarrado à terra, preso ao seu pedestal; e a Andorinha, andarilha, sonha viajar para o Egipto, após ter vivido uma paixão passageira por um junco, habitante de uma lagoa inglesa.
Estas duas personagens apesar de, à primeira vista parecerem uma estátua e um passarinho são, na realidade, duas almas que se completam: o Príncipe, pelo poder, pela visão estratégica e omnisciente em relação a tudo o que se passa na sua cidade; a andorinha, pela sua mobilidade, pela sua cultura e conhecimentos adquiridos ao longo das suas viagens. O príncipe delibera e a andorinha executa e informa àcerca dos resultados. Juntos formam um governo imbatível no combate às dificuldades sociais. Mas não por muito tempo. Não no mundo real. Apenas no supra-real, talvez na República de Platão…ou no Paraíso. Porque os recursos de que dispõem esgotam-se rapidamente e quem possui poder de compra ou capacidade de produção investe, geralmente, em bens privados e não no bem comum. Tal como podemos observar ao analisarmos a personalidade do Mayor e dos seus yes men, inclusive o Professor de Matemática, que só entende a lógica dos números.
O mesmo acontece com o amor do Príncipe e da Andorinha que bem poderia ser o amor de um homem maduro por um jovem. A sua vida estiola devido ao gelo do Inverno e do coração das pessoas que nunca aceitariam tal ligação.
“O Rouxinol e a Rosa” é a mais pungente de todas as pequenas histórias de Oscar Wilde.
Tal como em “O Príncipe Feliz” está presente o sacrifício extremo de um pequeno pássaro (que poderia ser um belo e delicado efebo) por um humano – um estudante – não correspondido. O Rouxinol sacrifica-se para oferecer a felicidade àquele a quem ama.
A crueldade da roseira que exige o sacrifício do Rouxinol pode, perfeitamente, ser a de um velho pervertido, que chantageia a pequena ave em troca da Rosa Vermelha – a prova de amor que o estudante terá de oferecer à sua amada.
No final, o Autor dá a entender que todo o sacrifício por um amor não correspondido é inútil, pois conduz, apenas, à autodestruição e à indiferença do ser amado.
É, no fundo, uma história de desamor que trespassa o coração de adultos e crianças.
“O Gigante Egoísta” exalta os valores da partilha, da generosidade e da inocência. Porque o egoísmo e o egocentrismo acabam sempre por gelar a alma, que passa somente a ser habitada pela Neve e pela Geada, levando ao seu envelhecimento prematuro.
Só quando o Gigante consegue esquecer-se de si próprio e dos seus haveres é que lhe é permitido usufruir da felicidade sendo-lhe, então, facultada a entrada no Paraíso.
Em “O Amigo Dedicado” Wilde explica, recorrendo a uma fábula, a diferença entre o ser e o fazer. Trata-se de uma história que pretende mostrar a clivagem existente entre a verdadeira e a falsa amizade. Extremamente útil, até para os adultos. Aqui, o Autor recorre ao sarcasmo para ilustrar tanto a hipocrisia do Rato d’Água, como a de Hugo, o Moleiro. Duas personagens cuja perfídia e avareza contrastam fortemente com a ingenuidade do pequeno Hans (um pouco à semelhança do que acontece em “O Jardineiro e o Senhor” de H.C.Andersen). A poesia e o estilo sublime dos três contos anteriores são substituídos pelas cáusticas indirectas do Autor, face àqueles “amigos”que exigem absolutamente tudo sem dar absolutamente nada em troca.
Na mesma linha, “O Notável Foguete” critica a vaidade desmedida, o ridículo daqueles que se sobrestimam. É uma denúncia face ao patético snobismo de uma aristocracia decadente.
“O Jovem Rei” destaca a necessidade de respeitar o trabalho dos outros já que, as coisas mais belas, para atingirem o tão desejado grau de perfeição, exigem, muitas vezes, o sacrifício das vidas daqueles que as executam.
Neste conto, Wilde chama a atenção para as condições de trabalho dos artesãos de fiação de lã, para os riscos de vida a que diariamente se submetem os pescadores de pérolas e para extrema dureza do clima dos trabalhadores das minas de pedras preciosas na Índia. O trabalho dos artífices que executam o manto, a coroa e o ceptro do Jovem rei é realizado em condições idênticas às do trabalho escravo, tanto no seu próprio país como nas colónias do Império que se supõe ser o Império Britânico, fazendo lembrar um conto de Charles Dickens.
“O Aniversário da Infanta” fala de uma Princesa real espanhola que habita uma corte onde pululam o luxo e a extravagância.
Mimada e caprichosa, a herdeira do trono, está habituada a olhar as pessoas como brinquedos com os quais se diverte. Apreciadora da Beleza sem, propriamente, atribuir-lhe qualquer valor, vê o grotesco como uma curiosidade aberrante, que destoa do resto do ambiente. Fria e superficial, aprecia apenas a beleza exterior quer dos objectos, quer das pessoas sem olhar ao seu valor intrínseco ou emocional.
Porque uma futura rainha “sabe” que não lhe é permitido conhecer o significado da emoção. Sobretudo porque não há nada nem ninguém que se compare a ela própria.
“O pescador e a sua Alma” é uma das mais belas e poéticas histórias de amor de Oscar Wilde retomando a temática de “O Príncipe Feliz” e “O Rouxinol e a Rosa”.
Mas, ao contrário da história de Andersen – “A Pequena Sereia” – o pescador e a sereia de Wilde apaixonam-se e amam-se. O pescador entrega o coração à sereia contra tudo e contra todos, inclusive o padre que vê a sereia como uma figura pagã e, por isso mesmo, anti-cristã, condenando um amor que não cabe nos parâmetros da religião.
Para juntar-se à sereia, o Pescador corta com as suas raízes cristãs, desfaz-se da Alma, o seu alter-ego, que passa a errar pelo mundo entregue ao domínio das Trevas.
No entanto, a Alma do pescador que é o seu Ka, o seu duplo ou o seu gémeo, regressa e, por três vezes, tenta o Pescador. Primeiro tenta seduzi-lo com Sabedoria. Depois com Riqueza. E, por último, oferece-lhe sexo em quantidade e variedade, simbolizado pelos pés brancos das mais belas dançarinas do mundo. O Pescador sucumbe apercebendo-se depois, tarde demais, que o Amor não é apenas melhor do que a Sabedoria e a Riqueza. É, também, superior ao Prazer – a tentação suprema.
O Pescador apercebe-se que, ao abandonar o amor, a Alma perde-se, torna-se cínica, sucumbe às emoções negativas e passa a não respeitar os outros. Porque as emoções positivas, isto é, o Amor e seus derivados ficaram com a sereia e o dever, ou seja, o travão que impede a maldade diluiu-se quando vende a alma ao Diabo por intermédio de uma bruxa. Uma bruxa que é o arquétipo negativo do feminino, tal como no conto de Andersen. O arquétipo positivo da figura feminina em Wilde nunca é totalmente mulher como é o caso da sereia e da supracitada Virgínia, a menina-anjo.
Uma vez instalado o ódio e a maldade é extremamente difícil efectuar o caminho de volta. Por vezes, não se consegue ou, quando se consegue, é tarde demais. A mensagem final é a de que o ódio não é construtivo.
“O Filho da Estrela” é a história de um líder, que se impõe pelas suas qualidades naturais, mas cuja arrogância, narcisismo e crueldade fazem com que ele se desvie do caminho traçado pelo destino. É então obrigado a expiar a sua falta à semelhança de Orestes, condenado por Apolo a vaguear pelo mundo para expiar o seu crime.
O Filho da Estrela perde a beleza e é humilhado da mesma forma que humilhou a progenitora.
Wilde pretende, aqui, fazer ver que quem semeia ventos colhe tempestades. Aqueles a quem maltratou mais tarde não puderam ajudá-lo.
Ao chegar à sua terra o jovem sofre a tortura do usurpador e só ao sacrificar-se por outrem consegue recuperar o seu verdadeiro EU ficando, desta forma, preparado para exercer a função para a qual tinha nascido: governar.
Expulsa o usurpador, liberta os pais, reina com justiça e equidade, mas sucumbe ao desgaste sofrido durante o período da expiação. O seu sucessor não lhe segue as pisadas.
Esta é uma história que poderia ser considerada quase como um capítulo que precede “Príncipe Feliz”, pois as duas poderiam estar perfeita e cronologicamente encadeadas.
As histórias de Oscar Wilde são, em geral, trágicas, fazendo lembrar os mitos que estão na base das obras dos clássicos, semelhança patente até na forma como exalta a beleza masculina.
A sua escrita é extremamente bela, dotada de uma infinita riqueza estilística. Oscar Wilde é único na utilização da personificação atribuindo sentimentos e pensamentos humanos aos pássaros, às árvores às flores, ao Gelo, à Neve (“A Neve é cruel para aqueles que dormem nos seus braços” in “O Filho da Estrela”); é o mestre da alegoria quando fala da Dor em “O Pescador e a sua Alma” ou do Amor representado pelo menino loiro de “O Gigante Egoísta”. Utiliza, também, com arte a adjectivação sobretudo quando recorre à ironia.
Por tudo isto, Wilde, ao elaborar os seus “Contos”, realizou uma obra prima que lhe dá o direito de ser incluído no panteão dos Grandes Génios da Literatura Universal.
Sem dúvida.
Cláudia de Sousa Dias